Panem Et Circenses escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 27
Reecontro


Notas iniciais do capítulo

Ah, pessoal, nas notas finais do último capítulo eu coloquei que a história teria mais cinco capítulos, mas eu consegui resumir, e acabou que ficaram só quatro, mais três depois desse.
E perdoem-me por ainda não ter respondido a nenhum dos comentários do último capítulo, juro que faço isso hoje mesmo ou amanhã.
Boa leitura!



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Eu venci.

Havia vinte e quatro tributos nesta arena, vindos de todos os cantos do país. Alguns deles muito bem treinados. Outros, mesmo sem treino, maiores e mais fortes que eu.

Pessoas boas e pessoas más. Pessoas com amigos e inimigos. Com família.

Jovens entre doze e dezoito anos, com sonhos e objetivos.

E agora, todos eles estão mortos. Menos eu.

Eu, Edelweiss Roxteed, sou a vitoriosa da Trigésima Segunda Edição dos Jogos Vorazes.

Então, por que não me sinto feliz?

Vou rever meus irmãos. Meus pais. Mastt. Meus amigos. Meu distrito. Vou passar a morar em uma casa tão boa quanto as casas da Capital, na Aldeia dos Vitoriosos do meu distrito. E nunca mais precisarei estar nesta arena. Nunca mais sentirei tanto frio como senti nestes dias. Nunca mais vou precisar trabalhar em uma fábrica. Eu poderia pedir mais do que isso?

Mas mesmo quando a minha vitória é anunciada, e pelos alto-falantes começam a serem transmitidos para dentro da arena os sons de aplausos, as exclamações de “Viva!” e os gritos ritmados de “Edelweiss! Edelweiss! Edelweiss!” que a Capital está fazendo agora, eu não me sinto feliz.

E também não fico apática, como quando matei Kalle. Eu me sinto muito, muito mal.

Penso nas pessoas de quem eu gostava que morreram nesta arena. Pine. Nydia. Joy. Coriander, até. E nas pessoas de quem eu não gostava, e também morreram por aqui. Aster. Kalle. Junie. Bertil. Aven. Adlex. Flavia. E nas pessoas de quem eu não conheci direito para formar uma opinião formada sobre elas. Hannes. A garota do Distrito 8.

Como eu vou poder continuar a minha vida, sabendo que todos eles tiveram morrer para que eu vivesse?

Vejo um aerodeslizador se aproximar pelo céu. Os barulhos ensurdecedores da Capital me ovacionando não cessam enquanto a máquina para bem acima de mim, uma porta se abre e uma escada cai à minha frente.

Este aerodeslizador vai me tirar daqui.

Olho à minha volta pela última vez, para a arena agora destruída. Creio que vão reformá-la, para que ela fique nova em folha mais uma vez para que as pessoas da Capital possam viajar para cá para passar as férias, ver a remontagem das mortes dos tributos, se divertir no cenário de minha vitória e desgraça.

E não há o que eu possa fazer sobre isso. Não há no mundo algo que eu possa fazer, a não ser entrar naquele aerodeslizador e ser levada de volta ao Centro de Treinamento.

Seguro-me na escada, e como aconteceu quando eu estava sendo trazida para cá, no instante em que meus pés tocam o primeiro degrau, sou paralisada em pleno movimento. A escada começa a ser puxada para cima, e assisto a arena ir ficando para trás enquanto subo até me ver dentro do aerodeslizador. Dessa vez, meus movimentos não voltam quando alguém me dá uma injeção, e sim no momento em que me vejo completamente dentro do veículo, e a porta se fecha automaticamente atrás de mim.

Aqui dentro está mais quente, mas continuo com frio, com a água ainda escorrendo de meu corpo e formando uma poça à minha volta. Vejo mais ou menos uma dezena de pessoas da Capital por perto, todas paradas razoavelmente longe de mim e me olhando com curiosidade.

— O que foi? – Pergunto, atormentada. Eu já tenho problemas demais para também me preocupar com pessoas de cabelo colorido me olhando como se eu fosse a atração principal de um circo.

Um homem que está segurando um grande e grosso cobertor laranja se aproxima um pouco, deixa a coberta no chão na metade do caminho entre nós, faz um sinal de positivo para os outros, e todos se dispersam.

Vou até o cobertor, me ajoelho no chão e o pego. Jogo-o por cima de meus ombros, constatando que ele está bem quente e é bem confortável, e me encolho para todo meu corpo ficar sob ele, inclusive minha cabeça.

Só então me permito chorar. Nada nunca voltará a ser o mesmo na minha vida. Eu me tornei uma pessoa horrível. Talvez eu até não mereça voltar para casa.

— Edelweiss? – Ouço uma voz me chamando, cerca de cinco minutos depois, e ergo minha cabeça para ver uma garota somente alguns anos mais velha que eu, segurando uma caneca com algum líquido fumegante dentro.

Ela estende a caneca para mim, e não hesito em pegar. Geralmente, seguraria com cuidado, para não queimar meus dedos, mas acho muito boa a maneira como isso esquenta minhas mãos.

O cheiro também é maravilhoso, e reconheço como sendo de chocolate quente. Bebo todo o conteúdo da caneca com uns poucos goles. É a primeira coisa que ponho na boca desde aquela sopa enviada por Mastt.

— Obrigada. – Agradeço para a garota.

— Não há de que. – Ela se senta à minha frente. – Todas as pessoas neste aerodeslizador estão aqui para te ajudar.

— Não vi ajuda da maior parte delas.

— É porque você não está gravemente machucada, como os vitoriosos estão em alguns anos. Porque se estivesse, todos eles estariam trabalhando para te curar. Mas você só precisa de um cobertor e uma caneca de chocolate quente. E se quiser conversar, também, pode falar comigo.

— Não estou muito bem para conversas.

— Entendo. – Ela pisca um olho. – Caso mude de ideia, o meu nome é Lily. Você só precisa me chamar.

— Obrigada, Lily.

Ela sorri e se levanta.

— A viagem dura meia hora. – Acrescenta, e então Lily se afasta de mim, me deixando mais uma vez só.

E eu passo bastante desse tempo lá, parada.

Uma hora, enfio uma mão no bolso de minha calça, procurando pelas mensagens de Mastt e a foto, mas nada encontro. Confiro no outro, e o resultado é o mesmo.

É claro. Eles estavam no bolso de meu agasalho, que agora está debaixo d’água, na arena.

Isso me deixa ainda mais desolada.

Mas me lembro da pulseira que a prefeita Vimberg me deu. Ela ainda está no meu pulso, vejo, e creio que eu deva devolver para a prefeita, apesar de adorar a joia e o que ela representa – Pine. Contudo, é um pequeno consolo ainda tê-la comigo.

Estou observando-a quando sinto como se o aerodeslizador estivesse pousando.

Me levanto com o intuito de correr até uma das janelas, mas uma mulher entra no caminho, segurando uma seringa com uma agulha enorme.

— Dê-me seu braço. – Ela ordena.

Fico olhando para ela, sem obedecer. Ainda não gosto de agulhas. Impaciente com a demora, ela mesma pega o meu braço, e antes que eu possa recuar, aplica a injeção, por cima da manga do suéter e da blusa.

Apago.

Meu despertar é em um lugar bem diferente do aerodeslizador. Não tenho noção de quanto tempo se passou. Apenas sei que eu levei uma injeção, tudo ficou escuro, e agora posso abrir os olhos novamente, embora eles estejam muito pesados e eu me sinta meio tonta.

Tudo que consigo ver ao abri-los são fortes luzes vindas de todas as direções. Minha cabeça dói, e fecho os olhos de novo.

Não sei dizer se volto a apagar, mas quando os abro pela segunda vez, apesar da luz continuar sobre minha cabeça, ela já não me incomoda tanto. Também não sinto mais tontura, frio, fome ou qualquer tipo de dor.

Eu estou bem.

Estou numa salinha completamente branca, com nada além de uma cama, onde eu estou deitada, e um conjunto de roupas aos pés da cama.

Não estou vestida, e a gaze que estava enrolada em torno de meu joelho esquerdo também sumiu, junto com qualquer cicatriz que pode ter sido deixada pela facada de Aster.

Eu devo ter sido tratada enquanto estive desacordada.

Visto-me com as roupas que foram deixadas para mim, e quando estou pronta, uma porta que até então eu não estava vendo por ser totalmente branca e lisa como toda a sala e não ter maçaneta, se abre para um corredor.

Saio da sala, um tanto confusa quanto ao lugar onde estou. E não tenho nenhuma pista até no final do corredor se abrir outra porta, revelando uma câmara bem decorada, como tudo da Capital.

Mas o que me chama a atenção não é a decoração, e sim os três pessoas que estão no meio dela.

Kallux, completamente azul, como já me acostumei. Simary, que passara os dias antes dos Jogos com os cabelos artificialmente amarelos, mas que agora os tem verdes, o que junto com a bata marrom que ela está usando, a faz parece perfeitamente uma árvore.

E principalmente, Mastt, usando um elegante terno risca-de-giz, com os braços cruzados atrás do corpo e olhando para baixo como se estivesse esperando por algo.

E ele está. Esperando por mim, como ele prometeu.

— Mastt! – Grito, e corro o mais rápido que posso na direção da câmara, satisfeita por não estar mais mancando.

Ele se vira para mim rápido o suficiente para retribuir imediatamente o meu abraço quando eu jogo meus braços ao redor de seu pescoço, puxando-o para mim, sentindo lágrimas de felicidade, para variar, correndo pelo meu rosto.

— Eu senti sua falta. – Mastt fala.

— Senti o mesmo. – Respondo. Eu achava que nunca mais conseguiria ser feliz na vida, mas não acho que já tenha sorrido tanto antes.

— Sabia, Edelweiss, que é mal-educado entrar em um aposento e só cumprimentar uma pessoa? – Ouço então a voz de Simary Loyel, e me dou conta que também estou contente em vê-la, apesar de sua chatice sem igual.

Não tenho coragem de me separar de Mastt para ir abraçá-la também, então limito-me a virar-me para ela com um sorriso amigável e lhe cumprimentar.

— Você foi muito bem nos Jogos. – Ela elogia.

— Obrigada. – Falo, antes de fazer a pergunta que tenho em mente: - Ei, Simary, quanto tempo eu passei apagada?

— Dois dias.

— Dois dias? – Meu queixo cai, de tão incrédula que fico.

— E oito horas. – Ela concorda.

— Edelweiss, para falar a verdade, você acordou alguns minutos mais tarde do que o previsto. Temos de te arrumar bem rápido para a coroação, então sugiro que nós devemos ir agora, se você ainda quer comer algo antes. – Kallux fala, atrás de mim.

Abraço Mastt ainda mais forte. Não estou pronta para soltá-lo ainda. Durante longos dias, pensei nele, em sua promessa de me esperar e em como seria reencontrá-lo. Não é justo que eu deva me separar dele de novo agora.

— Vá com ele. Nós nos falamos mais tarde. – Mastt fala para mim. Relutante, concordo, e vou até Kallux.

Nós andamos até um elevador, entramos, e ele aperta o número 3. Enquanto passamos pelo primeiro e o segundo andar, penso em como eles estão vazios agora. Como todo o prédio está deserto comparado à primeira vez em que estive aqui.

— Kallux? A Chareen também já foi embora? – Pergunto em voz baixa, apesar de poder adivinhar a resposta. Eu gostaria de poder falar com ela, também.

— Sim, sim. Qual é o sentido de ela ficar aqui se o Pine morreu? – A maneira como ele diz isso tranquilamente dói, mas não comento sobre isso. Kallux jamais entenderia.

A porta se abre ao chegar ao terceiro andar, e saímos do elevador. Estive com saudades deste lugar, também. Passei por muitas coisas enquanto estive por aqui.

Eu e meu estilista vamos juntos até a sala de jantar, e ao chegar lá vejo que sentados em volta da mesa estão Cabelo Rosa, Careca Verde e Cara-de-Plástica. Eles se levantam e vêm imediatamente me cumprimentar.

— Edelweiss, parabéns!

— Você foi muito bem!

— Eu estava torcendo por você, desde o começo!

— E o jeito como você matou aquela Aven? Perfeito!

— Não foi a Edelweiss quem matou a Aven. Foi o Kalle.

— Ah, foi mesmo? Desculpe, querida.

Rio levemente, por não saber algo melhor para responder a eles.

— É bom ver vocês. – Digo.

— Você não nós via, mas nós a víamos todos os dias na televisão. – Careca Verde sorri.

— Sim, eu sei.

— Está com fome? Acho que você não tem uma refeição de verdade há um bom tempo. – Fala Cabelo Rosa, gesticulando para a mesa, que está cheia de comida.

— Mas coma rápido! – Diz Cara-de-Plástica.

Kallux olha para o relógio de parede, com a testa franzida.

— Quando ela acabar de comer, vão prepará-la. Eu vou buscar a roupa dela. Me chamem quando terminarem. – Ele instrui, e deixa a sala.

Me sento à mesa, mas não tenho tempo para comer muita coisa. Além de eles estarem com pressa para me arrumar, ainda ficam me fazendo várias perguntas enquanto como, e não posso falar e me alimentar ao mesmo tempo.

Então, eles me levam ao meu quarto, onde começam com todo o processo de me lavar, depilar, maquiar, pentear e me deixar pronta para Kallux. Até que se consideram satisfeitos, e saem para chamá-lo.

Ele entra no meu quarto segurando uma sacola.

De lá dentro, ele tira uma peça roxa brilhante, e poucos minutos depois estou usando um vestido roxo tomara-que-caia de saia longa, coberto por purpurina, e com um grande laço de cetim também roxo amarrado no meu quadril. Uma roupa que faz jus ao evento, e combina com o coque elegante na qual minha equipe de preparação prendeu meus cabelos.

Calço sandálias de salto-alto roxas brilhantes como toda a roupa, e dou uma olhada no espelho. E não reconheço a imagem que é refletida nele.

— Kallux...! – Exclamo, assombrada.

Eu gostei do traje que ele preparou para mim. Não é isso que me deixa tão horrorizada, e sim o fato de que há algo muito errado com a minha aparência.

Chego mais perto para ver melhor. O formato das minhas orelhas não é mais o mesmo. Os meus olhos parecem muito mais brilhantes. Minha pele está tão pálida que parece cintilar. Como neve.

— Você tem de entender, Edelweiss – Ele começa a explicar –, que todos aqueles dias na arena fizeram muito mal à sua aparência. Quando te tiraram de lá, você estava com uma das orelhas deformadas pela facada que você levou logo no início dos Jogos, uma perna machucada, entre outras coisas.

— O que eles fizeram comigo?

— Você passou por algumas cirurgias. Mas acho que está muito mais bonita assim.

— Não acredito...

— Edelweiss. Não foi muita coisa. Têm anos em que os tributos ficam irreconhecíveis após as operações. No seu caso, eles alteraram pouco.

— E a minha pele...?

— Não fale como se não soubesse que todos gostam que os tributos lembrem o que passaram na arena.

Respiro fundo. Não adianta discutir com Kallux.

— Tudo bem. – Digo, ainda um pouco incerta.

— Ótimo. Agora nós temos de ir, que a noite será longa.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!