Eu estava sentada em minha cama, às 04:00 da manhã naquele primeiro de janeiro. A janela estava aberta e um leve brisa fria entrava por ela, fazendo com que o tecido leve da cortina se agitasse, era um dos raros momentos de inverno que eu podia sentir essa brisa sem bater os dentes de tanto frio.  Embora o dia estivesse prestes a amanhecer, eu ainda conseguia ouvir os gritos e risos, daqueles que comemoravam a entrada do novo ano. Queria ser um deles, ele tinham pelo que comemorar, eles podiam comemorar.

O ano mal havia começado  e eu já estava desejando que ele terminasse, eu não tinha animo para aguentar os trezentos e sessenta e quatro dias que ainda nasceriam, eu estado não me permitia. Tudo em minha vida parecia conspirar contra a minha felicidade, parecia que quando eu finalmente conseguia estar feliz, alguma coisa ficava irada com isso e me dava uma rasteira e eu ia de cara novamente ao chão. Parecia que a minha existência não agradava a esse mundo. 

Minha vida se resumia a problemas e mais problemas, não havia um dia que eu não fosse bombardeada com problemas, dos mais diversos tipos, mas quase sempre eles tinham  a mesma origem. O maior foco dos meus problemas, dormia tranqüilamente no quarto ao lado, meus pais, um dos meus vários problemas. Sei que para um adolescente dizer isso soa como rebeldia, mas não era. Eu fazia o que fazia, por culpa deles, por culpa das suas inúmeras brigas, por culpa da sua falta de preocupação, por tantos motivos provenientes deles, que eles não acreditariam.  Motivos que deixaram marcas, grandes marcas, profundas cicatrizes, tanto no meu físico como no meu emocional.

No último ano haviam acontecido muitas coisas, coisas ruins, sem dúvida, coisas que eu nunca pensei que aconteceriam, mas aconteceram. Não me orgulho de como estou agora, mas com o suporte que eu tive, eu fiz até muita coisa para me manter bem. Eu fora simplesmente abandonada, me lançaram em meio ao bombardeio e falaram: Se vire; não me deram nem a chance de pedir ajuda, de gritar, chorar, eu tive que ser forte e tentar me manter firme. Se eu tivesse apenas desistido, eu já não estaria mais aqui, eu já não me importaria, eu já não existiria. Não nego que milhares de vez me vi perante essa escolha, mas algo lá no fundo me impediu. Algo ainda me impede.

Uma lágrima escorreu, quando me lembrei de tudo o que havia passado, a limpei imediatamente, eu não me permitia chorar, não precisava ser assim, eu podia ser forte. Eu poderia tentar ser forte, poderia tentar talvez eu conseguisse, talvez ainda houvesse um pequeno fio que me ligasse a minha força, e eu não podia deixá-lo de romper.

Eu tentei me convencer disso, por quase uma hora, tentei me convencer que tudo daria certo, que eu conseguiria, que era uma fase, mas foi inútil, sempre era eu sempre pensava a mesma coisa. Eu nunca seria forte.

Mais lágrimas rolaram, e logo eu estava chorando, eu não me contive, chorei por diversos motivos. Motivos que nem eu entendia, porém chorei por esse também, motivos obscuros, motivos escondidos, motivos que eu não imaginava que um dia seriam motivos. Chorei por uma decepção, chorei por um coração quebrado, chorei por uma esperança perdida, chorei por uma vida a beira do fim. Sem perceber, me vi andando até a gaveta da minha cômoda, meus olhos ainda estavam embaçados pelas lágrimas, o que me limitava a uma visão borrada, mas eu sabia o que tinha que fazer, já fizera tantas vezes que eu mal precisava pensar no que haveria de ser feito. Abri a gaveta e de baixo das folhas tirei uma pequena caixa, a abri, tirei de lá uma das lâminas, a próxima coisa que eu vi, foram as minhas lágrimas serem pigmentadas de vermelho. Eu havia falhado, de novo.