Wolverine: Uma História escrita por Tenebris


Capítulo 14
Rotina




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E Julia finalmente se conformara. Poderia ter muitas coisas, menos a tão desejada paz. Ela olhou boquiaberta para Charles durante um tempo, e, depois que reuniu forças para superar a incredulidade momentânea, falou:

- O que?

- Se você conseguiu lidar com Magneto, então conseguirá fazer isso. – Incitou Charles, fazendo um gesto de aprovação.

- Eu? Morar com ele?

- Tá falando de mim? – Interrompeu Logan, surgindo do corredor. Tinha um par de luvas de boxe penduradas no ombro.

- Claro que estou. – Despejou Julia, levantando-se. – Morar? Com você?

- Olha, isso é tão bom pra você quanto pra mim, ouviu? – Disse Logan rispidamente.

- Ah, não acredito nisso! – Esbravejou Julia.

Então se lembrou de que, além de detestar conviver com Logan, ele a tinha ajudado a escapar de vários ataques de Dentes de Sabre. E a tinha beijado também.

- Desculpa, tá... – Pediu ela, acalmando-se. – É que... Foi uma surpresa pra mim.

- Pra mim também. Costumo ficar sozinho. Só estou fazendo isso porque Charles precisa. A propósito, nem tirei suas malas do lugar.

E, com outra frase ríspida, Logan deu meia volta e saiu. Julia olhou para Charles, que estava se virando para partir também. Ela pensou ter notado um riso enigmático brincar nos lábios dele. Como se tivesse arquitetado a coisa toda de propósito, como se Charles apostasse em Julia e Logan. Não seria surpresa ela encontrar indícios disso mais tarde.

Então Julia permitiu-se tentar ler a mente de Charles. Surpreendeu-se ao não encontrar nenhuma barreira psíquica. Foi com facilidade e surpresa e que ela leu: “Vai ser bom. Pros dois.”.

E a rotina usual se seguiu.

Julia treinou a tarde toda, a fim de recuperar a forma mais ágil de antes. Esses meses na Irmandade retardaram um pouco da capacidade física dela, então a tarde ficou inteiramente dedicada para esse aspecto. Quando teve uma pausa, Julia ligou para o pai a fim de colocá-lo a par dos acontecimentos e resumiu esses últimos meses em alguns minutos de conversa. Depois, foi convocada para outra reunião com Charles.

- Você sabe que agora corre risco, não sabe? – Perguntou Charles.

Nesse momento, Julia e Logan encontravam-se sentados em cadeiras postadas à frente da escrivaninha de Charles. Estavam no escritório familiarmente convidativo dele.

 - Sei...

Logan e Charles se entreolharam significativamente.

- Eu espero que compreenda que, mais do que nunca, não pode sair da Mansão. Se precisar sair mesmo, levará alguém de confiança com você. Em hipótese alguma, deverá sair desacompanhada. – Charles falou urgentemente.

- Eu entendo. Não se preocupem comigo, vou ficar bem. E não vou fazer nenhum escândalo por causa disso. – Julia respondeu.

- Pfff... – Logan segurou um riso e disse, irônico. – Duvido.

Julia limitou-se a encarar Logan com desprezo.

No fim da tarde, enquanto treinava boxe sozinha na academia da Mansão, Julia pensou pela primeira vez no risco que corria. Magneto. Erik Lehnsherr em pessoa... A Irmandade... E Dentes de Sabre. Todos atrás dela e atrás de quem ela amava para efetivar a vingança.

Ela tinha medo. Teve medo várias vezes, uma delas, inclusive, quando aceitou ajudar Charles a recuperar as Joias. Mas agora era diferente. Esse medo nunca teria um fim. Não era um medo de uma missão, que você simplesmente conclui, faz o que tem de fazer, e o medo passa. Não, esse medo a acompanharia até que um dos lados vencesse de verdade. O medo a acompanharia dia e noite, fazendo com que ela nunca desligasse de verdade.

Uma parte dela sempre permaneceria alerta, com medo de ser atacada, com avidez por proteção e segurança. Esse medo agora fazia parte dela integralmente, e ela nada poderia fazer para que ele sumisse, apenas poderia atenuá-lo. Essa perspectiva de ter uma parte de si constantemente amedrontada, de ser alvo 24 horas por dia de perigos inimagináveis, de sempre estar sendo perseguida. Tudo isso aumentava o medo ainda mais. Era como se estivesse sendo vigiada o tempo todo por olhos invisíveis que representavam um perigo iminente que jamais a deixaria em paz.

Julia encaminhou-se para sua nova casa.

Já era noite e ela precisava de um bom banho. Quando chegou à casinha de Logan, que também era dela a partir de agora, encontrou-o com um charuto na boca sentado na varanda, tentando consertar a televisão velha que ele tinha.

- Oi. – Ela cumprimentou.

- Já vou avisando, aqui é bem ruim. Estou tentando o melhor que posso. – Ele falou com a voz ligeiramente modificada pelo charuto na boca. Julia sorriu.

Talvez Charles tivesse feito justamente com que ela morasse com Logan para que ela se sentisse mais segura. Então ele estava certo, porque Julia se sentiu imensamente grata por não ter que ficar sozinha durante a noite. Logan inspirava segurança. A segurança que ela agora precisava.

- Está ótimo. – Ela disse, e entrou para se arrumar.

Julia tomou um banho e tomou liberdade de arrumar seus produtos de beleza nas prateleiras, já que agora ali seria sua morada oficial. Saiu do banho, se trocou, colocando pijamas de verão, e organizou algumas coisas no simples guarda roupa. Ainda não terminara tudo, mas teria tempo de fazê-lo depois.

Ela saiu na varanda e encontrou com Logan acendendo uma fogueira manualmente.

- Consertou a televisão? – Perguntou ela, na tentativa de puxar assunto.

Ora, Logan era um homem sozinho, solitário, arrogante e por vezes detestável. Mas, ainda assim, ajudara Julia. Ela se sentiu como se tivesse agido de forma ingrata com ele e precisava reverter a situação. Logan era um homem sozinho, e Julia pensou no quanto às vezes isso poderia ser ruim. Que homem haveria por trás daquela máscara de solidão e fúria?

- Está... Aceitável. – Ele respondeu, largando o charuto e o jogando na grama.

Julia percebeu que Logan estava demorando com a fogueira e disse:

- Quer ajuda com isso? Posso hipnotizá-lo e fazer com que consiga acender a fogueira...

Só então Julia percebeu que fazia frio. O inverno estava se aproximando. Invariavelmente, daqui uns dias nevaria.

Ele riu sonoramente e recusou:

- Já fiz isso muitas vezes. Aliás, seu poder quase não tem efeito sobre mim.

Logan esfregou duas pedras e, como mágica, a fogueira acendeu e foi consumindo os gravetos que a compunham.

- Ah, é... – Disse Julia, sentando-se na grama ao lado de Logan. Ambos observavam as chamas dançando na noite. – O Adamantium...

- Nunca pensei que, além de tudo, me protegeria desses seus ataques mentais... – Contrapôs Logan, rindo da própria colocação.

- Eu nunca tentei ler sua mente. Bom, uma vez eu tentei.

- Fala... – Pediu Logan.

- Ah... Está bem. Na nossa primeira luta. Você era tão chato, mas tão chato, e eu queria fazer você calar a boca.

- Que gentil. – Ironizou ele, se virando na direção de Julia.

Ela sentiu a respiração falhar ao encarar aquele rosto esculpido pelo tempo e os olhos castanhos profundos.

- E você nunca mais tentou? – Perguntou ele, a voz grave deixou Julia ligeiramente afetada.

- Nunca. Se eu conseguisse invadir sua mente, teria previsto o... – Ela se interrompeu. A cena do beijo veio em sua cabeça.

- A ideia era essa. – Inferiu Logan, um sorriso malicioso nos lábios sérios. – Não queria que você previsse.

Julia sorriu, incapaz de articular uma resposta decente. Logan era imprevisível. Realmente imprevisível.

- Ah, tudo bem. Já aconteceu. – Ela falou. Ainda que fosse uma frase idiota, era pelo menos simples de se entender.

Seguiu-se então um silêncio aterrador entre eles. Julia sentiu necessidade de quebrá-lo, ainda que não quisesse retomar o assunto do beijo. Resolveu perguntar sobre a vida de Logan.

- Eu... Queria te perguntar uma coisa.

Logan franziu a testa e pareceu deveras surpreso.

- O que quer saber? – Perguntou cauteloso.

- Quantos anos você tem?

Um riso amargo escapou da boca dele.

- Não sei. De verdade.

Julia o fitou com curiosidade, como se pudesse descobrir a idade dele apenas olhando o seu corpo.

- Você até que está conservado... – Brincou ela.

Logan riu e depois coçou a cabeça, meio que sem saber o que fazer.

- Eu tenho o poder de me regenerar, assim, quando chegam a determinado ponto, minhas células se renovam.

- Isso deve ser bom.

- Nem tanto. É frustrante não saber quantos anos tenho. E não é legal ser ferido e se curar, para ser ferido novamente depois.

- Faz sentido... – Comentou Julia.

Então Logan foi contando sua história com um tom levemente resignado, ressentido...

- Minha vida sempre foi assim, meio imprevisível. Perdi muitas memórias quando levei um tiro na testa, e foi nesse estado que encontrei Charles. Desde então, sei o que aconteceu comigo. Mas não me lembro, tenho apenas fragmentos que surgem de vez em quando na minha mente... Mas, mesmo sabendo que essa história é minha, parece que foi outro cara que a viveu.

- Não vou dizer que entendo. Estaria mentindo. – Contou Julia, tentando procurar o que dizer, mas novamente nada soube.

- E sua história? O que acha disso tudo que está vivendo? – Perguntou Logan, olhando-a nos olhos.

- Tenho medo. Sei que, com a Irmandade toda atrás de mim, esse medo não vai se dissipar. Serei obrigada a conviver com ele todo o tempo. Temendo constantemente que alguém me ataque e me mate. Conviver com isso é... Frustrante.

- Ah, isso eu entendo... – Disse Logan. – Quem sabe você se acostuma. Se não se acostumar, os X-Men estão aqui pra isso.

Julia limitou-se a sorrir. O medo, mesmo assim, não a deixaria tão facilmente. Apoderara-se dela.

- E sua outra história, sobre, suas lembranças? – Indagou Logan. Dava pra perceber o quanto ele era curioso em relação às outras pessoas contarem sua vida. Talvez fosse porque ele não tinha como fazer isso.

- Amanhã. – Propôs Julia, bocejando. – Estou cansada. Boa noite.

Logan acenou com a cabeça e voltou sua atenção para o nada.

Julia entrou na casa e só então percebeu. Havia apenas uma cama de casal no recinto e o que isso significava. Mesmo assim, deitou na cama do lado direito e acomodou-se. Ela estava com frio, mas não viu nenhum cobertor por perto. Não parecia o tipo de coisa que Logan teria em casa, simplesmente. Ela abraçou-se e permitiu-se vaguear deliciosamente naquela suave transição entre sono e despertar. Não demorou muito e dormiu, sem ver a hora em que Logan se deitara ao seu lado.

Logan não demorara muito a ir dormir.

Não que de fato tivesse sono, mas sentiu que precisaria ao menos deitar, visto que no dia seguinte teria afazeres importantes na cidade. Ele entrou em sua casa e estranhou não vê-la completamente abandonada e solitária. Agora, uma pequena figura adormecida ocupava um dos lados da velha cama de casal.

Logan aproximou-se e se deitou apenas de bermuda, tomando todo o cuidado de separar bem os lados da cama para que não acordasse Julia e também para que não tocasse nela. Era um tanto complicado, já que ele era grande. Mas mesmo assim achou uma posição suficientemente confortável e se deitou. Mas não sem antes olhar para quem agora ocupava a cama do outro lado.


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