King and Lionheart escrita por senhoritavulpix, Lichiaw, Sitriga


Capítulo 12
Loucura


Notas iniciais do capítulo

Queridos amigos e leitores,

Primeiramente, eu, Carol, peço perdão pelo sumiço.

Do fundo do meu coração, eu peço as minhas mais sinceras desculpas, e se vocês estiverem chateados eu vou entender. Sabemos o quanto é chato acompanhar uma fanfic e os autores entrarem em hiatus de repente, sem avisarem o que aconteceu. Eu juro que não era nossa intenção sumir, ainda mais durante seis meses. Sei que parece descaso de nossa parte, mas por favor, não interpretem dessa forma.
Esse ano foi absurdamente corrido para nós. Temos emprego, faculdade e curso técnico, o que torna a nossa vida muito agitada e o tempo que temos é realmente mínimo. Para piorar, infelizmente nossa querida Sitriga acabou afastando-se muito em decorrência da falta de tempo, e ter duas mãos e um cérebro a menos é bem chato.
Eu e a Lichia tentaremos tocar o projeto para frente, mas já deixamos avisado que os capítulos poderão demorar um bocado. Em compensação, os faremos com muito capricho e com a melhor qualidade e quantidade de palavras possível.
King and Lionheart fez um ano dia 1 de janeiro, há poucos dias atrás. Nossa intenção era postar nessa data, porém acabamos nos enrolando um pouco nesse cap.

Espero que vocês apreciem a nova leitura! Por favor, não deixem de fazer comentários, o feedback de vocês é MUITO importante pra nós! Comentem mesmo que seja para nos xingar por termos sumido por tantos meses!

No mais: Feliz 2014, vamos começar bem esse ano!

Att.

Vulpix~



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“[...]

E até mesmo os Heróis perder-se-ão na Loucura

[...]”



Reverbera no céu a cólera dos deuses; em terra, os mortais pediam por clemência. Naquela fatídica noite, as árvores balançavam violentamente com a fúria da tempestade, e várias daquelas anciãs tombaram devido a força dos ventos arrebatadores e dos rios caudalosos que se formaram entre suas raízes. A todo momento cintilavam relâmpagos, que criavam fantasmagóricas sombras sob a copa das árvores, e ribombavam ameaçadoramente os trovões, que, de tão enfáticos, assustavam até os homens mais valentes.

Exceto um.

O Feiticeiro pegou no ar a espada que lhe fora atirada. Sem hesitar, desembanhou-a e fincou-a no chão, somente segundos antes da cerimônia sagrada se desfazer. Como tentáculos, fios negros de magia saíram da lâmina e ricochetearam impetuosamente no ar, assim como os raios da tempestade faziam no céu; ele retirou a espada do solo e cravou-a uma vez mais com força, e um campo esférico de energia nasceu daquele epicentro e expandiu-se rapidamente, varrendo o círculo ritualístico como numa explosão.

“Ronan…”

E ele sentia. Depois de tantos anos, a influência nunca havia sido tão forte…

Ainda que estivesse parcialmente destruído pelas raízes de árvores devido a recente luta, o círculo mágico continuava funcionando, e as inscrições arcanas tremeluziam em vermelho vivo diante a nova fonte de poder. Arme deu um passo para trás após sentir o tipo de energia que emanava da espada que acabara de jogar. Ver o amigo empunhando-a era nostálgico... e potencialmente perigoso.

“Mate-osss... Mate todos, não tenha misericórdia... Dessstrua-os.”

...Aquela espada chamava pelo seu nome.

Tão suja quanto a fumaça de um dragão, uma densa névoa negra surgiu de repente do meio das árvores, fazendo o ar tornar-se pesado e irrespirável. O cheiro metálico e penetrante de sangue e enxofre era forte o suficiente para desnortear os sentidos das pessoas ali presentes. Com muita dificuldade, a espadachim continuou mantendo a lâmina espectral de Efreet que perfurava a panturrilha do lobisomem e mantinha-o subjulgado à sua vontade. Sua cabeça anuviava-se, porém ela esforçava-se para manter-se firme, pois caso falhasse sabia que o amigo mataria a todos. A maga violeta apoiou-se em seu cajado, enjoada, e cobriu a boca. Seu coração estava aos pulos e o sentimento de pânico que lhe invadiu a fez chorar desesperadamente; sensitiva da maneira que todos os bruxos eram e com seus poderes potencializados para a Magia Infernal, era capaz de sentir que a névoa não tinha nada de natural: era formada de fortes espíritos demoníacos e do desejo de morte e destruição; constituída basicamente por sentimentos negativos, de dor, terror e tristeza. Via rostos infantis contorcendo-se em espasmos de dor e agonia, e lágrimas negras rolando por suas faces cadavéricas; suas caras eram horrendas, entristecidas. Por um momento seu coração se apertou horrivelmente com aquelas visões infernais, e seu peito pesou tanto que parecia que nunca mais ela seria capaz de sentir qualquer coisa boa novamente.

“...Erudon”

De pé, completamente ereto em uma das pontas do hexágono circunscrito, o líder da Guarda Real estava absorto. Sem perceber, segurava tão firmemente o cabo de sua arma que os dedos estavam ficando sem circulação sanguínea. A chuva que caía intensamente encharcava suas vestes e cabelos, mas ele parecia não se importar. Cada respiração era controlada e pensada, tal como um monge. Naquele instante, apesar de não parecer, ele estava travando uma enorme batalha.

“Criança tola, o que está fazendo?”

“O que deve ser feito.”

Ecoou a voz imponente da Valquíria na mente do Inquisidor. De olhos fechados, ainda que não pudesse de fato vê-la fisicamente, sua presença era real e sentia como se pudesse tocá-la. Estendeu debilmente a mão direita para a frente, tentando alcançar o inatingível. Sentia como se pudesse por os dedos naqueles cabelos azuis compridos e nas longas asas de penas brancas, tão majestosas quanto sua armadura preta e dourada, adornada a ouro.

“Erudon! Não é seguro continuar com esse ritual! Não sem o Coração de Luz!”

“Vê? Eless não acreditam em você, Ronan... Mate-osss... Mate todoss... eles não merecem sua lealdade, Erudon…”

Era reconfortante saber que sua guardiã divina estava ao seu lado. Entretanto, o guerreiro também sentia outra pessoa em sua mente. Uma presença sinistra, carregada de ódio e repleta de loucura, mas ao mesmo tempo calma, leve e manipuladora. Uma inimiga muito antiga, nascida em tempos imemoráveis; ao mesmo tempo, alguém que de tão presente em sua vida, tornara-se até tolerável…

A consciência macabra da própria Tirfing.

“Olhe para o que aconteceu comigo por usar a Tirfing sem o Coração!”

“Eu não sou você, Guardiana. E preciso fazer isso”

“Desstrua-os, Erudon...”

Há quantos anos não ouvia aquela voz sibilante, sedutora? O homem mordeu a língua, contrariado. As pernas do Arcano bambearam por um imperceptível instante. Ele apertou as mãos e prendeu a respiração, concentrado em terminar o ritual.

Uma figura negra, com o corpo etéreo formada pela névoa sombria, rodeava o espadachim.

“Extingua-oss, você ssabe que quer isso.”

Embora o mundo se acabasse naquele pandemônio tempestuoso de raios e trovões e seus destroços fossem levados pela chuva pesada, ainda assim o rapaz permanecia praticamente imóvel. A atenção da Alquimista voltou-se para o amigo demônio; mesmo com o sangue jorrando da panturrilha e manchando seu pêlo, claramente provocando uma dor lancinante, ainda assim ele debatia-se como um cão raivoso, desesperado para escapar. A dor era tão intensa que a maga pôde senti-la de onde estava; comovida, deixou escapar duas grossas lágrimas que tão logo rolaram, se misturaram com a chuva, e, portanto, não foram notadas.

“Não seja arrogante. Eu era mais forte que você, criança. E cai.”

“Eles se accchham melhoress que você, Ronan. Eless não são, mate-os.”

“A Tirfing ficou muito mais forte do que você pode aguentar, Ronan! A maldição vai te consumir! Matar a todos!”

O Draconiano percebeu que a aura estranha o envolvia preguiçosamente. Sentia a energia sombria subir suavemente pelas suas pernas, resvalar de leve em sua barriga, enrolar-se em seus braços. Mas não era uma sensação ruim. Pelo contrário, era confortável sentir o roçar daquela energia em seu corpo, acariciando-o; sentia-se abraçado. Era como se estivesse sendo envolto por um casulo de magia aconchegante. Sim… era uma sensação boa. Sinistramente boa…

E aquela aura soprava em seus ouvidos palavras murmuradas…

“Matar a todos. Faça issso, herdeiro dos Erudon.”

As pernas do Feiticeiro flexionaram-se. Ele apoiou seu peso na espada, tentando permanecer de pé. Seus cabelos azuis tornaram-se ligeiramente acizentados, como se de alguma forma o herói estivesse absorvendo para si toda a desgraça do ambiente. Trêmulo, abriu a boca para tomar um pouco mais de ar. O corpo palpitava de dor, e flashes dispersos de cenas confusas começaram a surgir ritmados com cada pontada de dor.

Uma mulher de longos cabelos azuis, bradando uma espada acima de sua cabeça, estava postada uma pilha de cadáveres dilacerados pelo fio de sua lâmina. No peito, a estandarte que exibia era a de Canaban, mas ela estava tão manchada pelo sangue que era impossível distinguir as cores do reino dos borrões do líquido vermelho e viscoso. Os fios azulados dos cabelos dela ao vento balouçavam de maneira selvagem; os olhos de turquesa ganharam a cor escarlate do cenário ao redor… A boca rasgava o rosto em um sorriso cínico e cruel.

Um oficial do reino aproximou-se ajoelhado daquela figura imponente. Clamava por misericórdia: um segundo depois, teve o cérebro trespassado pela lâmina negra. Tomada pela loucura, naquele dia aquela mulher impiedosa não pouparia sem mesmo a vida dos próprios aliados.

Ela era extremamente familiar…

...Guardiana?

O espadachim balançou a cabeça, tentando livrar-se daquelas vozes e daquelas imagens, mas a balbúrdia dos latidos raivosos e esganiçados do druida, que mesclavam-se aos trovões que ressoavam no cenário, deixavam o Feiticeiro ainda mais atordoado. Um sentimento aterrador de ódio apareceu de repente, tão forte que por um momento mal pôde respirar.

“Arcano, ssente isso? Essa sensação já fez parte do seu ser, Erudon. Por que não a deixa ficar? O sentimento de ódio que todoss nós temos é natural…”

— Não! — O guerreiro cortou, resfolegando. Precisava manter-se firme por mais um tempo, mesmo que a cada segundo que passasse estivesse mais distante da sanidade. — Você me enoja.

“Há quantos anos brincamoss disso, Ronan? Você não vai aguentar rejeitar a escuridão que todos os Erudon carregam em sí…”

Em outra visão, os roxos e grossos fios cacheados desciam em cascata da cabeça daquela mulher desumana. Seus olhos rubros deliciavam-se em contemplar a desolação que ela mesma causara. Outrora amigos, magos se engalfinhavam até a morte contra espadachins. Amigo contra amigo, irmão contra irmão, reino contra reino. Ela havia, com muita astúcia, provocado a maior guerra que aquele continente jamais esqueceria. A sangrenta Guerra de Vermércia, que jogou Canaban contra Serdin em cinco anos de desgraça e desolação.

“Vê? Assim como Karina, você também é voltado para as trevas, não pode negar!”

— Não me compare com Cazeaje. — rosnou irascível por entre os dentes.

No mundo real, o lupino uivava enlouquecido, batendo a própria cabeça no chão com violência. As puras gotas da chuva lavavam o pelo de onde escorria uma substância viscosa e negra, acompanhada pela misteriosa névoa de energia maligna. Nauseado, o Defensor caiu em um dos joelhos, esforçando-se para permanecer o mais em ereto possível.

— O quê... é aquilo saindo do corpo dele? — balbuciou a Cavaleira, que fazia uma força descomunal para manter-se acordada e consciente. Ter os Elementais em sí já seria uma tarefa extenuante; não obstante, ainda precisava manter-se firme; suas lâminas espectrais e sua força de vontade subjugavam o druida enlouquecido e impediam-no de fugir ou se libertar.

— ...Umarth Templa... — murmurou, reticente. Seus olhos não se desviaram para a ouvinte.

— Calem essas malditas bocas ou eu arranco a língua de vocês.

De soslaio, observava ameaçadoramente o Inquisidor as suas duas presas que, atônitas, olhavam-no assustadas. Sim, assustadas… porque ele era capaz de meter medo delas, afinal… Seus olhos perderam a cor de safira para dar lugar à orbes vermelhas e sem brilho, sedentas por sangue. Que criaturas irritantes… talvez devesse matá-las.

Não. Não!

“Não! Ronan, mantenha-se firme!”

A Glenstid e a Sieghart apertavam os punhos, receosas. Dentro de sí, Elesis teve a sensação de que os Elementais estavam inquietos. Era imperioso que alguém, quem quer que fosse, humano ou deidade, intercedesse pelo mago. O corpo encharcado de suor e de chuva do guerreiro tremia a olhos vistos, e seus olhos já haviam adquirido o brilho demoníaco escarlate da possessão pela maldição da espada; entre o silêncio de um trovão e outro, a terra foi cortada por um urro de dor do Draconiano.

As unhas da Justiceira rasgaram a pele de suas mãos, tamanha era a força que ela cerrava os punhos. Algo dentro de si a impulsionou para frente; os Elementais certamente os ajudariam, e havia algo mais… uma energia poderosa que simplesmente lhe dizia que era aquilo seria o certo a fazer.

Ela extinguiu uma das duas lâminas de fogo divino que prendiam o lupino e, arrastando-se na lama, apoiou a mão livre no amigo.

— Imbecil, o que está fazendo? Não me toque! — rosnou violento, ao sentir a mão da ruiva repousando firme em seu ombro. O Arcano arfava sofridamente, sua visão turvara-se; a consciência já não era mais a mesma e sentia como se fosse uma marionete nas mãos de algo muito maior que ele.

— Não, Ronan. Não estrague tudo agora com esse orgulho idiota! Não seja arrogante e achar que vai ser o herói sozinho! Você precisa de ajuda!

Ele não chegou a ouviu as palavras duras da amiga ou aquele apelo em ajudá-lo. A cabeça pesava, sua mente anuviou-se; tomado por um sono repentino, os sentidos já não respondiam.

— Os Elementais estão em mim, então nos use para alguma coisa! Vamos, me deixe ajudá-lo!

“Deixe-a ajudá-lo!”

As mãos que seguravam a espada amaldiçoada tremiam. Tentando defender sozinho sua honra a qualquer custo, o Erudon ficara esgotado e, agora, sem escolhas. Mas aquela talvez fosse uma ideia plausível: usar a amiga como canalizador de boa energia seria, a grosso modo, improvisar um Coração de Luz.

“...Ronan”

Humilde, admitiu que não poderia mais aguentar a pressão do ritual sem a orbe sagrada. Não com a influência da Tirfing estando potencializada daquela maneira tão opressora.

Ele abaixou a cabeça e apertou os olhos que latejavam de dor; a mão esquerda deslizou lentamente pelo ar, a palma virada para cima.

— Segure. — ordenou à mulher, asperamente — E não solte, de forma alguma.

Elesis assim o fez. Entrelaçaram os dedos, a mão quente dela encontrando a mão trêmula dele. Ela notou que algo quase impediu a ação, e aquilo partia dele. “Estaria ele recusando minha ajuda?”,pensou. “Não creio que seja orgulhoso o suficiente para isso, mas agora não é hora! Fique firme, Ronan!”

“Fique firme, Ronan.”

Ele volveu a cabeça levemente para o lado, e um borrão confuso começou a tomar forma em sua visão turva: a amiga tinha uma aura avermelhada divina, e suas madeixas ruivas pareciam muito mais compridas, tocando os pés e escorrendo até os chãos. Das costas dela saia um par de asas celestiais, com finas penas brancas, parecidas com as da sua valquíria guardiã… ou será que aquela figura era na verdade Guardiana? Não sabia mais.

— Fique firme. — ele repetiu, entre devaneios.

O enigmático brilho escarlate das runas deu lugar novamente à energia branca de antes, e as linhas de luz dourada que as interligavam desprenderam-se do chão e seguraram firmemente o druida em uma espécie de casulo.

— "Ó deidades, vosso servo suplica à vós; Samsara, Deus da Luz, ofusque a sombra existente em teu servo desviado e ilumine a nós." — Rogava, os olhos elevados aos céus.

“Não negue a Esscuridão, Erudon! Você é muito mais forte que Guardiana, seu esstúpido! Mate-os, extermine-os."

Samsara, heru en amin! Amin naa tualle, tua amin. Tua ho. — “Samsara, meu senhor. Eu sou vosso servo, me ajude. O ajude.”, suplicou, uma última vez. — Poikaer ar’ a’maelamin Gaia, tua lye! — “Pura e amada Gaia, nos ajude!” — “Amin tela sinome.” — Eu acabo aqui.

Um raio caído diretamente de Xênia atingiu o círculo ritualístico e o drúida enlouquecido; ao mesmo tempo, Exaon, Efreet, Siba e a Sílfide saíram do seu receptáculo na forma de correntes etéreas, e subiram aos céus, deixando para trás uma Sieghart que rugia a plenos pulmões. O som de um retumbante trovão foi-se ouvido na Floresta Élfica e repercutiu-se até atingir os mares do leste e além.

Os finos fios de magia dourados repousaram delicadamente o elfo no chão e em seguida extinguiram-se, assim como o brilho das runas. O corpo escuro do lobo aos poucos foi perdendo o tamanho descomunal, e os pelos negros e pegajosos logo tornaram-se alaranjados gradativamente. Por fim, os pelos também desapareceram e somente a cabeleira laranja e crescida restou no topo da cabeça do frágil corpo do elfo. Cicatrizes estavam sob cicatrizes e tatuagens estranham espalhavam-se pelo seu rosto, braços, troncos e pernas.

De joelhos entre lamas e pedras, Ronan rapidamente jogou a Tirfing para longe; a cada segundo que passava perto dela era como se seus dedos queimassem e sua alma despencasse em um poço de desespero sem fundo. Enxugou a testa com o pulso trêmulo, se esforçando para controlar a ânsia de vômito e uma vontade indizível de chorar copiosamente.

— Acabou? — a ruiva hesitou.

— Não fiquem tão entusiasmadas... ainda não terminamos. — Pelo menos, não para ele.

Enxugou o suor do rosto, prostrado. Elevou o olhar para encontrar aquela frágil criatura entre a vida e a morte —Creoso, mellonamin. Quel esta. — “Bem vindo, amigo. Descanse bem.”

Com a cerimônia terminada e desfeita, Violet pôde invadir o círculo. Envolveu o elfo em seus braços e sussurou em suas orelhas pontudas.

— Creoso, a’maelamin ar’ mela en coiamin.

O Arcano olhou-a compreensivo e sorriu com o significado daquelas doces palavras.



–-



Ronan Erudon estava displicentemente apoiado em uma das inúmeras sacadas do suntuoso palácio de Serdin. Os pensamentos perdidos, ele apertava as mãos com força enquanto observava o nada.

“Ronan..”

Balançou a cabeça para os lados veementemente. Não. Não! Aquela voz de novo não! Apertou os olhos com os punhos.

Droga!

Seu peito pesava. “Desde quando a influência sombria da Tirfing ficou tão forte?”, refletiu pesaroso. A tez enrugada, a respiração pesada.

“Ou pior. Desde quando eu fiquei tão fraco?”

Olhou para o céu, distraído. “Preciso espairecer”. O magnífico astro-rei estava encoberto por nuvens de aparência macia, que brincavam no céu de formar figuras. Em terra, os jardineiros do reino se empenhavam em dar forma aos inúmeros canteiros de flores, que mostravam exuberantes os seus mimos coloridos, deixando perfumado o ambiente com todo aquele doce — e inebriante — perfume. Cansado, o cavaleiro fechou os olhos para tentar relaxar e apreciar melhor todas aquelas essências deliciosas: havia no ar notas suaves de rosas, misturadas com as agradáveis jasmins, azaléias e, muito mais sutilmente, o aroma da lavanda.

Lavanda… aquele perfume o fazia se lembrar de uma certa amiga. Associava as pétalas liláses daquela flor com a cor favorita daquela maguinha irritante… murmurou isso baixinho, rindo. Ela ainda conseguia ser um pouco irritante mesmo depois de tantos anos, mas não deixava de gostar dela.

De súbito, foi surpreendido por um pigareio. Quando deu-se conta, uma caixa de presente cuidadosamente embrulhada estava diante dele, sendo erguida pelas mãos estendidas de Arme Violet. Ele olhou-a curioso, com um ar de dúvida e uma sobrancelha arqueada: nunca fora do feitio da amiga dar presentes, e sim recebê-los. Ela balançou os braços impacientemente, incitando-o a parar de cerimônia e pegar o regalo de uma vez. Ele não se fez de rogado: com a caixa em mãos, desfez o bonito laço azul, deixando-o cair no chão em seguida, quando vislumbrou o valioso conteúdo do inesperado pacote.

— O quê... é isso?

— A minha Lâmpada, oras.

— Eu sei, mas... por que está me dando?

— Não é óbvio? Agora você é oficialmente um Feiticeiro, então precisa de um equipamento específico para poder usar seus novos poderes.

— Mas... e você? — ele passou a mão pelo objeto, que era lilás com adornos dourados feitos do mais puro ouro, e cravejada com esmeraldas. Veio-lhe à memória imagens há muito tempo esquecidas, de uma Arme ainda doce e gentil que carregava aquela lâmpada e as outras armas mágicas para todos os lados, atrapalhando-se e tropeçando nos próprios pés, às vezes. Naquela época ela se preocupava muito com os equipamentos e fazia questão de mantê-los polidos e brilhantes. A observava frequentemente lustrando com carinho seu cajado, o pote, e também aquilo que agora estava em suas mãos. — Isso é seu, Arme. Eu... eu a vi usando durante anos e anos... Quero dizer... isso é para você tão precioso quanto as minhas armas são para mim. Não... posso aceitar.

— Pff, bobagem. Meu contrato com os Elementais foi quebrado algum tempo atrás... Você sabe. — sorriu de forma amarga para o homem, que fitou-a com olhos tristes — Não, não me olhe assim. Detesto receber esse olhar de dó.

— Arme... Mas, mesmo assim... por que continuar usando Magia Proibida?

— E eu tenho escolhas, Ronan? Já entrei nessa maldição, agora preciso aprender a lidar com isso. O Contrato está selado. Me juntei ao caminho da perdição e não posso mais sair. — Ponderou por um instante se deveria lhe dizer sobre o pequeno incidente com Zig. Uma lágrima sutil apareceu nas orbes violetas da mulher, mas antes que ela pudesse limpar, a mão quente do amigo tirou-a dali.

O homem permaneceu com as mãos no rosto dela, observando-a atentamente. Os cabelos continuavam acizentados, era verdade, mas sua pele parecia mais jovem, e ela muito mais moça. Puxou-a para mais perto de si, envolvendo-a em um abraço acalentador, ficando assim durante um tempo.

— Mas e você? Está tudo bem com você? — ainda abraçados, ela perguntou, sussurando no ouvido do rapaz.

— Hm?

— Durante a Cerimônia… você... ficou fora de sí.

— Ah…

— Desculpe. Não precisa falar sobre isso se não quiser.

— Não é isso… é que eu… não era eu. — Como poderia explicar o horror pelo qual passara de um modo que fosse entendível? Suspirou, apertando-a forte contra o peito.

— Não é do meu agrado interromper momentos tão íntimos como esses, mas eu preciso que venham comigo por um momento. — Elesis disse, aparecendo de súbito atrás do casal.

— Ah... ah--! Bem, só-- — eles afastaram-se, desconcertados. — O que tem a dizer?

A Sieghart fez um breve sinal para que os dois a acompanhassem, e assim o fizeram. Após caminharem silenciosamente através das suntuosas tapeçarias que decoravam os corredores do castelo, pararam diante de um quarto específico.

— Aqui é onde Ryan está descansando, por que nos troux--… — Indagou a Glenstid, levemente preocupada.

— Abram a porta. — Elesis cortou a Arquimaga, ansiosa como uma criança diante de um embrulho.

Ronan manifestou-se, girou a maçaneta e empurrou a porta para dentro, sem sucesso. Tentou mais algumas vezes; nada.

Um silêncio desconfortante recaiu sobre os três. Haviam ido ao quarto do companheiro apenas algumas horas antes e estava tudo bem com a porta, na ocasião. Nada justificava aquela situação repentina. Os três entreolharam-se tensos.

— Talvez esteja emperrada? Vou chamar um…

— Não está emperrada, mas algo está nos impedindo de abrir. Com sua licença. — A espadachim abriu espaço entre os dois, respirando fundo. Apenas um de seus potentes chutes foi capaz de levar a porta a baixo.

O rosto de Arme empalideceu com o gesto tão repentino, porém previsível, da companheira, que adentrou o cômodo.

— O que há de errado com você para sair vandalizando patrimônio real? Saiba que a responsabilidade será apenas sua se… — o brado da Alquimista gradativamente foi diminuindo até tornar-se um suspiro pausado diante de tamanha surpresa. Seus pés agora roçavam levemente a mais macia das relvas, que encheram o quarto com o verde mais puro que pode se imaginar. E não só a relva, como margaridas e arbustos de azaléias traziam vivacidade ao lugar, e mais à frente, onde Ryan repousava estendia-se um largo feixe de carvalho, cuja copa e galhos foram os responsáveis por barrar a porta e os três visitantes.

— Era isso que queria nos mostrar, penso eu. — indagou Ronan, ainda maravilhado com tamanho espetáculo. Podia jurar que as raízes da árvore moldaram-se na forma de uma mandorla, protegendo o Xamã. — Isso... não parece fazer parte do jardim real.

— É claro que não faz parte! Nós viemos aqui algumas poucas horas atrás e estava tudo certo! Como isso aconteceu?! — perguntou Arme, confusa, enquanto desenroscava o pé de plantas que começaram a subir por sua perna crescendo de forma surrealmente rápida.

— Precisamos ver o estado dele. — Assim que sugeriu, Elesis cortou caminho entre as flores e as folhas pinicantes que faziam cócegas no seu rosto. Após tropeçar algumas vezes em raízes, e se enroscar em cipós, pôde chegar até a cama do amigo, cujo dossel apresentava uma longa cortina viva, feita com gavinhas e dezenas de flores de maracujá que mesclavam-se ao branco leitoso dos tecidos que antes o cobriam. Puxou suavemente a cortina coberta de musgo até sentir algo enrolando-se entre seus dedos. Finas gavinhas verdes estendiam-se preguiçosas diante da presença intrusa que a cavaleira representava, como se tentassem, em um último ato, proteger o elfo.

— Esperem! Estou indo também! — adiantou a bruxa, puxando a barra do longo vestido. Alcançou a companheira logo em seguida e ajudou a puxar as cortinas, revelando um Ryan adormecido e inquieto. As duas podiam ver, graças às poucas frestas de luz que passavam pela vegetação espessa, que seu corpo brilhava devido as gotículas de suor. A recuperação estava dando seus efeitos, mas sua mente ainda projetava as cenas de batalha anteriores através de pesadelos. — Deveríamos levá-lo para outro quarto mais… espaçoso.

— Essa… floresta… parece ter surgido aqui por causa dele.

— Sem considerações óbvias, Erudon.

— Oh, desculpe, não--…

— Vejam isso, Ryan está despertando! — interrompeu a Espadachim, esperançosa. O Arcano e a Maga voltaram suas atenções para ela e depois para o elfo que abria parcialmente os olhos.

O Sentinela murmurou algo que os três não souberam distinguir e piscou algumas vezes. Jogou a cabeça para o lado, os olhos muito inchados e lacrimosos devido a quantidade de horas desacordado.

— Ya... naa lee…?

— Ryan… Faz um tempo que não nos vemos, mas sou eu… Elesis. Lembra? Aqui está Ronan e Arme, consegue vê-los?

— Lle… tuva... — balbuciou em um fio de voz.

— Sim, Ryan! Nós viemos. — sorriu a Violet emocionada. Ao que ele fez menção de levantar-se, foi impedido por protestos — Por favor, não force os pontos!

— Preciso… dizer… — o Xamã enrugou o rosto após uma pontada de dor no peito.

— Poderá falar depois conosco, mas só quando estiver melhor! Não queremos que seu estado piore! — disse o Defensor afável, em um tom de voz de quem se dirige à uma criança pequena.

— Não… era eu… — engasgou-se, cuspindo um pouco de sangue em seguida — Não… não estava louco… não… justo ela… não ela… — lágrimas encharcavam o travesseiro de penas sem que ele ao menos notasse que elas saíam dos olhos inchados.

O Defensor aproximou-se, pegando a mão do amigo.

— Ela quem?

— Ronan, mellonamin… — sorriu bobamente ao reconhecer o amigo — Eu não... estava louco… não era eu… um espírito… forte… não eu… me… controlaram. — O Erudon apertou forte a mão do amigo. Os olhos do druida começaram aos poucos a fechar e a perderem o brilho. A respiração entrecortada praticamente tornou-se nula assim que o outro braço do elfo pendeu para fora da cama e sua musculatura relaxou.

— Ryan?!

O defensor da floresta logo caiu novamente desacordado, deixando o grupo imerso num profundo silêncio sepulcral.


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Notas finais do capítulo

LichiaW aqui~

Caros leitores de King and Lionheart, peço imensas desculpas pela demora de seis meses entre uma atualização e outra. Ano passado foi um dos mais corridos para mim, com relação ao trabalho e faculdade. Há poucos dias essa história ganhou sua primeira velinha de aniversário, agradecemos de coração quem acompanhou essa aventura desde o início e não pretendemos desistir, ainda há muito o que fazer. Apenas lamento que os updates daqui pra frente terão intervalos maiores (não tão grandes quanto esse, esperamos!). Ainda aceitamos críticas –construtivas e sugestões para que possamos melhorar o desenvolvimento da trama, não se acanhem em comentar!
Desejamos um ótimo 2014 a todos os nossos leitores, obrigada!



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