Naquele mesmo dia, no meio da noite, Julia estava na cama tentando dormir. Fazia um calor desértico e ela lembrava-se constantemente do treinamento e da feroz discussão com Jean. Lembrou-se do cheiro ácido de fumaça e circuitos queimados, e sentiu sede.

Desceu até à cozinha e esperou encontrá-la vazia, mas Logan estava sentado na bancada. Estava tudo escuro, com exceção de uma luz fraca e pálida que saía de um abajur no canto.

Ela aproximou-se devagar e abriu a geladeira, pegando água gelada. Logan murmurou:

- Dia difícil?

- Não. Tranquilo. – Ela replicou, sentando-se ao lado dele e enchendo um copo com água.

- Não foi o que me contaram. – Ele sorriu no canto dos lábios firmes.

- Eu salvei a equipe em um treino. Espero poder fazer isso na vida real. É o que basta pra mim. – Julia falou tranquilamente. Era estranho, visto que o tom usual em uma conversa com Logan seria o mais agressivo e irônico possível.

- O treino de amanhã será puxado. Acho bom ir dormir.

- Vou dormir. Não porque você mandou, mas porque estou cansada. – Julia cruzou os braços e alteou um pouco a voz. Quando se virou, pensou ter visto um sorriso brincar nos lábios de Logan, mas avistou a mesma cara rude de sempre.

 Bom, tanto fazia. Julia também compusera um semblante agressivo para Logan, mas quando subiu as escadas para o quarto, não conseguiu evitar sorrir.

E assim os dias de seguiram, em geral parecidos.

Treinos com Logan, mais específicos, e treinos com a equipe, sem ao menos trocar olhares com Jean. Algumas brigas ocasionais. E quase nenhuma saída da mansão. Mas Julia estava quase perfeitamente adaptada. Sentia-se parte da equipe e mesmo que não falasse com Jean, sentia que agora elas trabalhavam bem quando juntas nos treinos.

Alguns pequenos incidentes isolados com mutantes do mal se seguiram e as brigas reais não foram tão diferentes dos treinamentos. A equipe estava novamente integrada, adaptada, e, acima de tudo, unida. Os X-Men mostravam-se melhores do que nunca.

Julia até atendia por Eclipse como se fosse seu nome usual.

Assim, certo dia, Julia foi surpreendida no meio de seu café da manhã por Charles Xavier.

- Desculpa interrompê-la, Julia. Gostaria de falar com você um instante. – Ele sorriu paciente.

Julia terminou o café o mais rápido que pode e o seguiu até seu gabinete particular. Era uma sala de paredes azul claro, com estantes lotadas de livros e mais livros. A mesa de mogno era simples e continha um notebook com um X inscrito no meio e papéis espalhados por ela.

- Preciso que me conte uma coisa que muito me interessa. – Ele anunciou, tomando seu lugar atrás da escrivaninha e gesticulando para Julia se sentar em sua frente. Charles cruzou os dedos e esperou.

Julia falou, ligeiramente confusa:

- Claro.

Ela pensou se teria tentado invadir a mente de alguém, mas a ideia nunca lhe ocorreu. Não sabia o que esperar daquela conversa, sinceramente.

- Houve uma noite, seu primeiro dia aqui, acho, em que lutou contra Dentes de Sabre. – Começou Charles vagarosamente.

- Sim. – Julia foi reconstruindo a cena mentalmente.

- Naquele dia, algo muito importante foi roubado do banco. Não era dinheiro. E, creio que, devido às circunstâncias, Dentes de Sabre roubou a coisa de que falo.

- E o que é? – Julia indagou. Lampejos da luta daquele dia perpassavam sua mente.

- Só vou contar isso a você. E a mais ninguém, então, peço que não comente isso com os outros. – O tom de voz dele era urgente.

- Tudo bem. – Ela concordou, ardendo de curiosidade.

- O que foi roubado de lá naquela noite foi uma Joia. Uma Joia especial. Um rubi de 20 quilates. Uma Joia da qual é possível extrair energia e poder ilimitados. Essa joia estava em poder do governo, guardada para não cair em mãos erradas. Mas Dentes de Sabre descobriu e acho que ele a roubou. É a Joia do Infinito.

Julia assentiu perplexa. Lembrava-se, sim. Com clareza. Ela tropeçou nas palavras, extasiada ao contar:

- Sim! Eu me lembro. Eu o vi de frente quando ele me atacou. Ele não tinha bolsa nem nada para carregar uma Joia. Ele a colocou no único lugar que tinha disponível. No bolso. Eu vi algo brilhando no bolso dele! É isso!

Ela mal se continha na cadeira. Agora tudo fazia sentido. Charles Xavier sorriu e anotou algo em um papel pardo. Depois de alguns minutos, falou para Julia:

- Deve estar se perguntando do porquê de eu não querer contar aos outros.

Julia assentiu, fitando os olhos azuis e profundos do Professor. Era óbvio que se perguntava. Porque ela? E porque isso era de fato importante, se até agora, meses depois, nada havia sido explicado?

- Tenho informantes e investigadores. Depois de meses, pudemos ter uma pequena dimensão do plano de Dentes de Sabre. Achei melhor comentar isso só agora, porque é justamente agora que as coisas estão mais claras.

Julia assentiu impaciente, mordendo os lábios.

- O problema é que o plano vai além de um mero humano-felino como ele. A verdade é que Magneto está reunindo as Joias do Infinito. São cinco. Ele possui três. Creio que deve estar em busca da quarta, já que a quinta há muito ninguém sabe onde está.

Ele sorriu como se soubesse de uma piada particular em relação a quinta Joia. Julia não ficaria surpresa se soubesse que ela estaria aqui mesmo, no Instituto. Mas meter Magneto no meio da história das Joias já era um problema suficientemente grave e impactante.

- Nossa. Magneto e Dentes de Sabre, juntos? – Ela indagou, surpresa. Magneto parecia o tipo que trabalha sozinho e não que se alia a felinos humanoides.

- Sim. Ao que parece, Magneto pediu ajuda em troca de fornecer algum poder das Joias ao Dentes de Sabre. Mas você entendeu o que eu expliquei? A Irmandade, o nome da equipe de Magneto, está atrás dessas Joias. Preciso de alguém que consiga infiltrar-se na casa deles e que os conquiste pouco a pouco, e que vá manipulando-os lentamente e que possa recuperar as Joias e trazê-las para mim.

Julia atendeu. Compreendeu, antes de entender a mensagem principal, que a magnitude do problema era gigantesca. Exigia trabalho e dedicação. Era um grande problema a ser resolvido.

- Sei que você é bastante determinada, dedicada e que luta pelo que acredita. Você se superou várias vezes nesse pouco tempo em que esteve aqui. Quero que essa pessoa seja você, Eclipse.