Seus Olhos escrita por May


Capítulo 1
Os olhos dele... Os olhos dela




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É isso. Meu tempo neste mundo já acabou.


Acho que, no fundo, eu sempre soube que algo assim acabaria acontecendo. O Lorde das Trevas poderia me dizer o que quisesse sobre a minha lealdade supostamente inabalável e o prestígio que tenho para com ele. Eu sabia que, apesar de todas as regalias que possuía, o Lorde das Trevas jamais teria misericórdia se soubesse (ou pensasse que soubesse) que para ter o que queria, precisava antes me tirar de seu caminho. Não importava se era um servo bom, leal, obediente. O Lorde das Trevas não tinha compaixão. Não tinha sentimentos. Todos sob suas ordens eram meros peões, que ele, o grande rei, deveria sacrificar para fins maiores. Eu não era exceção.


A dor é dilacerante. O veneno da serpente asquerosa já corre implacável por minhas veias, queimando tudo, acabando aos poucos com minha vida. Sei que não há nada á se fazer. Penso apenas que minha missão não está de todo cumprida. O garoto... O garoto ainda não sabe da verdade... Ainda não sabe da missão que lhe será confiada... Ele precisa saber... Precisa...


Ouço um ruído próximo de mim, abafado pela pressão que a dor terrível faz tanto em meus ouvidos quanto no restante de meu corpo entorpecido. Não preciso erguer os olhos para ver do que se trata.


Ele está aqui. Na minha frente, acompanhado dos amigos leais, Weasley e Granger.


Os olhos verdes cintilantes estão fixos em mim. E é aí que me lembro, num momento em que a lucidez me foge, e acontecimentos passados em minha vida transcorrem diante de meus olhos, como nos rolos de filmagem dos trouxas.


Eu me lembro de você, Lily.


Não é um bom momento para ser nostálgico, admito. Mas quando encaro os olhos verdes e luzidos desse garoto tão odiosamente parecido com James Potter, é impossível não me lembrar dos seus.


Eu adorava os seus olhos, Lily. Não só por aquela cor tão vívida e brilhante, mas porque eles eram espelhos perfeitos. Através deles, eu podia ler você. Só de olhar em seus olhos, eu sabia se você estava feliz ou triste, calma ou com raiva, até mesmo se estava ou não com sono. Seus olhos irradiavam toda a pureza que havia em sua mente e em seu coração. Irradiavam a luz que te cercava; aquela luz que atraía todos para perto de você, aquela luz que a tornava tão querida, tão amada pelas pessoas ao seu redor.


Era impossível não gostar de você, Lily. E eu fui uma das vítimas dessa sua luz. Como uma mariposa atraída pelas luzes incandescentes das chamas, eu me deixei atrair por esse seu encanto. E me queimei.


Fui egoísta, Lily. Queria a sua luz, os seus olhos; queria tudo isso só para mim. No fundo, não suportava o fato de você ser tão popular, mesmo sabendo que você não ligava para publicidade. Afinal, você era a menina nascida trouxa que estava entrando num mundo completamente desconhecido. Tinha como se sentir mais deslocada?


Eu queria te proteger dos males que sabia que você enfrentaria. Não me importava com seu sangue trouxa. Aquele mero detalhe não te tornava alguém menos especial. Eu estaria lá para você. Seu melhor amigo, seu confidente, aquele com quem você sempre poderia contar. O mestiço e a sangue-ruim.


Eu sabia como outras pessoas, principalmente colegas sonserinos se referiam aos bruxos nascidos trouxas. Um termo baixo e ofensivo. Termo que muitos dos amigos que fiz ao longo da minha carreira letiva em Hogwarts usavam frequentemente. Você vivia dizendo que eles não eram flores que se cheirassem, Lily. Dizia não entender como eu podia me misturar com esse tipo de gente. E quando tocava nesse assunto, seus lindos olhos chamejavam com raiva e indignação. Mesmo que não gostasse de te ver irritada, pelo menos comigo, eu gostava de como seus olhos ficavam acesos.


Nós nos afastamos, lembra, Lily? Eu me enveredei nesse caminho tortuoso ao lado daquelas pessoas que você tanto desprezava, e você foi se afastando de mim. Conversávamos cada vez menos. Víamos-nos cada vez menos. E eu sentia que estava perdendo você, Lily. Mas não queria me desviar da trilha que estava tomando. Estava obcecado. Foi por minha culpa que você se afastou, Lily. A fogueira se apagou, deixando aquela mariposa perdida na escuridão.


Até o dia em que aquele nojento do Potter e seu fiel séquito resolveram me atormentar, como sempre. Você estava lá, Lily. Ao ver Potter me importunando, você se manifestou. E nos seus lindos olhos verdes, havia ódio. Sendo totalmente dirigido á James Potter. O que, de certa forma, me alegrou.


“Deixe-o em paz!”

Por mais que gostasse de ver você destilando seu ódio para Potter, senti-me ainda mais humilhado por ter que ser defendido por você. Você, a minha fogueira brilhante, que havia se afastado, deixando-me sozinho no escuro. Você tinha me abandonado, Lily. Achou que poderia me esquecer e, num belo dia, reivindicar para si aquilo que você mesma deixou?


“Então saí comigo, Evans! Saí comigo, e eu nunca mais encosto um dedo no ‘ranhoso’!”

A oferta e a prepotência de Potter não foram suficientes para amolecer você, mas no momento, aquilo pouco me importava. Não queria ser defendido por você. Você, que me abandonou, que me esqueceu. Que me deixou sozinho na escuridão.


“Não preciso da ajuda de uma sangue-ruim imunda feito ela!”

O grito de raiva e rancor escapou da minha boca antes que pudesse refreá-lo. E arrependi-me disso pelo resto da minha vida.


Não foi minha intenção, Lily. Naquele momento, o ódio e a humilhação tomaram conta de minha cabeça, e não aceitei que você me defendesse. Fui um idiota. Tive a chance de tê-la de volta. Tive a chance de trazer minha luz para perto novamente. Tive a chance de ver seus lindos olhos pousados novamente em mim, repletos de carinho e compaixão. Mas a perdi. A perdi com uma única palavra. A perdi para sempre.


Nossa vida escolar tinha acabado, e cada um seguira seu rumo. Você se casou com Potter, coisa que me enojou profundamente. Teve um filho com ele, á quem amaldiçoei. Era o fruto de sua relação com o homem que eu mais odiava no mundo. E enquanto me juntava ás tropas de Comensais da Morte, enquanto jurava lealdade ao Lorde das Trevas, eu amaldiçoei você. Amaldiçoe você pelos anos que desperdicei alimentando esperanças de que pudéssemos ser mais que bons amigos. Amaldiçoei você por nunca ter retribuído meus sentimentos. Amaldiçoei você por ter me abandonado. Por ter me deixado sozinho no escuro. Por não ter mais seus olhos voltados para mim.


Mas tudo mudou naquela noite. A noite em que eu, ao lado de Rabicho, escutei a tresloucada Trelawney fazer aquela profecia á Dumbledore. A profecia que poderia colocar em risco o reinado do Lorde das Trevas. E eu não permitiria isso. Mas não sabia que a família á que a profecia se referia era a sua. Não sabia que a criança que colocaria um fim ao reinado de terror do Lorde das Trevas era fruto de seu ventre, Lily. Porque se soubesse, jamais teria levado aquela informação para o Lorde das Trevas. E teria travado a língua irrequieta de Rabicho com um feitiço.


Eu não queria perder você. Não que já não tivesse perdido. Mas não suportava a ideia de saber que seus lindos olhos nunca mais poderiam se abrir. Mas eu não podia ir contra o Lorde das Trevas. Não diretamente. Por isso, em meu desespero, recorri á única pessoa que sabia que poderia combater aquele mal. Dumbledore. Sim, abdiquei de minha lealdade ao Lorde das Trevas para me tornar um seguidor de Alvo Dumbledore. Desviei-me de meu caminho por você, Lily. Só por você eu seria capaz de esquecer tudo em que eu acreditava.


E você se foi. Naquela noite terrível, você partiu dessa vida ao lado de James Potter. A morte de Potter pouco me importava. Mas a sua... A sua fez meu mundo se acabar. Meu mundo ruiu com sua partida, Lily. Não havia mais sentido em minha existência. A fogueira havia se apagado, e eu, a mariposa perdida, estava condenada á definhar na escuridão. Seus olhos não estariam mais sobre mim. Nunca mais.


Mas a razão para continuar a me levantar todos os dias surgiu; aquela minúscula luz no fim daquele túnel apareceu na forma do pequeno bebê, único sobrevivente daquele massacre, tendo como único espólio a cicatriz em forma de raio na testa. O bebê que veio a crescer, se tornando assustadoramente parecido com o pai odioso, mas inacreditavelmente tendo aquela luz que atraia todos para perto dele. A mesma luz que você possuía, Lily. Ver aquilo foi insuportável, porque fazia com que eu me lembrasse de você e de todos os erros que cometi.


Vou ser sincero, Lily. Não gosto do seu filho. Para mim, ele não passa de uma cópia descarada do pai arrogante e asqueroso, com quem você se casou, por razões que só você compreendia. Mas aqui estou eu, tendo que suportar esta maldita dor em meu leito de morte, por ele. Por ele eu lutei. Por ele eu morrerei. E foi para que você, Lily, pudesse me perdoar pelos erros do passado.


Os olhos verdes me encaram, arregalados de choque, de asco, não sei dizer. Sei apenas que preciso terminar a missão que Dumbledore me confiou, que se tiver êxito, vai por fim definitivamente ao reinado sombrio do Lorde das Trevas. Confiarei essa última esperança á ele. Mas não será por ele, ou pelo pedido de Dumbledore. Será por você, Lily. Só por você.


– Pegue... Pegue isso...


As lembranças doces, tristes, nostálgicas, dolorosas; tudo que guardei á sete chaves dentro de mim vem escorrendo por meus olhos, narinas, boca, na forma de um líquido prateado. A garota Granger conjura um frasco de vidro e o estende á Potter. Hesitante, ele recolhe a substância. Faz tudo isso cabisbaixo; sabe o que me aguarda.


– Olhe para mim...


O sussurro saí gorgolejante de minha garganta. Os olhos cintilantes encontram os meus, arregalados, assustados. E ao olhar nos olhos dele, percebo que todas as razões para minha luta incessante e para minha morte iminente estão ali. Morrerei para que o seu filho possa vencer, Lily. Mas não faço isso por ele. Faço isso por você.


Será que, quando partir, poderemos nos encontrar? Não tenho muitas esperanças. Você sempre foi inalcançável para mim, Lily. Acho que mesmo com a morte, isso nunca irá mudar.


Eu apenas queria te ver mais uma vez. Queria estar perto dessa fogueira; ter a chance de me aproximar, de me queimar. Queria ver seus olhos mais uma vez. Mas enquanto a consciência me foge, enquanto os braços gélidos da Morte me envolvem lentamente, eu encaro os olhos do seu filho. Verdes deslumbrantes. Verdes calorosos.


Sabe, Lily... Os olhos dele são exatamente iguais aos seus. Olhar nos olhos dele... É como poder rever os seus. E sinto que, através dos olhos dele, você me observa.


Pelo menos uma última vez... Poderei olhar em Seus Olhos.



Fim



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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Minha primeira fic de Harry Potter e uma homenagem á um dos meus personagens favoritos.
Aceito críticas e sugestões numa boa. Espero que vocês tenham gostado, e obrigada á quem leu.