The Library escrita por themuggleriddle


Capítulo 9
prólogo




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E lá está ele, esparramado feito um rei no assento logo a minha frente, tagarelando sobre sua família e a sua casa de verão. Eu não tinha nada contra Malfoy em particular; ele ainda era o sonserino que menos usava o meu sobrenome como sinônimo de impureza – sem contar, é claro, Dorea Black -, mas, ainda assim, ele também não fazia nada para impedir que os outros fizessem aquilo e até se juntava no coro de risadas uma vez ou outra. Permita-me reformular minha frase: eu tinha sim alguma coisa contra Abraxas Malfoy. Ele era só mais um puro-sangue com dinheiro demais e miolos de menos.

Aquele era o início do quarto ano e já não era a primeira vez que Malfoy chegava com aquela conversa leve e irritante para cima da minha pessoa. No ano anterior ele chegara sorrateiro durante uma tarde na qual eu me encontrava perto do lago e acabou por me ver falando com uma cobra de jardim. Serviu-lhe bem ser quase picado pela serpente. Mas, aparentemente, Abraxas Malfoy não estava satisfeito com aquilo, pois ali estava ele, falando sem parar na minha frente. Com os sonserinos, os meninos, eu já desistira dos sorrisos e da gentileza.

Enquanto tentava ignorar a conversa fiada de Malfoy – alguma coisa sobre um elfo-doméstico que colocara fogo na cozinha -, voltei a olhar para o livro em meu colo. O médico do orfanato era uma das poucas pessoas com as quais se podia ter uma boa conversa naquele lugar. O Dr. Alexei Mazarovsky era russo e, apesar de religioso, tinha uma mente boa e gostava de dividir o conhecimento que tinha com os outros, o que fazia parecer que ele estava sendo desperdiçado naquele orfanato onde a maioria das crianças achavam que ele estava pronto para matá-las e comê-las no jantar como um bom comunista – Alexei amava a Rússia e só saíra de lá por causa dos comunistas, ele os detestava – e o resto dos funcionários o acusavam de ter idéias dessa mesma ideologia. De qualquer maneira, todo esse preconceito para com o nosso médico fez com que ele acabasse ficando mais amigável comigo, uma das poucas crianças que não tinha medo dele, e essa amizade tinha ainda o benefício de ele me dar alguns livros que guardava entre as suas coisas. O que eu tinha comigo naquele momento era um desses livros, uma coisinha pequena e de capa marrom e gasta com traduções de poemas de um tal Vladimir Maiakovsky. Ele era revolucionário, mas Alexei gostava demais das palavras dele, e eu acabei por gostar delas também.

“O que está lendo?” Suspirei, revirando os olhos e me perguntando a razão de Abraxas continuar ali.

“Um livro.”

“Não diga.” Apertei meus dedos ao redor do livro, já prevendo que ele estava pronto para arrancá-lo de minhas mãos, mas, para a minha surpresa, Malfoy nem se mexeu do seu lugar. “Sobre o que?”

“São poemas.”

“Posso ler um?”

“Não,” falei, sem nem me preocupar em soar grosseiro ou não.

“Ele é trouxa, não?” perguntou Malfoy. “Esse tal Maiakovsky.”

“Maivsky.”

“Está escrito Maiakovsky.”

“Mas se pronuncia Maikôvsky.”

“Certo, esse Maivsky... Ele é trouxa? É por isso que você não quer me deixar ler?” Ele inclinou a cabeça para um lado e me olhei feito algum tipo de cachorro vira-lata de Londres. “Eu sei apreciar uma coisa bonita, mesmo ela sendo trouxa.”

“É mesmo?” Arqueei uma sobrancelha ao encará-lo. “Não foi isso que disse da última vez que Avery me abordou no corredor das masmorras no ano passado. Na verdade, se me lembro bem, você concordou quando ele falou alguma coisa sobre eu ser um ‘trouxa sujo’.”

Tive que forçar o meu rosto a não mudar de expressão ao ver Malfoy se encolher levemente por alguns segundos, antes de voltar a se inclinar para frente, para perto de mim, como se quisesse me confidenciar alguma coisa. Por instinto, recuei o corpo, afundando o máximo que podia no acolchoado do banco do trem.

“Que fique entre nós: Avery não entende merda nenhuma de trouxas,” sussurrou Abraxas, olhando rapidamente para a porta. “E nem de beleza. Ele com certeza desdenharia a coleção de quadros do meu pai... Sabe, papai tem uma coleção de quadros trouxas. Ele adora pinturas.”

Franzi o cenho ao observá-lo por um tempo. Era estranho imaginar a casa dos Malfoy – que deveria ser uma mansão que ocuparia toda a quadra do orfanato – com quadros imóveis pelas paredes. O Orfanato Wool’s quase não tinha quadros. Os únicos eram fotografias de órfãos e funcionários antigos, uma paisagem ou outra na sala dos funcionários, um quadro do dono original, o falecido Sr. Robert Wool, e os ícones religiosos que o Dr. Mazarovsky deixava em seu quarto. Os ícones eram os meus favoritos: belos, ricos e melancólicos.

“Posso?” Malfoy deixou um pequeno sorriso aparecer em seu rosto e fiquei com vontade de mandá-lo sair do compartimento, mas eu não tinha autoridade para fazer tal coisa. Sem contar que havia a possibilidade de ele ir recrutar seus colegas sonserinos e isso faria com que eu não perdesse apenas o livro, mas provavelmente um dente. Eu já tinha um dente quebrado por briga e não precisava de outro... E eu também não queria arranjar confusão com os sonserinos naquele começo de ano, pois sabia que logo eles iriam parar com aquela implicância toda; eu só precisava encontrar Dorea Black e tudo ficaria bem.

“Qual?” perguntei, abrindo o livro no índice e encarando o nome dos poemas. Não iria deixar aquele livro nas mãos dele. Ele quis me irritar com perguntar e agora teria que me agüentar lendo para ele. Graças a Deus meu inglês já havia melhorado desde o meu primeiro ano.

“Como eu vou saber? Não conheço nenhum. Tem alguma coisa sobre mar aí?”

“Não.”

“Ah... Então pode ser qualquer um. Escolha você.”

Virei as páginas e encontrei o poema que queria. Era apenas o prólogo de um poema maior, Alexei havia me explicado, mas alguma coisa nele me fascinava de tal modo que já estava quase decorando os seus versos. Ergui os olhos e vi que Malfoy me observava com expectativa. Ao voltar a olhar o poema, respirei fundo, esperando que minha pronúncia não voltasse àquele sotaque horrível que era o meu natural.

"À todas vocês que amei e que eu amo..."

Na semana seguinte a nossa chegada em Hogwarts para o nosso quarto ano, os sonserinos pararam de me chamar de sangue-ruim, mas não foi isso que chamou a minha atenção. Naquela mesma semana, Abraxas Malfoy sentou-se ao meu lado durante uma aula de Transfiguração e jogou em cima da mesa uma cópia de As Flores do Mal. Toda vez que Dumbledore se ocupava em conversar com um aluno, ele comentava um poema. Naquela segunda semana de setembro de 1941 eu percebi que criara um pequeno monstro que nunca mais me deixaria em paz e não sabia o quão certo estava em relação à essa percepção. Com o passar dos anos, vi a biblioteca particular de Abraxas aumentar a cada dia, fazendo com que fosse ficando cada vez mais difícil esconder os livros trouxas que ele tanto amava de nossos colegas. Com o passar dos anos, ouvi Abraxas citar todos os livros que ele lia. Com o passar dos anos, vi Abraxas envelhecer e enfraquecer, mas também vi seus dedos nunca largarem os seus livros.

Vi Abraxas Malfoy morrer no dia 12 de Junho de 1981. Vi sua coleção de livros trouxas ser deixada para trás, para um filho que nunca iria apreciá-la da maneira correta. Vi o capitão caído no deque, seus lábios pálidos e imóveis. Vi os dedos de Malfoy finalmente afrouxarem ao redor de meu pequeno e velho Maiakovsky. Mas também vi, naquele 12 de Junho de 1981, Abraxas Malfoy levantar o seu próprio crânio e, repleto de versos, convocar aos salões de seu cérebro um renque inumerável de amadas com suas memórias.

***

O Captain! my Captain! our fearful trip is done;
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:

But O heart! heart! heart! O the bleeding drops of red, Where on the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.

O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills;
For you bouquets and ribboned wreaths—for you the shores a-crowding;
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;

Here Captain! dear father! This arm beneath your head; It is some dream that on the deck, You’ve fallen cold and dead.

My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchored safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;

Exult, O shores, and ring, O bells! But I, with mournful tread, Walk the deck my Captain lies, Fallen cold and dead. Walt Whitman


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Notas finais do capítulo

A parte traduzida de A Flauta-Vértebra é o prólogo do poema. Eu nunca li o resto dele, mas acho que tem ele traduzido pra inglês (mas não consigo ler Maiakovsky em inglês ): ).
1- O INGLÊS DO TOM: Tommy cresceu em uma parte pobre de Londres, pelo jeito, logo, ele deveria ter um sotaque "cockney" (quem já viu My Fair Lady sabe o que é esse sotaque). Eu imagino que ele treinou o sotaque quando entrou em Hoggy até conseguir ficar com aquele belo sotaque "posh" (ou "da rainha"... imagine, sei lá, Benedict Cumberbatch falando e você tem um sotaque meio posh).
2- VI O CAPITÃO CAÍDO NO DEQUE, SEUS LÁBIOS PÁLIDOS E IMÓVEIS: referência ao 'O Captain, my Captain!' do Walt Whitman que está no fim do capítulo. Infelizmente eu não achei tradução do poema e também não me arrisco a traduzir ):
3- EPÍLOGO/PRÓLOGO; então, era esse o joguinho bobo que eu fiz... O 'Epílogo' se chamou assim porque é o fim do amor do Brax pelos livros e o 'Prólogo' narra o início dele. E os dois momentos estão sendo vistos pelo Tom. "Tom foi o início e o fim de muitas coisas na minha vida" como disse o Brax em Crime e Castigo. :3
Mas é isso... Bom... A fic acabou. Foram sete livros pra manter a magia do sete que sempre está em Harry Potter, tudo começou no Tom e terminou no Tom. Eu adorei escrever essa fic, vocês não tem idéia... Foi le estudo de personagem e ao mesmo tempo um jeito de me afogar em sentimentos. Eu realmente espero que vocês tenham gostado! Muito obrigada a todo mundo que deixou review, sério *-* Me digam o que acharam, isso sempre ajuda (apesar da fic ter acabado, ainda vão ter outras sobre o menino Abraxas).
Ah, e outro agradecimento final: essa fic foi meio que escrita, de certa forma, para a Vicky (riddleinheels no tumblr), já que ela é a minha inspiração para o Abraxas. As Flores do Mal foi com a ajuda dela e foi ela quem me fez ler O Captain, My Captain! e ver o Brax nele, ou seja: muito obrigada, Vicky. ♥