Vários Caminhos, Um Destino escrita por Hinalle


Capítulo 9
Capítulo 8




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Capítulo 8

Ele continuou calado, fazendo uma dramática pausa antes de se explicar, com os olhos fixos na face de Jéssica.

Ela, por sua vez, tentava não demonstrar seu nervosismo, o que, a cada segundo, ficava mais difícil, pois o silêncio intensificava-se cada vez mais. Porém, percebera que falhara em sua tentativa de manter-se impassível, ao notar um sorriso maroto brotando dos lábios do rapaz.

"Bom te ver de novo." Ele disse, estendendo o braço em uma tentativa tola de se aproximar.

Ela o encarou, com certa impaciência, e bateu na mão estendida como algo repulsivo.

"O que você quer?" Inquiriu, nervosa de medo e raiva, "Droga." Resmungou, ao perceber que ele se aproximava, com passos discretos, porém atrevidos.

"Eu já disse," Falava, aumentando a largura de seus passos, "Mais uma chance."

"Não sou idiota o suficiente pra dar mais uma chance pra alguém que quase me estuprou." Falou, enquanto dava passos para trás, à medida de que ele ia para frente.

Parecendo desistir de se aproximar, ele parou onde estava. Observou a jovem da cabeça aos pés, com os olhos brilhantes, mas logo Jéssica viu esse brilho se ofuscar, quando ele voltou a olhar para seu rosto.

Percebendo a ligeira distração dela, o rapaz puxou seu braço, manchado com pequenas gotas de sangue e deixou o pulso na altura de seus olhos.

"O que aconteceu?" Apontou, com um olhar, o pequeno ferimento que lá havia.

Jéssica, então, lembrou-se de minutos atrás, após o sonho, que machucara-se quando apertou fortemente o travesseiro, ferindo-se com a arma que guardava debaixo deste. Rapidamente, ela soltou seu braço, o qual ele segurava com leveza, e caiu de bruços na cama, colocando uma mão por debaixo do travesseiro.

Quando ele se preparava para cair sobre ela e imobilizá-la, a jovem de cabelos longos voltou-se na direção dele, apontando um punhal para seu pescoço. Ele levantou os braços, em sinal de impotência.

Jéssica quase riu, ao notar o quão covarde era ele, e não apenas ele, mas sim todos os homens.

"Me deixe explicar, por favor." Implorou.

"Agora quer explicar, há alguns segundos queria mais uma chance." Ironizou, sentando-se na beirada da cama e fazendo-o se afastar um pouco.

"Não, você entendeu errado! Queria mais uma chance pra que eu pudesse entrar na sua casa."

"Pra que permissão se que já está dentro dela?" Falou Jéssica, de cenho franzido, estranhando a explicação.

Ele sorriu com a observação da moça. Ela certamente tinha razão. Quando a jovem viu aquele sorriso, levantou-se e aproximou o punhal do pescoço dele.

"Antônio," Começou, impaciente; "Pensei que estava claro que não te queria mais aqui, mas se quiser que te diga isso com mais clareza, me avise que farei isso com prazer."

"Então, foi aí que se machucou." Observou, ao ver a ponta do punhal levemente ensangüentada, "Por que guarda uma faca debaixo do travesseiro?"

Ela cerrou o punho ao redor do cabo da arma, furiosa com o descaso do homem e com a indagação imprópria àquela hora.

"Acho que não sou eu que devo explicações."

"Só me sinto culpado pelos meus atos." Falou finalmente, com um sorriso cansado.

Com a confissão, ela abaixou o punhal. Olhou profundamente nos olhos do rapaz, e percebeu que este falava a verdade.

"Como entrou aqui? E o que meus irmãos tem a ver com isso?"

Antônio arregalou os olhos, assustado. "Como sabe que seus irmãos estão envolvidos?"

"Vi eles quando você entrou no quarto."

Ele suspirou, afastando-se mais dela. "Te direi tudo, mas primeiro largue a arma."

Ela sorriu, vitoriosa. Depois do que acontecera, era ela que estava no controle. Depois de ter sofrido um abuso por um bêbado, agora ela estava com uma pequena faca na mão, e ele morria de medo. Levantou novamente o punhal, apontando, dessa vez, para o peito de Antônio.

"Depois do que você me fez? Tenho bons motivos pra manter essa arma erguida e tenho certeza de que você não tem nenhum argumento pra eu pensar em abaixá-la."

Antônio engoliu em seco, pensando no que fizera. Sentia-se como um garotinho pego no flagra, fazendo algo errado. Jéssica tinha razão.

"Depois do... depois daquilo..." Hesitante, limpou o suor da testa e continuou a falar: "Fui pra casa e, só no dia seguinte quando acordei, lembrei do que tinha feito e me senti culpado. Então, hoje, quando pretendia te pedir desculpas, encontrei seus irmãos na porta da sua casa. Pedi ajuda pra eles, dizendo que eu era um ex-namorado seu tentando falar com você, e eles abriram a porta pra mim agora pouco."

Um pouco impressionada, Jéssica abaixou a arma. Antônio estudou, cuidadosamente, as feições da jovem a sua frente. Suspirou aliviado ao perceber que ela não duvidara de suas palavras, pois não teria como prová-las. Estava lá apenas para pedir desculpas, não queria agredi-la ou fazer qualquer tipo de escândalo, como da última vez.

"Me desculpe. Não queria ter feito o que fiz. É que desde a primeira vez que te vi, acho que me apaixonei. Lia tudo o que encontrava sobre você, via todas suas fotos, não parava de pensar em você. E, de repente, me veio a idéia de criar uma exposição, te chamar pra dar sua opinião, e te ver de perto."

Ela fixou seus olhos no rosto dele. Aquelas palavras não estavam tendo o mesmo gosto que imaginara. Seu orgulho de nada servia diante de uma situação daquelas. Antônio deixou-se criar raízes a uma mulher que talvez nem chegasse a encontrar, e ela tinha medo de se apaixonar por seus infindáveis namorados.

Antônio fitou-a por alguns instantes, não entendendo o pesado silêncio que se seguiu após sua confissão. Estranhamente, não era comoção o que se refletia nos olhos castanhos, e sim uma mistura de confusão e culpa.

"Eu disse algo que não devia?" Perguntou aflito, e sua aflição apenas cresceu no intervalo de tempo que Jéssica demorou para responder.

Ela balançou a cabeça em uma negação, lentamente. Distraída, ouviu sua voz dizendo: "Você é muito corajoso."

"Por que acha isso?" Perguntou, impressionado.

"Porque você não teve medo de se apaixonar por alguém que talvez nem viesse a conhecer."

Ele sorriu, agradecendo o (ou o que pelo menos parecia) elogio, e disse: "Ninguém manda no coração. Se eu pudesse escolher, nunca teria me apaixonado e feito todas aquelas loucuras."

Ela sentou-se na cama, pensativa. Apoiou o rosto em uma das mãos. ‘Ninguém manda no coração’, seria mesmo? Claro que ninguém escolhia por quem se apaixonar, mas será que a paixão não podia ser evitada? Então lembrou-se de Henrique, e um leve e discreto sorriso surgiu em seu rosto. Talvez ninguém mandasse no coração mesmo.

"Jéssica, o que seus irmãos de sangue fazem aqui?" Perguntou repentinamente, quebrando a atmosfera de (quase) descontração que tinha se firmado no quarto.

Ela arregalou os olhos, surpresa. Não que a pergunta fosse incômoda, entretanto, não imaginava que Antônio soubesse sobre sua adoção. Abaixou a cabeça, ao se lembrar da grande enrascada que seus pais haviam a colocado. Olhando para os próprios pés, contou a ele a história de seus pais "verdadeiros", a falta de dinheiro deles e a chantagem que foram submetidos.

Antônio se aproximou, e levantou seu queixo com cuidado. A palidez em seu rosto pareceu impressioná-lo.

"Vai ter que morar com eles até quando?"

"Até a morte de algum de nós, eu suponho."

Antônio hesitou. Pensou por mais alguns instantes, como se escolhendo as palavras certas, e disse, pausadamente:

"Por que não se livra deles?"

Jéssica o olhou, duvidando de que ele falara aquilo.

"Matando eles?"

"É, por que não? Eles não vão fazer diferença na sua vida mesmo."

"E se alguém descobrir que fui uma assassina?"

"Sabe como a polícia desse país é rápida?" Satirizou, com um sorriso.

"Mas... e a culpa?"

Antônio suspirou, ao notar a preocupação dela. Matar alguém, mesmo que esse alguém seja uma pessoa que só traz problemas, trazia uma dose de culpa extrema, que muitos não aguentavam.

"Vou pensar em algo." Falou, desviando os olhos da face delicada.

Jéssica examinou a tez inexpressiva do rapaz, curiosa. Sem hesitar, indagou: "Por que me trata assim?"

"Não abandonamos as pessoas que amamos." Respondeu, sem se voltar para ela.

Jéssica sentiu-se desconcertada. Ninguém nunca tinha dito, mesmo que indiretamente, que a amava. Não como mulher. Pensou em algo sutil para dizer, mas ele fora mais rápido:

"O amor que mais dura é o amor não correspondido."

"É. Por que será que amamos sempre quem não nos ama, e vice e versa?"

"Nunca entenderemos o amor com a mente, só com o coração." Ele voltou a encará-la, com um sorriso.

Ela franziu o cenho. "Você diz coisas muito filosóficas sobre o amor."

O loiro sorriu gentilmente como resposta.

"Bom," Falou Jéssica, " Onde pretende passar a noite? Está muito tarde pra pegar a estrada."

"No meu carro." Respondeu com sinceridade e normalidade.

"Sinto muito não poder te oferecer algum lugar pra dormir." Falou, levantando-se da cama.

"Não tem problema, eu já estou indo." Com essas palavras, seguiu até a porta, abriu-a silenciosamente, e sem olhar para trás, distanciou-se.

Jéssica observou-o até desaparecer na completa escuridão.

 CONTINUA...

 


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Notas finais do capítulo

Nota da autora: A frase "o amor que mais dura é o amor não correspondido" pertence a William Shakespeare.