Panem Et Circenses escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 3
Trem


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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O carro chega à estação, e eu e Pine saímos. O caminho do Edifício da Justiça para a estação de trem leva um tempo razoável, mesmo estando de carro, mas bem que podia demorar mais. Não estou com vontade de sair a público.

Tem tantas câmeras na estação que é impossível ignorar. No instante em que nós pisamos fora do carro, consigo ver nossa imagem refletida em várias câmeras e telas, que agora estão passando tudo ao vivo para a Capital. Confiro que a minha aparência está boa – quero dizer, eu estou meio pálida, mas tirando isso estou ótima. Já Pine não é possível dizer, pois ele está de cabeça baixa, e seus cabelos lhe escondem o rosto. As câmeras tentam pegar um ângulo em que apareça o rosto dele, mas ele escondeu bem. Também tenho vontade de por o cabelo para frente, mas não é essa imagem que eu quero passar. Não, minha aparência está boa o suficiente para convencer alguém de que eu não estou tão apavorada assim. Eu não preciso me esconder.

Quando nós entramos no trem e as portas se fecham atrás de nós, não posso evitar uma onda de alívio. Ser tão filmada me deixa nervosa. Pine levanta a cabeça, e vejo que ele realmente tinha motivos para esconder o rosto: Seus olhos estão vermelhos e inchados, evidenciando que ele chorou durante as despedidas. Penso em perguntar se ele está bem, só para puxar assunto, mas é óbvio que ele não está bem. Nem eu estou, e olha que eu não chorei. Tudo bem, só um pouco, na hora em que falei com Penn, mas nem dá para perceber.

Pine vai, cabisbaixo, para o quarto que será dele enquanto estivermos no trem. Acho isso uma ótima ideia, e também vou para o meu.

O quarto é enorme, maior do que meu quarto de verdade. Eu só vou ficar aqui durante um dia, e amanhã chegaremos à Capital, e é por isso que eu fico tão assombrada com o tamanho do quarto e com a rica decoração do lugar. Tudo do bom e do melhor, e para eu passar apenas uma única noite. Bem, eu não podia esperar algo menos ostensivo da Capital.

A primeira coisa que faço é arrancar a pulseira que a prefeita Vimberg me deu e enfiá-la em um porta-joias, que, aliás, já está cheio de vários colares, pulseiras, braceletes, anéis, e todo outro tipo de joia, todas belas e caríssimas. Fecho o porta-joias rapidamente, como se a pulseira fosse uma cobra venenosa prestes a me morder, e o tranco. Enquanto eu estiver com ela, vou me lembrar da aliança que eu disse que talvez fizesse com Pine, e não quero pensar nisso. Não quero formar uma aliança com ele, e nem com ninguém. Eu tenho irmãos menores, de quem gosto muito, e Pine tem a idade de Penn. Se ele se tornar meu aliado, principalmente sendo um garoto aparentemente tão inocente, eu com certeza vou acabar me apegando a ele, e se chegar a hora em que terei de matá-lo, não conseguirei, assim como não conseguiria matar Penn ou Kevan.

Considero seriamente dormir até a hora do jantar, mas acho melhor não, porque sei que se eu dormir agora provavelmente terei pesadelos como tive em meu cochilo antes da colheita.

Saio do quarto. Não sei exatamente para onde eu estou indo, porque não andei muito pelo trem até agora, tirando pelo trajeto entrada-quarto. Acabo chegando ao vagão-restaurante, onde encontro Mastt Smartville sentado diante da mesa de jantar, que embora já esteja forrada com uma toalha de linho branca, ainda não está com comida alguma posta sobre ela. Mastt está olhando pensativamente pela janela da parede ao lado.

– O que você veio fazer aqui? O jantar ainda vai demorar a ser servido. – Ele diz, sem desviar o olhar da janela.

– Eu não queria ficar no quarto. Posso sentar aqui? – Aponto para outra cadeira da mesa. Sei que não preciso da permissão dele para sentar, mas ele estava aqui antes de eu chegar, e não quero incomodar. Além do mais, ele perguntou o que eu tinha vindo fazer aqui em tom de “saia”.

– Não queria ficar no quarto por quê? – Ele enfim olha para mim, e para provar que eu estava errada na interpretação de sua última frase, gesticula para que eu sente.

– Lá está tão abarrotado de coisas da Capital! Me dá... raiva! – O.K., eu falei demais. Se eu quero ter pelo menos uma chance mínima de ganhar os Jogos, não posso falar que algo da Capital me dá raiva. Só posso elogiar tudo dela. Mas não há novidades nisso: Todo mundo, de todos os distritos, só faz elogiar a Capital. E, em troca, ela permite que as pessoas e suas famílias sobrevivam por mais um tempinho. E se você fizer algo que a desagrade... Digamos que é melhor você começar a escolher as flores que quer em seu túmulo. Mas sinto que posso confiar em Mastt para dizer esse tipo de coisa. Algo no olhar dele me diz isso.

– Então, devo supor que você não vai jantar hoje?

– Como assim?

– A comida será da Capital. – Ele sorri de lado. É a primeira vez que o vejo sorrindo, e... Como eu nunca havia reparado antes? Mastt é realmente muito bonito. Seus olhos são de um azul tão claro que fazem um contraste incrível com seu cabelo escuro, quase negro. Bem diferente de mim, que tenho os olhos castanhos claros tão sem graças em comparação ao meu cabelo. Achava que ele tinha quase trinta anos, mas agora percebo que ele é mais jovem. Na verdade acho que só olho para Mastt uma vez ao ano, na época da colheita, e é difícil prestar atenção em alguém enquanto estou rezando para não ser sorteada. Se bem que eu deveria saber que ele é lindo, já que a minha amiga Meggin Reed passa o ano inteiro suspirando por ele.

– Posso abrir uma exceção para a comida.

Ficamos em silêncio depois disso. Mastt volta a olhar pela janela com a expressão pensativa de antes, e não parece mais interessado em conversar comigo. E por que ele estaria? Deve ser deprimente conversar com uma garota que você sabe que estará morta em poucos dias.

Eu não pergunto em voz alta, mas gostaria de saber no que ele está pensando tanto. Espero que seja em mim e em Pine, em alguma estratégia para sobrevivermos nos Jogos, conseguirmos patrocinadores ou qualquer coisa que nos ajude. Mastt, definitivamente, tem técnicas altamente eficientes para isso. Ele venceu os Jogos Vorazes oito anos atrás, na 24ª Edição, e desde aquela época ele se prova bastante habilidoso. Tanto que não foi surpresa alguma ele ter vencido.

Eu tinha oito anos de idade na época, então não me lembro muito detalhadamente dessa edição dos Jogos, somente do geral e de algumas coisas que o pessoal do meu distrito nunca parou de comentar. Mastt é o segundo vitorioso proveniente do Distrito Três, e o primeiro não é lá muito de se orgulhar. Então, é como se a única vitória verdadeiramente significativa fosse a de Mastt.

Ele foi tudo o que um tributo precisa ser para ser tornar um vitorioso. Sagaz. Talentoso. Mortífero. Sangue-frio. Na avaliação dos tributos, três dias antes dos Jogos, ele conseguiu nota 10, o que é muito bom até para os tributos que treinaram a vida inteira para jogar.

A arena daquele ano foi, em uma palavra, explosiva. Os tributos tinham de tomar extremo cuidado onde pisavam, dormiam ou paravam por mais de alguns segundos, porque explosivos debaixo da terra explodiam constantemente, em lugares aleatórios. Alguns tributos tentavam escapar se refugiando em árvores, e os Idealizadores dos Jogos foram obrigados a começar a detoná-las também. Foi uma das edições mais rápidas e mais desesperadoras dos Jogos, mas Mastt não perdeu a calma. Ele conseguiu descobrir um padrão nas explosões, e a partir dele prever quando e onde cada explosivo iria estourar. Foi fantástico.

Inclusive, toda vez em que a tonta da Meggin vai falar sobre ele, usa o apelido ridículo de “Bombástico”, que ela inventou para que ninguém senão eu saiba de quem ela está falando.

Depois de sua vitória, Mastt passou a ser o mentor dos tributos do Distrito 3, e ele não é menos astuto para isso. Todo ano, ele tem planos incríveis para arranjar patrocinadores para cada um dos jovens e ajudá-los a bolar uma estratégia de vitória. Mesmo que nenhum tributo de nosso distrito tenha vencido depois dele, não foi por incompetência dele, e sim dos tributos.

Mas deve ser a pior coisa todo ano se empenhar ao máximo para que alguém alcance a vitória e depois não poder fazer mais do que assisti-lo morrer.

Pronto. Era só o que me faltava. Agora, além da minha auto piedade e da piedade por Pine, também estou com pena de Mastt. E eu simplesmente não consigo sentir pena de alguém e ficar calada.

– Vai ficar tudo bem, Bombástico. Não esquenta.


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Notas finais do capítulo

To be continued... Hahaha.
Até quarta!



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