- Isso dói? – Perguntou Jean, observando Julia retirar os cacos incrustados em sua pele exposta. A voz dela soava falsamente doce.

Julia não respondeu.

- Pois é... – Continuou Jean. – Doeu quando você pisou em meus dedos também.

E então, subitamente, ela pegou uma granada de algum lugar que Julia não pode ver.

Julia estava tonta e tudo que conseguiu focalizar era uma Jean que tremeluzia, alternando com cenas escuras. Ela levara uma pancada e tanto. Sentia também o sangue quente e viscoso escorrer pelos seus braços.

Jean brincou com a granada e falou ameaçadoramente:

- Bom, sempre ficou claro que você era indigna dos X-Men. Uma idiota. O pior tipo de pessoa que pode ter, que faz tudo sempre em benefício próprio. Você nos traiu e brincou com nossa confiança. Será que é tão divertido quanto brincar com isso? 

- Jean... – Julia murmurou em tom de advertência, tentando procurar sinais da outra batalha que se seguia. Ao que parecia, Amandha, Pietro e Johann tinham fugido sem levar nada.

Os X-Men assistiam à cena petrificados. Até que, em algum lugar à esquerda de Julia, uma voz murmurou urgente:

- Jean! Pare. As ordens de Charles foram claras. Peguem a espada e saiam. Pegamos a espada. Devemos partir. – Pelo bom senso contido na voz, deveria ser Scott o dono dela.

Mas Jean não lhe deu ouvidos. Julia enquadrou-a novamente no campo de visão com dificuldade e observou seus olhos vermelhos mortíferos. Sedentos de vingança. Uma vingança irreal, pensou Julia com desprazer.

- É isso o que acontece com quem trai os X-Men. Com quem pisa em mim.

E Jean estava prestes a lançar a granada.

Mas não o fez.

Wolverine apareceu de repente e segurou o braço de Jean bem na hora que ela tiraria o pino da bomba.

- Jean. Pare. – Falou ele, olhando firmemente para ela.

Jean sacudiu a cabeça e arfou, largando a granada no chão.

- Tem razão, Logan. Desculpe-me, eu... Não parecia eu.

- Vamos, galera! – Anunciou Kurt, apontando para um carro que estava sendo dirigido por Kitty. – Temos que ir.

Todos se encaminharam para o carro, exceto Kurt e Logan.

Julia riu mentalmente. Era óbvio que Logan não deixaria Jean matar Julia. Com se orgulho animal ferido, ele mesmo teria de terminar o serviço.

- Eu já vou. – Falou ele sério. – Tenho uns problemas a resolver.

Julia se levantou de pronto, ignorando as dores que permeavam cada centímetro do corpo. Sangue veria de vários cortes de diversos tamanhos.

Então Kurt saiu correndo, deixando-os a sós.

- Poderia ter deixado Jean fazer o serviço. – Julia murmurou, flexionando os dedos. Sinal de que ela não cairia sem luta.

- Você é uma idiota. – Rebateu Wolverine, avançando.

Mas Julia não esperaria que ele golpeasse antes. Teve raiva dele. Raiva por ele ser egoísta ao ponto de salvar Julia somente para que ele pudesse matá-la em seguida. Ela não perguntou nada. Apenas avançou e golpeou-o com os mesmos golpes que ele lhe ensinara.

- Espera! – Gritou ele, quando foi golpeado por Julia com um chute nas costelas.

- Não vou cair em seus jogos de novo! – Berrou Julia, ignorando o protesto de seu corpo em continuar. Ela estava exausta.

E Wolverine, por algum motivo que Julia desconhecia, parecia relutante em lutar com ela. Como se ele não quisesse. Mas, aos poucos, ele desistiu e começou a lutar de verdade. Começou a retribuir os golpes de Julia à altura. Ademais, o carro com os X-Men já tinha partido, provavelmente estacionado um pouco mais longe dali, porque Kurt ocasionalmente vinha chamar por Logan e pegava os dois em uma luta ferrenha e parcialmente equilibrada.

- Você ainda não percebeu? É lerda demais para isso então. – Provocou Wolverine.

 Mas Julia se deu conta de que não tinha a mínima noção do que ele estava falando. O que ela tinha deixado passar nessa história toda? Não importava. Precisava acabar com Wolverine antes que ele acabasse com ela. Não deixaria que ele lhe enganasse ou que arquitetasse planos idiotas para acabar com a vida dela. Simplesmente não deixaria.

E a luta ocorria sem precedentes. Julia golpeava Logan com menos sucesso agora que ele de fato entrara na luta. Além disso, o corpo dela estava fraco e ansiando por tratamento e descanso. Os golpes de Julia foram ficando mais lentos e desconexos à medida que ela se cansava, arfando e arquejando mais do que lutando.

Julia desabou novamente, apoiada na frente do mesmo carro em destroços que tantas vezes recebera o corpo dela com impacto. Tudo o que ela precisava era de um minuto para se recompor, mas, intimamente, sabia que não aguentaria mais lutar.

Logan se aproximou e observou a figura de Julia apoiada na frente do carro.

- Podemos conversar agora? – Pediu ele.

Mas algo mais significativo tirara a atenção de Julia.

A granada que Jean largara estava mais ou menos a dois metros de Julia e Wolverine. E, de uma maneira inexplicável, estava prestes a explodir. O pino subia lentamente.

Julia tentou avisar Logan com o olhar, mas não foi preciso.

Ele logo percebeu e, antes que estragos maiores acontecessem, abraçou Julia e a protegeu da explosão catastrófica que se seguiu.

Se antes Julia estava tonta e desestabilizada, agora se sentia pior. Lembrava-se vagamente de algumas coisas. Jean tentando matá-la. Wolverine impedindo. Os motivos desconhecidos. Ela lutando com afinco para destruir Wolverine. Ele agindo estranhamente e o principal: protegendo-a dos efeitos de uma explosão ao acaso.

Quando Julia abriu os olhos, ainda sentia náuseas e dores espalhadas pelo corpo, mas recuperara alguma consciência. Ela estava no chão de asfalto sujo da rua e Logan estava ajoelhado ao seu lado.

Cortes e machucados estendiam-se sobre todo o corpo dele. O uniforme estava queimado em muitas partes, acompanhando os ferimentos e queimaduras. Mas ele tinha poder de se regenerar e logo, logo, enquanto Julia permitia-se descansar e melhorar, Logan já estava curado.

Julia levantou-se depressa quando viu que ele estava bem. Sobressaltado, Wolverine fez o mesmo, de modo que eles estavam de frente um para o outro. Julia observou aqueles olhos para nenhuma resposta encontrar. A mente dele era revestida de Adamatium, basicamente. Julia não conseguia penetrá-la. E, naquele momento, tudo o que ela gostaria de entender eram as atitudes de Wolverine. Por que ele fizera tudo o que fez? E para que?

Mas ela foi retirada de seus devaneios porque Wolverine perguntou, ligeiramente alarmado:

- Você está bem?

Mas Julia só sentiu mais raiva. Raiva por não compreender a natureza do que estava acontecendo. Ela avançou para Wolverine e o empurrou com as duas mãos. Obviamente, sem efeito algum.

- O que você está fazendo? – Perguntou ela, nervosa. – Você já me salvou duas vezes hoje! Por quê? Não vou cair em seus joguinhos, Logan! Estava falando sério.

Embora não estivesse plenamente segura de suas afirmações, Julia resolveu acreditar que tudo o que acontecera era obra de um plano de Logan. Um plano para acabar com Julia e com a sua suposta traição aos X-Men. E ela não esperaria uma confirmação decente de Logan. Ela precisava atacar.

E, novamente descontrolada, Julia avançou para Wolverine, demonstrando que a luta não estava terminada. Logan hesitou por algum tempo, mas ainda assim, logo voltou a atacá-la sem se restringir.

- Fica quieta, Julia! Quero falar com você! – Gritou Logan, parando um chute de Julia.

Mas ela não respondeu e simplesmente avançou para ele, acuando-o contra uma parede.

Quando Julia ia atacá-lo, Wolverine aparou o golpe e inverteu as posições. Ele segurou os braços dela e forçou-a a virar, prendendo-a firmemente contra uma parede de tijolos. Desse modo, ela estava encostada na parede com os braços nervosos abertos, e Wolverine estava de frente para ela, as mãos fortes segurando os braços de Julia e impedindo-a de se movimentar.

-Você. Vai. Me. Ouvir. – Repetiu ele.

- Sai daqui! – Urrou Julia, fitando Logan desesperadamente. – Eu nunca pedi a sua ajuda!

- Mas sempre precisou. – Inferiu ele.

 Julia parou de se debater e decidiu ouvir Logan relutantemente, não só disposta a esclarecer os acontecimentos, como também intimamente furiosa por ele ter tirado as chances de Julia em replicar uma resposta à altura.

Entretanto, o momento foi interrompido por Kurt, que surgiu de uma viela e acenou na direção dos dois.

- Venha, Logan! Estamos partindo! – Gritou Kurt.

Impaciente, Wolverine moveu uma das mãos que prendia o braço de Julia e gesticulou para Kurt, indicando que ele deveria partir.

Era a brecha que Julia necessitava, agora que tinha uma das mãos livre.

- Eu vou sozinho! Vá sem mim! Agora. – Berrou Logan. Julia até pode observar veias saltando das têmporas dele. Wolverine também parecia exausto, apesar de tudo.

Kurt partiu e, antes que Wolverine percebesse, Julia, com o braço livre, cerrou a mão em um punho para atingir um soco nele.

Dessa forma, quando Wolverine se virou para encará-la frente a frente, Julia fez com que a mão cerrada voasse na direção do rosto dele.

Em vão.

Wolverine percebeu o golpe e colocou sua mão na frente, inutilizando novamente o ataque de Julia. Com a mão que aparara o golpe, ele prendeu firmemente o punho de Julia para evitar novos ataques.

- Tentando me pegar de surpresa? – Perguntou ele ironicamente.

Julia tentou manter-se impassível, observando os olhos de Logan e o rosto ligeiramente satisfeito dele. Mas ela não se esqueceu do que a motivara a atacá-lo. Tinha respostas que precisava saber.

Enquanto Julia rapidamente tentava arquitetar uma resposta cabível para silenciar Logan, outra coisa aconteceu.

Fora Logan quem a silenciara, pegando-a de surpresa com um beijo.

Julia não processou o acontecimento com clareza. Sentiu apenas o beijo urgente de Logan, a urgência com que ele tocara os dedos dela e depois os soltara, passando sua mão nos cabelos castanhos de Julia ou acariciando o pescoço dela. O beijo era urgente, insaciável e o descompasso de ambos movido pela surpresa e o calor do momento deixava tudo mais interessante e estranho. Mas ela decidiu não pensar em nada naquele momento, deixou-se sentir os lábios quentes e ritmados de Logan, acompanhando-os. Não tinha como fugir, não só porque Logan mantinha o corpo dela preso ao dele, como também porque não queria. Ela permitiu-se acariciar o rosto de Logan, sentindo a barba mal feita e também bagunçou os cabelos dele, ciente de que ele não se importaria.

Foi com relutância que o beijo terminou e Logan ia se afastando. Julia estava ainda mergulhada no momento, esquecendo-se de tudo que vinha motivando-a a investir contra Logan. Ela cerrou os olhos e puxou Logan de volta contra seu corpo, mas ele gentilmente recusou.

Julia abriu os olhos e, por mais que não conseguisse beijá-lo, deixou seu corpo preso firmemente contra o dele. Logan parecia ligeiramente desconcertado, talvez até surpreso com o que acontecera. Ele sorria pelo canto do lábio com uma satisfação secreta.

- Bom, vou ser direto com você. Charles me contou sobre o plano faz algum tempo. Ele disse que era bom ter alguém de dentro sabendo de tudo. Pediu para que eu a protegesse de ataques como o de hoje. Para que eu pudesse mantê-la viva.

Julia observou-o com descrença. Então Logan sabia de tudo. Isso explicava muita coisa, desde os dois salvamentos até o beijo que ocorrera. Julia pensaria na coisa toda mais claramente depois. Sentiu que aquele não era o momento.

- O que? – Foi só o que ela conseguiu dizer, pasma.

- Sim. E só posso dizer-lhe duas coisas: Seja rápida com tudo isso. E... Você é muito corajosa. Digna de nossa equipe.

Julia esperou um beijo de despedida ou qualquer coisa do gênero, mas não recebeu nada. Ainda surpresa com todas as revelações – sobretudo com o beijo e com o quanto gostara disso -, ela ficou estagnada na parede.

Enquanto isso, Logan saiu andando a passos lentos e marcados, andando como se estivesse se dirigindo para mais um dia comum.