A Drink To That escrita por PandoraLc


Capítulo 3
Capítulo 3




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A drink to that

(capítulo III - final)

...

O molho de chaves fora devidamente colocado em um suporte específico pendurado ao lado do interfone, tintinando devagar até que todas as chaves se equilibrassem. Milo observava discretamente a sala do apartamento, atentando-se à decoração do ambiente. Móveis de madeira escura compunham o conjunto da sala, onde um sofá de dois lugares e uma poltrona eram dispostos em frente a uma estante baixa e cumprida. Acima do amplo móvel, uma televisão e um rádio de médio porte. Logo ao lado, duas estantes apinhadas de livros e pequenos objetos, tais como estatuetas, vasinhos, um relógio e um porta-lápis com vários itens dentro. O chão de tábuas simétricas de carvalho era coberto por um belo carpete encarnado retangular com alguns desenhos dourados e verde musgo. Nada chamativo, o ambiente era aconchegante, a luminosidade dos abajures dispostos nas laterais do cômodo dava um ar agradável ao espaço, e Milo sorriu satisfeito, antes de pendurar seu pesado casaco em um cabide atrás da porta.

- Sente-se, vou preparar uma bebida pra nós. Estou congelando. – disse Camus, dirigindo-se à cozinha.

Milo assentiu, caminhando até o sofá. Sentou-se no assento macio, levando as mãos aos cabelos. Soltou o elástico que mantinha os cachos presos, percorrendo os fios louros com os dedos a fim de desembaraça-los, e logo os uniu novamente, amarrando-os mais uma vez. Era estranho estar sentado na sala da casa de Camus depois de tantos anos. Sentia algo diferente, um misto de acanhamento e ansiedade. Queria conversar melhor com o francês, esclarecer as coisas. O escorpiano não fazia ideia do porquê de Camus ter vindo parar em um apartamento suburbano, uma vez que o amigo sempre fora muito bem de vida. Lembrava-se da verdadeira mansão dos Riviere, onde passara a maior parte de sua infância e adolescência. Era grande demais para que somente um casal lá vivesse, e Camus parecia gostar de lá, no entanto, havia se mudado pra um lugar bem longe. Milo gostaria de perguntar o porquê da decisão de Camus, e não somente isso. Havia inúmeras questões que povoavam a mente do grego, no entanto, questionar Camus era o mesmo que pedir por uma resposta curta e grossa. Sabia disso, portanto, deixaria que o outro começasse o assunto.

Instantes depois, Milo sentiu um leve roçar em suas pernas. Arregalou os olhos, surpreendendo-se com um pequeno felino de penugens curtas alvíssimas e olhos esverdeados que remetiam esmeraldas. Ao ser encarado pelo pequeno gato, Milo sorriu, abaixando o corpo suavemente. Apanhou o bichano nos braços, dando-lhe carinho atrás das orelhas pontudas.

- Hey bichano, eu não sabia que tinha mais um morador nesse apartamento. – disse afetuoso, enquanto observava o felino fechar os olhos, apreciando o carinho.

E de repente, uma questão veio em sua mente: será que Camus vivia sozinho? Isso é, será que ele possuía algum relacionamento? Talvez estivessem brigados. Isso explicaria muito a respeito do mau humor e frieza do outro. Um tanto relutante, Milo aceitou que o amigo provavelmente estava passando por uma crise afetiva, e isso estranhamente o deixava receoso.

Mas receio de quê?

Nem ele sabia ao certo. A sensação lhe surgira de forma repentina. Por certo, o escorpiano desde sempre fora possessivo com seus amigos, familiares e também objetos pessoais. Em suma, Milo era possessivo com tudo o que fosse, de certa forma, seu. Entretanto, seria idiotice ter possessividade com um colega que acabara de reencontrar depois de quase uma década, não? Por certo, mas Camus era diferente. Camus sempre fora muito especial. Em nenhuma outra pessoa, Milo encontrou a cumplicidade que possuía com Camus. O laço que os unia era muito forte, ao menos para o grego.

Só Milo sabia o quão havia sido duro ser completamente ignorado ao longo de um ano. Cartas sem respostas, ligações sem retorno. Quanto não insistiu pra que a mãe o deixasse passar as férias escolares na casa do pai em Paris? Mas as coisas não eram fáceis, e a grega não queria que seu filho tivesse contato com o pai. O ex-marido nunca fora boa pessoa e nunca pareceu muito ligado em Milo, de qualquer forma.

Depois que a raiva do abandono passou, Milo juntou todas as fotos que possuía junto de Camus, e montou uma espécie de álbum de recordações. Não havia comentado isso com o francês ainda, já que o mesmo não parecia muito feliz em vê-lo. Ou talvez fosse coisa de sua cabeça.

Algum tempo depois, Camus retornou a sala segurando duas canecas fumegantes, cheias até quase a borda com algo cujo cheiro remetia a chocolate. Entregou um dos recipientes ao loiro, sentando-se ao lado dele. Bebericou um pouco do chococino¹ que havia feito, antes de tornar a encarar o amigo.

- Pensei que havia simplesmente se esquecido de mim, por isso o tratei tão friamente no bar. Eu esperei pelo seu contato todo esse tempo. Agora me dei conta de que quem possivelmente boicotava suas cartas e telefonemas eram meus pais. Eles nunca foram boas pessoas, você sabe.

- Eles não pareciam gostar muito de mim, não é? Pelo fato de eu ser grego, talvez. – disse pensativo, aspirando ao vapor suave da bebida. – Mas não pensei que fossem ser tão ruins a ponto de cortar o nosso contato. Nunca fiz nada de errado.

- Nem eu pensei que fossem chegar a esse ponto, mas chegaram. Não existe outra explicação. E agora eu vejo que a antipatia que nutri por você todos esses anos fora responsabilidade deles. Ainda bem que não vivo mais com aquela gente. - o francês deixou o ar de seus pulmões verterem por seus lábios. Camus parecia um tanto aéreo.

- Bom, agora que sabe que eu fiz de tudo pra manter o contato com você, espero que possamos ao menos brindar juntos a meia-noite. – propôs o grego, não conseguindo esconder a empolgação que sentia por ter o amigo de volta. – Somos amigos, não somos? – precisou perguntar, afinal, não queria correr o risco de Camus lhe virar a cara por algum outro motivo qualquer. Camus sempre fora uma pessoa complexa, desde os tempos do ginásio. Dificilmente relacionava-se com os outros colegas de classe ou vizinhos. Até hoje Milo não sabia ao certo como o havia conquistado.

Como resposta a questão lançada por Milo, Camus lhe endereçou um sorriso afetuoso. Era bonito vê-lo sorrir, ele ficava muito bem sorrindo.

Deixando-se contagiar pelo gesto do outro, Milo também sorriu, erguendo a caneca e a esticando até a de Camus.

- Ainda falta meia hora pra meia-noite. – alertou, observando o relógio da estante.

- Eu sei, mas não tem problema. Meia-noite a gente brinda mais uma vez! – disse animado, batendo de leve a porcelana das canecas.

- Por que está tão animado? – indagou o ruivo, com o semblante bem menos carregado do que o que ostentava no bar. Estava feliz, muito feliz.

- Por sua causa. – fora direto, Milo odiava rodeios com palavras.

Camus sorriu novamente, sorvendo mais um gole da bebida.

- Eu senti muito a sua falta, Milo. – disse o ruivo, esticando o braço em direção à mesinha de centro, pousando a caneca no vidro fosco. – E não digo isso da boca pra fora, eurealmente senti muito a sua falta.

Milo levava a caneca aos lábios, bebendo um grande gole do chococino, sem desviar os olhos dos de Camus.

E Camus continuou.

- Eu nunca tive muitos amigos na minha infância e adolescência, e agora não é diferente. Mantenho o contato com os colegas da faculdade e também do trabalho, mas não passam de meros companheiros de curso, de afazeres. Senti falta do seu sorriso, das nossas conversas que varavam as madrugadas, das partidas de xadrez e das verdadeiras cidades que construíamos no lego².

E Milo riu.

Era engraçado ver o quão Camus parecia desesperado em dizer tudo aquilo, em expressar o quanto sentiu muito. Mesmo agora sendo jovens com vinte e poucos anos, o ruivo ainda fazia questão de lembrar a infância e a adolescência. De sentir falta daquelas coisas que pareciam tão bobas, mas tinham um valor inestimado. Bons tempos. Ótimos tempos! Milo também sentia falta deles, porém, sentia mais falta do tempo em que perdeu sem Camus ao seu lado. Da falta de ter um amigo querido que pudesse compartilhar sua vitória ao ingressar em uma das melhores faculdades da Grécia e se formar em direito. Sentiu falta de poder ligar pra ele quando tinha uma novidade, ou quando tinha medo de alguma coisa. Sentiu falta dos passeios que podiam ter feito juntos, das noites que podiam ter passado em claro rindo da infância e da adolescência, e também de ter um ombro amigo para desabafar e chorar as mágoas da vida. Camus havia feito muita falta, mesmo que Milo fosse mais comunicativo e possuísse uma porção generosa de amigos. Ninguém nunca substituiria Camus. Nunca.

- Vem cá, Camyu, me deixa dar um abraço. – pediu, deixando a caneca ao lado da de Camus.

Sem esperar por sua resposta, Milo puxou o corpo esguio do francês, o abraçando como fazia quando eram adolescentes. Camus sempre reclamava daquele tipo de abraço, onde Milo parecia querer imobilizá-lo, tal qual um lutador faria com seu adversário. O grego ria enquanto prendia as pernas do francês entre as suas, obrigando-o a deitar por cima de seu corpo. Ao contrário da reação esperada por Milo, Camus apenas correspondeu ao abraço, mantendo o rosto encostado contra o ombro do amigo. Aos poucos o riso de Milo foi se cessando, dando espaço ao silêncio.

- Não me solta, Milo, quero ficar mais um pouco aqui. – sussurrou o ruivo, com a voz levemente abafada pelo tecido da blusa do grego.

Um tanto sem reação, Milo deslizou uma das mãos pelas costas do amigo, levando-a até a cabeça dele. Afagou os cabelos ruivos, tão macios quanto a oito anos atrás, e lhe beijou o topo da cabeça. Milo sempre fora muito carinhoso.

Camus fechou os olhos, permanecendo em silêncio entre os braços fortes do loiro. Lembrava-se de algumas passagens junto a Milo, enquanto o coração pulsava forte dentro do peito, reivindicando atenção. Seria justo manter o que sentia pelo grego em segredo pra sempre?

Camus nunca fora muito corajoso, especialmente em relação a assuntos pessoais. Temia perder aquilo que sempre tivera ao revelar o que realmente pensava e sentia. Sempre fora censurado quando menor pelos familiares. Nunca podia expressar-se ou era punido, caso o que falasse não fosse de acordo com que os pais ou avós achavam correto.

Mas Milo era completamente diferente dos Riviere.

Milo não fugiria de si, caso Camus resolvesse se abrir consigo e expor seus sentimentos, certo?

Era o que o francês repetia mentalmente a si mesmo. Valeria a pena por tudo a perder agora? Justo quando haviam dado a chance para um retorno à amizade?

Acontece que Camus já havia se fartado de guardar para si o que sentia. Camus já havia se cansado de ser oprimido. Havia se livrado dos parentes e escolhido por si só o destino que gostaria de seguir. No começo fora difícil habituar-se a nova rotina, as novas acomodações, mas tudo fora superável e nada havia lhe trazido arrependimento.

Mas e agora?

- Camyu, você tá bem? – a voz rouca e masculina sussurrou-lhe ao pé do ouvido. Milo já estava ficando preocupado, e não era pra menos.

- Estou ótimo. – respondeu-lhe, erguendo o rosto sutilmente. Levou uma das mãos até a farta franja ruiva, jogando-a para trás. Sorriu ao encontrar o sorriso do amigo tão próximo de si.

- Você não mudou nada... – disse o grego, levando uma das mãos ao rosto de Camus, apertando-lhe de leve o nariz. Riu após soltá-lo, observando a careta do outro. – Desculpa, eu realmente precisava fazer isso. Têm oito anos que eu não faço, então você vai me perdoar com certeza.

Camus riu junto de Milo, e antes que a situação ficasse constrangedora, retornou a postura anterior, saindo de cima do corpo do grego.

- Eu vou pegar uma caixa no meu quarto. Quero te mostrar uma coisa. – disse o ruivo, já caminhando em direção ao cômodo.

- Certo, mas não demora, falta pouco pra meia noite! – alertou, enquanto observava o gato dormir em uma cestinha ao lado do sofá. – Não sabia que você gostava de gatos!

- Nem eu. – replicou, já de volta a sala. Carregava consigo uma caixa de madeira, o que chamou a atenção de Milo.

- Camus, seu cínico, como chama o bichano?– questionou risonho, voltando os olhos à caixa. – E o que tem na caixa?

- Ele se chama Zeus. – respondeu, sentando-se de volta ao sofá. – E o que tem na caixa é um pouquinho da gente – dito isso, Camus abriu a caixa, revelando diversas fotos em que ele e Milo apareciam. Vários momentos registrados ao longo dos anos.

- Caramba, quanta foto! Eu tenho um álbum de fotos nossas, mas eu acho que você deve ter no mínimo umas cem fotos a mais do que eu. – disse empolgado, apanhando um punhado de fotos, vendo-as uma a uma.

Camus sorriu ao ver a empolgação do outro. Sentiu o peito aquecer-se ao saber que ele também mantivera as fotos que ambos haviam tirado juntos. Sentiu-se querido com a confissão do amigo.

- Lembra-se desse dia? – questionou o loiro, mostrando a Camus uma foto em que ambos estavam com os cabelos penteados para trás, vestindo terno com direito a gravata. Sutilmente, podia-se observar os pés calçados com all star³.

- Como me esquecer da nossa formatura? Éramos bem novinhos nessa foto. Lembro que a gente se escondeu na cozinha do buffet e roubamos os docinhos antes do tempo. Foi a melhor coisa que fizemos! Se não tivéssemos pegado antes, teríamos ficado sem. O povo avançou nos doces, lembra?

- Lembro... – disse um risonho Milo, apanhando uma nova foto. Gargalhou ao ver a si próprio, Camus e mais dois colegas vestidos feito meninas. – Caramba! Olha o que você tem aqui!

Camus riu junto dele, apanhando a foto. – Festa do trocado, foi uma zoação só!

- Foi, e você parecia uma menina com esse vestido de flanela. – comentou zombeteiro, recebendo um olhar irreverente do amigo.

- Ora, qual o problema em gostar de manter os cabelos cumpridos? Você, pelo que vejo, sempre me invejou nesse ponto, já que agora têm cabelos tão longos quanto os meus. – comentou, levando uma das mãos aos cachos loiros de Milo.

- Hahahahaha, tem razão, eu acho bonito. Sempre achei seus cabelos bonitos. – disse sincero, observando outras fotos.

Enquanto Milo observava as fotografias antigas, Camus pegou-se o observando com um sorriso terno desenhado em seus lábios. Estava feliz. Sentia-se aliviado agora, ali, junto dele. Junto da pessoa a quem mais amava. Ele era perfeito, alguém agradável, bonito, sempre sorridente, sempre disposto a prestar auxílio aos seus queridos. Camus sentia-se realmente aquecido pela companhia do grego, e também querido.

De súbito, o loiro conferiu as horas no relógio de punho, arqueando as sobrancelhas. – Cinco minutos pra meia noite. – disse num sussurro, dirigindo os olhos aos de Camus de forma infantil. Parecia até uma criança contando os segundos para abrir seus presentes.

Oui, vou encher nossas canecas, só um instante. – pediu, saindo em disparada com as canecas nas mãos em direção à cozinha.

- Quer ajuda? – gritou Milo, rindo do jeito atrapalhado de Camus.

- Não, não preciso. Me dá três minutos! – pediu, enquanto colocava as capsulas na cafeteira e puxava de leve a manivela de metal.

- É, você tem quatro minutos... – brincou, consultando o relógio mais uma vez.

Onze horas e cinquenta e seis minutos.

Pouco mais de dois minutos, Camus retornou às pressas até o sofá, entregando a caneca de Milo.

- É, você conseguiu voltar bem a tempo... e obrigado! – agradeceu, voltando a olhar para o relógio.

- Meia-noite, Milo... – avisou Camus, segundos depois de entregar a caneca ao loiro. – Feliz Natal. – sussurrou, sorrindo terno.

Colidiram suavemente as canecas.

- Feliz Natal, Camyu... – replicou, sorvendo um gole do chocolate.

- Me dá um abraço de presente? – pediu o ruivo, antes de bebericar da caneca.

- Quantos você quiser. – respondeu Milo, já de braços abertos. – Chega mais, ainda tô com saudade!

Ambas as canecas foram deixadas de lado, esquecidas na mesinha.

O novo abraço fora menos invasivo, mas igualmente intenso. Ambos os corpos se uniram de forma cúmplice. Uma cumplicidade que não se via há oito anos...

Milo deixou que seus olhos se fechassem, enquanto aspirava o perfume amadeirado que se desprendia das roupas de Camus. Era gostoso aquele contato, o cheiro dele, o calor que o corpo dele emanava. Por mais frio que Camus parecesse ser, no fundo, Milo sabia que essa era apenas sua defesa. Como uma fortaleza de gelo construída em torno de sua alma. Camus tinha medo de sofrer, o grego não havia se esquecido disso.

- Milo... você está com alguém? – questionou o francês, ainda abraçado ao corpo de Milo.

- Como assim, alguém?

- Se está envolvido em algum relacionamento amoroso com alguém...

- Não, por que a pergunta?

- Queria saber...

- E você Camyu, está envolvido com alguém? – Milo sabia a resposta, mas preferiu lançar a questão.

- Não, não estou.

- E gostaria de estar? – jogou verde, Camus era muito decifrável.

- Gostaria.

- Alguém em especial?

- ... – o silêncio fora sua resposta. Não queria que Milo pudesse repudiá-lo bem na noite de Natal.

- Quem é esse alguém, Camus? – insistiu. Milo era persistente, e até chato, algumas vezes.

- É um alguém, Milo, e só. – disse um tanto ríspido. Aquilo só dizia respeito a si próprio.

Milo afastou sutilmente ambos os corpos, podendo assim ver o rosto de Camus.

Ele parecia incomodado.

Incomodado e aflito.

E Milo lhe brindou com um de seus sorrisos, antes de franzir o cenho, mirando-o irreverente.

- Você ainda vai me perdoar por isso, mas eu tenho uma boa desculpa, acredite.

- Perdoar pelo quê exatamente?

Camus mal concluiu sua questão e teve seus lábios coberto pelos de Milo.

Ágil, o grego levou uma de suas mãos à nuca de Camus, enquanto tomava sua boca sem medo da recusa. Invadiu os lábios entreabertos do francês, serpenteando a língua pela cavidade úmida e macia, explorando-a conforme sentia vontade.

Camus, por sua vez, encontrava-se atônito. Não sabia ao certo como reagir, se deveria reagir, se podia. Era notório o quão o francês não estava preparado para aquele tipo de investida.

Era Milo quem o estava beijando desta vez. MILO.

O ruivo sentiu-se como um adolescente atrapalhado e acanhado que vive seu primeiro beijo. Fora exatamente assim que Camus permaneceu. Dado o choque, dado o momento, somado ao fato de ser ele, Milo, quem o estava beijando. Não precisaria mais busca-lo em bocas, olhos e gestos alheios. Ou pelo menos era assim que desejava.

Quando o beijo foi findado, Milo já estava com um típico sorriso estampado nos lábios.

- Obrigado. – disse baixinho, buscando pelos olhos de Camus. – Por me dar o melhor presente de Natal entre todos que já ganhei. – soltou um riso suave. Parecia empolgado.

Um tanto perdido, Camus ergueu o rosto, encarando-o sem saber precisar ao certo sua própria reação. Devolveu o olhar de Milo, um tanto aturdido. De todas as possíveis façanhas de Milo, aquela fora a mais improvável para si. Precisava de um ou dois minutos para poder assimilar o beijo.

- Camus? – a empolgação e alegria deram lugar à preocupação. Milo estava atribulado com a reação do amigo.

- Por que fez isso? – fora a pergunta de Camus. Queria saber se era confiável. Se Milo não havia apenas brincado, como sempre fazia.

- Por quê? Porque senti vontade. Porque queria sentir sua boca. – dizia com uma convicção absurda. Não tinha medo dos olhares que beiravam apatia de Camus. Conhecia-o a fundo, e o passar de anos provara que as pessoas não mudam. Não pessoas como Camus.

- Eu não sabia que você era gay...

- Nem eu. – replicou com honestidade e bom-humor – Camus, o que era aquele papel que você estava segurando quando te vi? – questionou repentinamente. Queria sair daquele clima constrangedor. Não sabia se Camus havia aprovado a ideia do beijo. Ele parecia alheio demais. Talvez Milo estivesse errado a respeito dele.

Camus então se lembrou do papel que havia colocado em um dos bolsos. O apanhou novamente, entregando-o ao grego.

Milo apanhou o papel amassado, arqueando as sobrancelhas ao passar os olhos pelas informações escritas ali. Na verdade era uma folha do que parecia ser uma agenda telefônica, onde três anotações podiam ser lidas. Duas já estavam riscadas, sobrando somente uma perfeitamente legível. Milo pode observar três números de celular. Dois riscados e um limpo. Todos os três pertencentes a si. Os dois antigos números desativados e o atual ainda limpo. Ergueu os olhos, encontrando os de Camus.

- Como conseguiu?

- Eu tenho meus meios.

- E por que não me ligou antes? – disse inconformado.

- Porque eu estava com raiva de você, lembra?

- Se estava com raiva, por que buscava pelos meus números?

- Porque planejava te ligar quando engolisse o meu orgulho abissal.

Mais um olhar fora trocado. E Camus voltou a questioná-lo.

- Por que me beijou? – perguntou mais uma vez. Não estava satisfeito com a resposta anterior. – Estava entediado?

- Por Deus, Camus, deixe de ser tão desconfiado! Que mal há entre duas pessoas que se gostam trocarem beijos?

- Que quer dizer com isso?- o encarou conjecturado.

- Quer dizer que eu sei que você gosta de mim, Camus. Sempre notei os seus olhares, as suas reações. Eu não sou ignorante e sempre me orgulhei de te conhecer como a palma da minha mão. Sabia que você talvez me deixasse te beijar. E eu queria te beijar. Por isso eu arrisquei. Só não sabia que ia ser abordado por esse seu interrogatório enfadonho logo em seguida. – resmungou, franzindo o cenho mais uma vez.

- E o que você acha disso, quer dizer, sobre mim...?– questionava, visivelmente aturdido com a informação recém-recebida. Milo sempre fora bom em deixa-lo sem palavras.

- Pra ser sincero, eu acho que você está muito apreensivo. Deveria ser menos ansioso. Não te beijaria sem um propósito jamais. Ainda mais quando acabo de recuperá-lo em minha vida. – disse afetuoso, apanhando uma das mãos de Camus, sentindo a pele fria. A levou até os lábios, beijando-a suavemente. – Eu não quero mais passar anos e anos idealizando algo intangível, Camus. Sou jovem, mas já tenho maturidade suficiente pra saber o que quero da minha vida.

- E o que você quer da sua vida, Milo? – indagou em voz baixa, surpreso com a postura de Milo.

- Muitas coisas, Camus. E quero compartilhá-las com você. Quero que você faça parte do meu dia-a-dia, das horas boas e também das ruins.

- Como fazíamos quando crianças e adolescentes?

- Não, Camus. Não somos mais crianças, nem adolescentes. Essas fases já passaram.

- O que quer então? Vá direto ao ponto. – lançou a questão, um tanto impaciente.

- Não é bem óbvio? Quero que seja meu companheiro, Camus. Eu quero ficar junto de você.

- Está me propondo casamento agora? – debochou, virando o rosto. Milo só podia estar caçoando de si. E Camus já estava farto daquela conversa.

Do jeito que o rosto de Camus fora virado, ele retornara a posição anterior, uma vez que Milo grudou os dedos em seu queixo, puxando-o mais uma vez para si.

- Entenda como bem quiser. Namoro, casamento, caso, você decide isso. Eu já decidi que o que eu quero é ficar com você. – sussurrou rouco, com o rosto perigosamente perto do de Camus.

O francês podia sentir o hálito de Milo bater contra seu rosto. Enxergava sinceridade nos olhos azulíneos do grego, mas tinha dificuldades em se entregar daquela forma.

Todavia... O que tinha a perder?

Deixou-se agir por impulso. Aquela era a primeira vez que o francês recordava-se agir desta forma. Assaltou os lábios de Milo, unindo-os com os seus, dando início a um beijo lascivo e apaixonado. Sem censurar-se, desta vez conduziu ósculo de forma intensa, buscando espaço entre a boca do grego, enquanto enroscava a língua na dele, provando de seu gosto mais uma vez.

- Milo... – chamou, partindo o beijo. – Por que está dizendo essas coisas agora? Por que me propõem isso tão repentinamente? Acabamos de nos reencontrar. Não acredito que já tivesse traçado planos para uma vida a dois comigo, sendo que nem mesmo a certeza de que íamos nos reencontrar você podia ter.

- Porque eu já esperei oito anos pra poder sentir o seu beijo. Porque a sua ausência na minha vida mostrou o quanto você é importante pra mim. Eu aprendi alguns valores, Camus, e tomei algumas decisões deste então. A vida é muito curta, e a gente já perdeu oito anos pra ficar pensando em dar mais algum tempo. Eu te quero comigo, Camus. Peço que me deixe corresponder o que sente por mim de forma apropriada. E não me peça pra esperar, porque eu já esperei demais. – pediu convicto, teimando em tomar os lábios de Camus mais uma vez. Nunca pensou que fosse expor aquilo tudo daquela forma. Sempre fora cuidadoso com Camus. Sempre respeitou seus limites. Mas agora o caso era diferente. Milo o queria consigo, e não estava brincando.

- O que te leva a acreditar que nós dois daríamos tão certo? – questionou o ruivo, levando o indicador aos lábios teimosos de Milo. Sentia-se leve, preenchido pelo júbilo.

- Camus, eu não faço a menor ideia. Mas prometo me esforçar pra ser o melhor companheiro do mundo. – sorriu, beijando o indicador de Camus.

- Espero que cumpra sua promessa. Seria clichê demais dizer que te amo? – questionou bem-humorado. Milo fazia imensamente bem para si.

- Seria. Me conte algo que eu não saiba! – riu, selando os lábios de Camus.

Ambos se dirigiram até a janela da sala, observando o silêncio da Noite de Natal. Suas mãos estavam unidas, como há oito anos. E tanto Camus, quanto Milo, tiveram certeza de que jamais as soltariam mais uma vez.

fim



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Notas finais do capítulo

¹ chococino: bebida quente especial a base de leite e achocolatado em pó
² lego: marca de blocos de montar mais famosa do mundo
³ all star: marca de tênis normalmente usada pelos jovens
.
Obrigada a todos que acompanharam a fic lol
Espero me inspirar pra escrever algo com Kardia e Dégel hm *comentário random*



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