Indiana Jones e o Mistério do Báltico escrita por Goldfield


Capítulo 12
Capítulo 11




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Capítulo 11


O templo de Njord.

 

Percorrendo brechas e vielas por entre as pilhas de escombros de Vineta, o grupo de Indy logo chegou ao que seus integrantes deduziram ser o templo ao qual Vogel há pouco se referira. A edificação era grandiosa e detalhada, certamente os antigos moradores da cidade tendo gastado muito tempo e recursos para concluí-la. Possuindo cinco entradas paralelas e dispostas em linha reta junto a um muro, a maior delas estando localizada no meio das demais, cada uma era guardada por duas colossais estátuas representando deuses nórdicos, sendo as duas mais proeminentes, de Njord e Skadi, as que haviam sido erguidas junto ao portão principal. Os outros quatro pares de esculturas representavam Frey e Freya, Odin e Thor, Baldur e Frigga, e Tyr e Saga. Contemplando a figura em pedra desta última deusa, Jones levou as mãos à cintura e disse, olhando para cima:

         Saga, deusa viking da História e da poesia... Por isso os poemas nórdicos levam seu nome: “sagas”. Será que estamos fazendo História aqui hoje, com o que nos vemos prestes a descobrir?

         Só há uma maneira de descobrir... – afirmou Sophia, já avançando rumo à entrada maior.

Os dois acadêmicos a seguiram, Kriegüer como sempre impressionado com o que via. Do outro lado dos portões e do muro, a estrutura do templo em si desenhava-se de forma sombria e estática, uma soturna construção quase intacta pendendo moribunda sobre o centro da metrópole medieval arruinada. A parte central do santuário era composta por uma torre relativamente alta, seu topo plano quase tocando a cobertura de rochas que mantinha o bolsão de ar àquela profundidade. Em formato cilíndrico e com diversas estátuas de divindades e seres mitológicos adornando suas grandes janelas, lembrava um pouco até a descrição da Torre de Babel bíblica, apenas reforçando a visão de que Vineta encontrara seu fim devido aos pecados que sua população cometera. De cada um dos cinco portões de entrada partia uma escada de pedra rumo ao interior da base da torre, as mesmas fundindo-se numa só a poucos degraus de distância de seu término. Todo o caminho até lá parecia livre, sem qualquer tipo de obstrução para os aventureiros. Mas será que apenas a aparência externa do lugar bastaria para concluir se possuía ou não perigos?

As escadas eram estreitas, obrigando os componentes do trio a seguirem um atrás do outro, com Indiana à frente, Hapgood logo atrás, e Heinrich por último. Conforme subiam rumo à torre, seus corações batiam mais forte, suas mentes ficando mais receosas. O que haveria lá dentro? Vogel já teria vencido aquele percurso e os aguardava no interior do templo, ou ela estava ainda no encalço do grupo e os emboscaria por trás? Além de se preocuparem com a aura sobrenatural ali predominante, também tinham de estar atentos aos traiçoeiros ardis da alemã...

Por fim adentraram a torre, ganhando uma sala em forma de prisma hexagonal, imitando o emblema e a planta de Vineta. O ambiente era um pouco escuro, um tom azul-marinho destacando-se em tudo, porém era possível enxergar. O teto era um tanto alto, decorado com cenas de sagas nórdicas, porém não chegava até o topo da construção, deixando crer existirem andares superiores, não havendo, no entanto, qualquer meio visível de alcançá-los. As paredes do local possuíam mais representações de deuses, Njord e Skadi sempre predominantes. No centro existia uma espécie de pedestal, provavelmente um antigo altar, também hexagonal, revestido de runas e outros tipos de inscrições e desenhos. Intrigado, Indy aproximou-se dele e, abaixando-se com uma das mãos apoiadas em seu topo, passou a examinar os registros ali presentes. Hapgood e Kriegüer observavam curiosos e, no momento em que o norte-americano coçou o queixo, aparentemente confuso com o que lia, a ruiva resolveu indagar-lhe:

         O que está escrito aí?

         É um alfabeto bem antigo... Remete aos primeiros séculos da Era Cristã. Os primeiros moradores de Vineta devem ter adotado estas runas como linguagem e nunca as abandonaram, principalmente devido à resistência que possuíam quanto a culturas estrangeiras. Não consegui compreender tudo, mas a mensagem diz algo como “Aqueles que aqui vivem para o mar de Njord, um dia ao próprio mar e a Njord se fundirão”.

         Fundir ao mar? – Heinrich ergueu as sobrancelhas. – Seriam os sacerdotes de Vineta já prevendo a catástrofe que os atingiria?

         Talvez, porém este templo por certo foi erguido muito tempo antes dos habitantes daqui se apoderarem do Coração de Skadi... Essa inscrição tem a ver com algo mais...

Cerrando os olhos, Jones continuou tentando decifrar aquela escrita em sua totalidade, os outros dois aventureiros testemunhando atentos o seu trabalho. Mal sabiam que o diálogo que haviam acabado de ter fora ouvido por mais alguém além deles...

 

A parede era relativamente fina e assim Vogel, apoiada junto a ela, pôde compreender com clareza as palavras pronunciadas por seus adversários do outro lado. Ao adentrar a torre do templo, minutos antes do trio, a tenente-coronel encontrara, anexa à sala hexagonal contendo o altar, uma entrada que levava a uma espécie de corredor. Rumara até ela após verificar de modo breve o ambiente, mas, depois de dar alguns passos pela passagem, seu peso, incrementado pelo baú em suas mãos, acabou acionando algum tipo de mecanismo no chão, selando a abertura que acabara de cruzar e deixando-a no escuro. Incapaz de seguir em frente, optou por permanecer junto ao obstáculo na esperança de que seus inimigos acabassem liberando-o, decisão que se mostrava agora bastante acertada.

Mas, do que eles estavam falando? Uma inscrição profética presente no altar da outra sala? Mar e Njord? De qualquer forma, parecia irrelevante. Por que não encontravam logo algo que revelasse de novo a abertura na parede? Vogel tinha de prosseguir, descobrir o maior segredo daquela cidade!

Só então ela percebeu que se distraíra por alguns instantes, não captando as últimas frases pronunciadas pelos oponentes. E, segundos depois, a superfície na qual se encontrava apoiada tremeu... Sendo deslocada lentamente para cima. A claridade azulada voltou a dominar o corredor, permitindo que o caminho adiante fosse enxergado. Silenciosa e com extrema cautela, a militar nazista tornou a avançar pela passagem antes mesmo da entrada terminar de ser aberta de novo, desaparecendo na penumbra que aos poucos era dissipada...

 

Indy continuava a examinar o altar, porém ainda incapaz de decifrar por completo a mensagem nele inscrita. Tateava as runas, como se, através do toque, elas pudessem lhe revelar algo mais... Até que seus dedos acabaram descobrindo algo curioso.

         Hei, parece haver uma espécie de botão aqui! – informou aos amigos.

De fato, o arqueólogo sentira algo semelhante a um interruptor junto à base do pedestal, pressionando-o quase sem querer... E, para surpresa de todos, parte de uma das paredes do recinto hexagonal começou a se deslocar para cima vagarosamente, aos poucos revelando um corredor atrás de si.

         Uma passagem secreta? – perguntou-se Sophia, ainda não adaptada a templos e cidades antigos, apesar de já ter desbravado Atlântida anos antes.

         É o que parece... – murmurou Jones.

O grupo então se aproximou com cautela da intrigante abertura, seu interior ficando visível conforme era penetrado. O caminho seguia em linha reta por alguns metros, terminando numa aparente escada em espiral que, assemelhando-se às presentes nas torres de grandes catedrais, subia até o topo do templo junto a uma de suas laterais. A maneira de se chegar aos andares superiores havia sido descoberta.

         Acho que aquilo que procuramos está lá em cima... – constatou Kriegüer, olhando para o alto a partir da base da escada.

         Então vamos subir... – Indiana bufou, nada disposto a parar, apesar da caminhada já cansá-lo fisicamente.

Começaram a percorrer os degraus, o trajeto nítido graças à luz vinda de fora, penetrando na torre através das escassas janelas. Súbito, ouviram um som pesado, remetendo a pedra, algo sendo selado... Logo concluíram que a entrada oculta que haviam cruzado fora novamente fechada. Não poderiam mais voltar, então existia apenas uma direção a tomar...

 

Vogel ascendia pela torre o mais rápido que conseguia. Tinha de despistar o trio inimigo e chegar logo ao topo do templo, onde lhe seria revelada a verdade sobre Vineta e o tesouro que carregava. Aliás, o baú parecia pesar cada vez mais conforme prosseguia, como se a proximidade de seu destino aumentasse sua importância, sua força... Seu fardo. Trazendo-o embaixo de um dos braços, ignorava a dificuldade e não deixava de vencer os degraus. Nada a deteria àquele ponto.

 

Após metros e metros de subida e fadiga, o topo da torre era finalmente alcançado pelo grupo de Indiana. A escada terminava numa pequena sala circular contendo uma entrada para um novo corredor. Um tanto escuro e aparentemente vazio, parecia não apresentar perigos, suas paredes e chão de pedra ainda assim não sendo muito confiáveis na visão dos recém-chegados. Os exploradores prosseguiram com cautela, devagar, olhos e ouvidos atentos a qualquer alteração no ambiente. Metros de travessia à frente, existia outra entrada.

Depois de poucos passos corredor adentro, Jones notou algo peculiar no piso: era composto por uma série de lajotas quadriculares de pedra, cada uma contendo a representação da face de uma divindade nórdica. Algumas, desgastadas pelo tempo, eram indistinguíveis entre si, mas a maioria possuía sinais que as tornavam identificáveis, como dois corvos sobre os ombros de Odin ou Thor tendo seu martelo ao seu lado. O norte-americano ainda examinava as figuras, quando Sophia adiantou-se e avançou, dizendo aos dois companheiros:

         Ora, gente, não deve haver perigo algum aqui!

         Não, espere! – alertou Indy, em vão.

Tarde demais. Ao pisar num quadrado em especial do chão, que representava o deus Loki, os pés de Hapgood fizeram a placa ser empurrada para baixo... Abrindo uma série de buracos também quadriculares no teto, todos exatamente sobre as lajotas de Loki... E, através deles, traiçoeiras serpentes escuras deslizaram para fora, ganhando a passagem e se esgueirando ferozes através dela.

         Ou melhor, deve haver sim... – corrigiu-se a ruiva, procurando manter-se longe das víboras enquanto movia-se de forma lenta e cuidadosa.

         Cobras! – exclamou Indiana, aturdido. – Por que sempre tem de ser cobras?

Em seguida Jones recuou de imediato para fora do corredor, como sempre dificilmente encarando sua fobia. Uniu-se a um fascinado Kriegüer que, alternando seu olhar entre as placas no piso, os répteis que serpenteavam por ele e o teto, disse:

         É como no mito... A deusa Skadi, para castigar Loki, amarrou-o e colocou uma serpente venenosa acima de sua cabeça, a substância peçonhenta pingando das presas da cobra sobre seu rosto. Sempre que isso ocorria, o deus zombeteiro se irritava e sua fúria provocava os terremotos.

Para piorar, mais serpentes surgiam através das aberturas, lotando ainda mais o corredor e encurralando Sophia, que agora, acuada junto a uma parede, mal podia se mexer. Os três aventureiros perguntavam-se se o número de víboras não seria ilimitado, ou algo perto disso, o que complicaria e muito a situação, ainda mais devido ao medo que Indiana possuía daqueles animais.

         O que nós vamos fazer? – este indagou ao colega alemão. – O mito diz algo sobre isso?

         Na verdade sim – Heinrich respondeu calmamente, endireitando os óculos. – A esposa de Loki, a deusa Sigyn, segurava uma bacia sobre a face do marido para recolher o veneno e impedir que pingasse em cima dele.

         Sigyn, certo? Vejamos...

Jones, sem adentrar o corredor, passou a verificar as lajotas mais próximas da entrada e, para sua sorte, logo encontrou a imagem de uma mulher portando uma bacia bem próxima de onde estava, bastando-lhe esticar um pouco uma das pernas e pressioná-la com o pé para que fosse empurrada piso adentro, assim como ocorrera com as placas de Loki. O resultado foi que as aberturas no teto foram imediatamente fechadas, ao menos o fluxo de cobras invadindo a passagem tendo sido interrompido. Mas ainda teriam de vencer o trajeto e, o mais importante, tirar Sophia dali.

         Indy! – esta tentou apressá-lo, esquivando-se de uma serpente que por pouco errou um bote em sua perna esquerda.

         Tire-a de lá! – Kriegüer reforçou o pedido de socorro.

         Calma, calma, estou analisando a situação! – enervou-se Indiana, erguendo as mãos, trêmulo.

Tomando fôlego, Indiana olhou para Sophia, depois para as cobras... Então novamente para Sophia, e então para as cobras... E para as cobras... E de novo as cobras! O medo o dominava, o trauma o consumia. E se não fizesse algo rápido, Hapgood acabaria picada por uma daquelas serpentes!

         Indy, concentre-se... – a moça pediu com voz calma, apesar de sua desesperadora situação. – Feche os olhos, tente retornar até a origem dessa fobia...

         Sophia, você está tentando me hipnotizar? – Jones inquiriu num riso tenso.

         Digamos que... Seja uma forma de você encarar e vencer seus medos! E dê-se por lisonjeado, pois nunca fiz isto com um monte de répteis assassinos tentando me morder!

Ela desviou do bote de mais uma víbora e, sem perder a postura, continuou:

         Feche os olhos... Concentre-se.

Um tanto relutante, Indiana obedeceu. Explorando seu subconsciente, procurou regressar até a origem de seu medo de cobras... A fuga dos salteadores em Utah, 1912, quando ainda era um adolescente... O ímpeto em salvar a Cruz de Coronado dos caçadores de relíquias, as peripécias no trem do circo que chegava à cidade, a queda dentro do vagão dos répteis... Cobras, muitas cobras! Pequenas delas, às centenas, talvez milhares, invadindo suas roupas, serpenteando por sua pele, ameaçando picá-lo! Que horror! Como era asqueroso lembrar-se disso!

No entanto, logo depois uma outra recordação foi visualizada em sua mente... Sua entrada em outro vagão, o leão feroz que nele havia... E sua coragem em domá-lo, subjugar seu temor! A forma como apanhara o chicote próximo de si para conter a fera, acessório que desde então o acompanharia por toda a vida em suas aventuras ao redor do globo... Bravura, o desejo de resistir, de seguir adiante....

Abriu os olhos, encarando de novo as cobras. Enxergou-as desta vez, porém, de um modo diferente. O pavor em relação a elas parecia tê-lo abandonado.

Tornou a fechá-los...

E avançou.

         Indy? – até a própria Sophia via-se incrédula com o que acabara de fazer.

Caminhando de olhos cerrados, Jones ignorou as serpentes, realizando movimentos quase involuntários para escapar de suas investidas e não pisar nas lajotas de Loki. Encontrava-se um pouco trêmulo, mas firme. Ao chegar ao ponto no qual a moça estava encurralada, Indiana voltou a enxergar, tomou-a em seus braços, sorriu e, sem hesitar, deu continuidade ao percurso até o outro lado do corredor, colocando Hapgood, totalmente encantada, de pé no chão assim que chegaram em segurança à entrada ao final do trajeto.

         Indy, você... – Sophia ainda não tinha palavras.

         E lá vem o Heinrich... – murmurou o arqueólogo, voltando-se para trás.

Trôpego e desajeitado, Kriegüer vinha correndo pela passagem, esquivando-se dos saltos das furiosas cobras enquanto contava com a sorte. Conseguiu chegar até os dois companheiros sem nenhum ferimento ou susto grave, apenas sem ar.

         Vamos em frente? – ele perguntou esbaforido, ansioso pelo que haveria a seguir.

         Vamos! – Jones assentiu, já avançando e sendo seguido tanto pelo professor entusiasmado quanto pela atônita mulher ruiva.

 

Vogel não parava. Havia acabado de passar pelo aparente último obstáculo antes da sala central da torre: um arrojado mecanismo envolvendo alavancas. Felizmente este retornara à sua posição inicial após ela tê-lo manuseado, o que atrasaria seus inimigos, pois estes teriam de raciocinar ao menos alguns minutos em cima de sua estrutura para conseguirem passar. Ela aproveitaria como nunca tal vantagem. Atingiria seu objetivo sem que pudessem detê-la.

A verdade estava próxima.

 

O ambiente seguinte se assemelhava a uma espécie de antecâmara, um recinto prévio a uma sala ainda maior. Indy e seus companheiros viram-se diante de uma parede reta, sem portas ou entradas, que dividia o espaço ao meio, possuindo cinco colunas sobressalentes, cada uma contendo uma alavanca de madeira presa a um suporte metálico. Embaixo de cada alavanca existia uma abertura retangular junto ao chão, pequena demais para uma pessoa atravessar e único meio de enxergar o que havia atrás da barreira. Jones aproximou-se de uma delas e abaixou-se para poder visualizar o outro lado, deparando-se apenas... Com um par de pés esculpidos em pedra, provavelmente parte de uma escultura maior, mas que não podia ser identificada devido ao raio de visão limitado.

         Pés? – estranhou o norte-americano.

         Pelo jeito você está vendo o mesmo que eu... – observou Sophia, que também se agachara para examinar outro buraco próximo.

Logo os três constataram que se podia ver pés do outro lado das cinco aberturas, porém não eram iguais: apesar de aparentarem ser todos masculinos, diferiam em tamanho, forma, aspecto... Enquanto alguns se encontravam totalmente sujos e cobertos de lodo, outros estavam quase impecáveis, como se houvessem acabado de ser terminados e polidos pelo artista que os fizera. Depois de alguns instantes de reflexão, Kriegüer perguntou a Indiana, que se afastara um pouco da parede e a fitava com uma mão no queixo:

         E então, o que acha?

         Acredito que uma dessas alavancas abrirá caminho para nós, e qualquer outra ativará algum tipo de armadilha... É um quebra-cabeças, e tem algo a ver com os pés do outro lado!

         Temos que descobrir qual alavanca equivale aos pés certos – deduziu Hapgood.

         A questão é: quais são os pés certos?

Indiana tentou recorrer mais uma vez aos mitos em sua memória. Certamente devia haver algo na mitologia nórdica relacionado a aquele mecanismo, já que tudo que viram até então remetera às sagas. Passou a andar para lá e para cá, pensativo. Pés... Que mito tinha a ver com pés? Era provável ser algum relato envolvendo Njord ou Skadi, quem sabe os dois... Qual seria? Eram tantos!

Súbito, as histórias para dormir novamente se fizeram nítidas e palpáveis na mente do arqueólogo, a ternura das narrativas, seu encanto...

         É isso! – exclamou ele, estalando os dedos.

         Isso o quê? – Sophia indagou.

         O mito de como Skadi escolheu seu esposo! Ela poderia optar por qualquer um dos deuses, só que estes taparam seus corpos com cortinas para que ela fizesse sua decisão aleatoriamente. Apenas os pés destes ficaram expostos, e então Skadi resolveu escolher o dono dos pés mais bonitos, olhando embaixo de cada cortina. Decidiu-se assim pensando que o dono deles era o deus Baldur, mas na verdade era Njord, o qual, por viver no oceano, sempre tinha os pés limpos. Tem origem aí o relacionamento frustrado entre os dois.

         Então nós devemos acionar a alavanca que corresponda aos pés de Njord, ou seja, os pés mais limpos – concluiu Heinrich.

         Exato.

Em seguida vistoriaram novamente as esculturas através das aberturas na parede, verificando atentamente cada par de pés. Os mais limpos e polidos eram os do pilar central, localizado entre os demais quatro. Jones trocou um breve olhar de confirmação com os companheiros e, decidido, moveu a alavanca acima do buraco.

Um sistema de pesos e maquinário começou a funcionar e, apesar de oculto no teto e no chão, o pesado som de sua ativação foi ouvido por todos, além do leve tremor que atingiu a sala. A coluna que continha a alavanca recém-ativada afundou para o interior do piso em questão de segundos, revelando atrás de si o resto do recinto: uma triunfante estátua de Njord, sentado num trono também de pedra e adornado com pequenas representações de peixes e algas, o deus tendo uma expressão rígida em seu semblante e um remo de madeira em suas fortes mãos. Além das estátuas de outros quatro deuses, entre os quais Baldur, também presente no mito, atrás da escultura de Njord tinha início uma escada de vinte degraus, que subia até uma outra entrada para novo local desconhecido.

Impressionado com a grandeza de tudo que o cercava, o trio contornou a estátua da divindade dos mares e passou a se dirigir até a próxima câmara. Mal venceram alguns degraus, o pilar com a alavanca atrás deles subiu de novo à sua posição inicial, selando o caminho de volta. Não deram importância ao fato naquele momento, pois não iriam embora dali antes de descobrirem o segredo guardado naquela torre.

Chegaram ao término da escada, o tom azulado predominante até então sendo, por algum motivo, ainda mais intenso na sala seguinte. Sombras denunciavam já haver alguém nela. Cautelosos e cheios de ansiedade, os aventureiros adentraram o ambiente, prontos para tudo... Prontos para a verdade. A solução do mistério do Báltico.

 

 

Glossário – Capítulo 11:

 

Baldur: Deus da mitologia nórdica associado à luz, beleza, amor e alegria. Teve sua morte planejada pelo deus Loki, que utilizou o próprio irmão de Baldur, o cego Hod, para isso, através de uma flechada. Sendo enviado ao inferno, Hel se propôs a deixar Baldur voltar ao mundo dos vivos se todos os seres derramassem uma lágrima por ele. Loki, porém, disfarçado de gigante, recusou-se. Assim Baldur viu-se obrigado a permanecer no inferno até o Ragnarök (o fim do mundo nórdico), quando só então poderia retornar. Quando os deuses descobriram que o gigante era na verdade Loki, Skadi lhe impôs o castigo da serpente descrito neste capítulo.

 

Frigga: Deusa nórdica, esposa de Odin, rainha de Asgard. Possui o dom da profecia. Quase sempre representada como uma esposa e mãe, associada ao matrimônio e invocada durante os partos. Existe uma controvérsia a respeito das deusas Frigga e Freya serem na verdade a mesma, avatares uma da outra. Então o dia da semana “sexta-feira” em inglês, “Friday”, também pode se referir a Frigga.

 

Tyr: Deus nórdico do duelo, da vitória e glória heróica, retratado como um homem de uma mão só. A lenda diz que os deuses desejavam prender o lobo Fenrir, mas não conseguiam de modo algum. Pediram então aos anões que fizessem uma corda mágica chamada Gleipnir, mas Fenrir só aceitaria ser laçado com ela se um dos deuses colocasse a mão dentro de sua boca. Tyr, o mais sábio e corajoso, aceitou, tendo sua mão mutilada. Porém Fenrir foi amarrado e assim permaneceria até o Ragnarök.

 

Continua...


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