Vários Caminhos, Um Destino escrita por Hinalle


Capítulo 11
Capítulo 10




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Capítulo 10


Jéssica encarou Antônio nos olhos, um pouco receosa de que havia ouvido o que ele dissera ou se era apenas coisa de sua imaginação.

“Você quer que eu faça o quê?” Inquiriu nervosa.

Ao redor deles, garçons apressados iam e vinham, com bandejas vazias ou cheias de taças. Os dois estavam em pé, dentro do salão, onde ocorria a festa. O barulho das pessoas falando, e muitas delas falando extremamente alto, num tom quase ensurdecedor, tornava praticamente impossível ter uma conversa descente, porém, Antônio insistiu que ficassem ali, pois sabia que se fossem para algum outro local mais afastado, Henrique estranharia.

“Saia daquela casa, imediatamente.” Repetiu o que havia dito minutos atrás, com a mesma firmeza.

“Não posso.” Falou ela da mesma forma.

“Por que não? Lembre-se de que eles te abandonaram. Eles não te amam, querem só seu dinheiro!”

Ela parou para digerir a informação. Era verdade. Carlos a abandonara porque era mulher, mas... Gisele a tratava tão bem. Parecia que se conheciam desde sempre, e o primeiro encontro fora na verdade apenas um reencontro.

Não fora isso? Gisele havia a carregado no colo, escolheu seu nome, comprou as primeiras roupas. Carlos não demonstrava ódio por ela. Não a amava, isso era claro, mas não guardava nenhum rancor. A convivência entre ela e os pais não era uma das melhores, entretanto, por algum motivo desconhecido, a jovem gostava dessa convivência.

“Eles são meus pais.” Disse enfim.

“Não são!” Antônio gritou exasperado, “Aqueles dois te abandonaram! Te deixaram numa caixa de papelão, esperando que o destino te salvasse!”

“Mas agora estão comigo!”

“Não estão com você, estão com seu dinheiro!”

“Minha vida financeira não te interessa.” Ela falava com a voz cheia de certeza; “A presença dos dois me faz bem, ou pelo menos a presença da minha mãe. O dinheiro que forneço a eles não se compara ao vazio que me preenchem.”

Antônio, surpreso com a revelação, tentou continuar com seus argumentos:

“E os seus irmãos? Aqueles que mataram seus pais de criação?”

“Eles não mataram.” Corrigiu ela, numa tentativa tola de fazer ele perceber que estava segura dentro daquela casa.

O loiro deu de ombros:

“Que seja. Eles pagaram mercenários pra matar as duas pessoas que você mais amava nesse mundo, pelo simples motivo de você não ter publicado críticas boas sobre os filmes deles.”

Paralisada com aquelas palavras, Jéssica engoliu em seco. Sentiu as lágrimas formando-se em seus olhos.

Percebendo o que tinha dito, o rapaz tentou se corrigir:

“Jéssica, só estou dizendo isso porque eles podem te assassinar também.”

“Mas...” Ela murmurou para si mesma, “Eles...” Mordendo o lábio inferior, gritou: “Você não entende!” E, com passos rápidos, saiu do salão.

Correu para o jardim, onde conversara com o irmão, antes de Antônio chegar.

Parou em frente às rosas e ajoelhou-se. Tocou em uma das pétalas e sorriu distraidamente. Gisele sempre lhe dizia que sua pele comparava-se à pétala de uma rosa.

“Jessie?” A voz de seu irmão a despertou, porém, ela não se deu ao trabalho de virar o rosto na direção dele.

“Rique?” Indagou com um fio de voz, apesar de saber a resposta.

“Sou eu.” Jéssica ouviu os passos dele se aproximando e uma mão quente e dedos frios pousando sobre seu ombro, “ tudo bem?”

“Por que não consigo sair daquela casa?” Perguntou mais a si mesma do que para Henrique.

“Eles são sua nova família.”

“Minha única família é você e a Carol.”

“Pra você, o que é família, Jessie?”

Ela prendeu a respiração, pega de surpresa. Pensou por alguns instantes e respondeu:

“Família pra mim são aquelas pessoas que sempre estão presentes, que cuidam, que protegem.”

“E me diz” Henrique pôs um dos joelhos no chão e olhou-a nos olhos, “Eu e a Carol fazíamos isso?”

Jéssica sustentou aquele olhar inexpressivo, sentindo o coração pesar.

Não precisava dar a resposta, era óbvio que eles não faziam nada do que havia dito. E sentia-se culpada com a resposta que encontrara. Ela que nunca dera aos dois acesso a sua vida, eles não eram culpados por não terem participado dela.

“Eu e a Carol não somos sua família.” Concluiu ele, levantando-se.

“Não fala isso.” Disse em um baixo e arrastado murmúrio, “São sim.”

Porém, não havia como se enganar. Ela abaixou a cabeça, triste com a nova descoberta. Além de não ter o devido respeito pelo irmão, por ter se apaixonado por ele, era ingrata o suficiente para não tê-los em seu coração como uma família.

“Não é sua culpa. A culpa é minha e da Carol, porque não demos atenção pra você. Não percebemos que, quando nossos pais morreram, você precisava de alguém. Te deixamos sozinha no momento que mais precisava. Talvez agora você tenha achado aqueles que vão sempre estar com você, vão cuidar de você e vão te proteger.”

“Não.” Ela tentava dizer, mas já sentia que um nó se formava em sua garganta, “Foram meus irmãos que pagaram para que matassem as duas pessoas que mais amo nesse mundo,” Tentou usar as mesmas palavras de Antônio, que martelavam em sua cabeça, “Eles não podem ser minha família.”

Henrique pareceu incomodado com a observação, contudo, a jovem não conseguiu perceber o motivo. ‘As duas pessoas que mais amo nesse mundo’. Como fora tolo de pensar que poderia estar nessa lista de “mais amados” dela.

Após este choque, o rapaz deparou-se com outro: Os irmãos de Jéssica eram cruéis. Podia ser perigoso para ela ficar naquela casa.

Mas a vontade de que a irmã de consideração ficasse com os pais verdadeiros o impedia de tirá-la de lá. Desde que Jéssica os tinha em sua casa, havia mudado radicalmente. Demonstrava sentimentos com muito mais facilidade, exatamente como o fazia na época que seus pais eram vivos.

E o perigo? Obviamente, Gisele e Carlos não aceitariam a idéia de afastarem-se de seus filhos para morar apenas com Jéssica. Pensou em inspecionar a casa, porém, aquilo ainda não lhe daria a total certeza da segurança da jovem. Eles podiam contratar pessoas para matá-la.

“Eles...” O rapaz começou ele a dizer, escolhendo com cuidado cada palavra, “Disseram algo sobre o assassinato?”

“Me pediram desculpas.” Retrucou, forçando-se a falar, mesmo com as lágrimas que escorreriam por seu rosto. “Pediram pra que eu os entregasse pra polícia... porque eles não têm dinheiro pra pagar a indenização.” E mais lágrimas começaram a descer de seus olhos, umedecendo levemente suas bochechas.

“Mas não existe preço que pague as pessoas que perdemos.” Observou ele, diante da tristeza da irmã, “Por que não os entregou? O que é certo, é certo.”

“Minha mãe fica tão feliz quando eles estão em casa.”

Henrique suspirou, pensativo.

“Você... confia neles?”

Ela o olhou, sem entender a repentina pergunta.

“Você” Henrique reformulou, “Acha que eles são inofensivos?”

Jéssica se levantou, fitando Henrique nos olhos.

“Acho que não tem motivo para eles me matarem. Ainda não passei e não vou passar meus bens pra eles. Se me matarem, minhas coisas vão ser divididas igualmente entre você e a Carol.”

“Você ainda não passou os bens pro nome deles?” Inquiriu Henrique, surpreso.

“Eles não pediram.” Justificou-se.

O mais novo estranhou. Eles não pediram que os bens fossem repassados para eles, caso Jéssica (Deus me perdoe) morresse? Ao lembrar-se de que Carlos não tocara nesse assunto de herança nem quando conhecera Jéssica, Henrique indagou, assustado:

“Eles falaram alguma coisa sobre seu dinheiro?”

A moça de cabelos morenos meneou a cabeça em uma negativa, e completou:

“Mas sou eu que compro as coisas pra eles. O velho me fez comprar uma televisão novinha.”

“De quem é o dinheiro das contas, da comida, das compras no supermercado?”

“Minha mãe faz as compras, o dinheiro é meu. Meus irmãos se revezam pra ir ao banco pagar as contas, mas o dinheiro também é meu.”

“Eles não sabem a senha do seu banco?” Henrique perguntou, ainda incrédulo.

“Nunca me perguntaram, também.”

Aquilo não fazia sentido. Por que os pais de Jéssica se aproximariam dela por causa do dinheiro, e nem a senha do banco eles pediram (ou obrigaram-na a dizer)?

Percebendo a expressão do irmão, ela indagou:

“Por que acha que estão fazendo tudo isso?”

Henrique engoliu em seco, respondendo, com uma ponta de incerteza:

“Não sei. Mas então não parece tão perigoso assim ficar com eles.”

Os olhos de Jéssica iluminaram-se, mas ela disfarçou o sorriso e a felicidade.

“Acha mesmo?”

O mais novo suspirou, pensativo.

“Jessie, se acha que eles não vão te fazer mal, confio em você. Ainda fico receoso depois de saber que seus irmãos foram os mandantes do crime, mas...” Ele recobrou o ar, antes de continuar; “Quero que fique com seus pais.”

Jéssica secou as bochechas umedecidas com as costas das mãos, inquirindo:

“Não está bravo por eles terem sido os mandantes do crime?”

“Estou.” Admitiu, e completou: “Mas percebo que fizeram aquilo por impulso, até porque depois pediram desculpas e disseram pra você entregá-los a polícia. Claro que podem estar mentindo, você é quem vai me dizer se ficar na mesma casa que eles é seguro ou não.”

A mais velha fitou-o nos olhos, sentindo um pouco de pesar. Não se importava com o que pudessem fazer com sua vida, entretanto, sabia que Henrique sentiria sua falta (ou pelo menos demonstrava sentir), e fazê-lo sofrer era a única coisa de que não gostaria. Sem contar que não podia sequer imaginar como ele estava se sentindo por ela escolher morar sob o mesmo teto que as pessoas que organizaram o assassinato de seus pais.

“Eu te amo, Jessie.” Disse ele, impressionando-a tanto com o repente que tinha falado, como com a informação que passara.

A jovem não conseguiu esconder a expressão surpresa, e, ele, entendendo o que ela não havia entendido, explicou:

“Eu te considero realmente como uma irmã, só quero que você seja feliz.”

Ela ainda pareceu em dúvida sobre o que iria fazer, então ele continuou:

“Tenho um ódio profundo por aqueles três, confesso. Mas não adianta chorar sobre leite derramado. Não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, mas podemos começar agora e fazer um novo fim.”

A moça arregalou os olhos, surpresa com a frase. Será que o amor dele por ela era tão grande que transpassava o ódio que tinha pelos mandantes do crime que mataram seus pais?

“Jessie,” Henrique chamou-a, com a voz baixa e calma, “Me prometa uma coisa.”

Ela encarou-o com um sorriso delicado no rosto.

“Diga.”

“Faça o que seu coração mandar, sem pensar em mim ou em qualquer pessoa. Se quiser ficar com sua nova família, vou aceitar sua escolha, mas quero que saiba também que tem uma segunda opção, posso comprar uma nova casa pra você.”

A jovem de cabelos longos e negros abaixou a cabeça, pensativa. A vontade de recomeçar uma vida e o amor que tinha pelos pais falecidos confrontavam-se dentro de seu coração.

Sempre tivera um amor e carinho imenso pelos pais de criação, e sempre pensava que, se um dia chegasse a encontrar seus pais de sangue, trataria-os com o maior rancor possível. Recusava-se a tratar pessoas que a abandonaram com o mesmo carinho das pessoas que a acolheram.

“Por favor.” Henrique disse, interrompendo brevemente os pensamentos dela.

Entretanto, depois do que seu irmão havia dito, as coisas eram diferentes. Fazer aquela escolha sem pensar em ninguém? Apenas nela mesma? Olhando para o chão, Jéssica disse:

“Eu prometo.”

“Olhe nos meus olhos, Jessie.” Pediu o irmão.

Ela obedeceu. Quando os olhos se encontraram, Jéssica sentiu um calafrio lhe percorrer o corpo. Como ele podia ser tão cuidadoso e, ao mesmo tempo, tão autoritário?

“Eu prometo.” Repetiu, sustentando o olhar penetrante dele.

Por fim, ele deixou que um sorriso desenhasse em seus lábios.

“Vamos voltar.”

Ela meneou a cabeça em uma afirmativa e sentiu sua mão ser puxada até o salão de festas.

Entraram no local com as mãos dadas e Henrique sorriu vitoriosamente quando viu a expressão de espanto que dominou o semblante de Antônio, que bebia uma taça de vinho.

“Preciso conversar com alguns convidados da festa, você vai ficar por onde?” Inquiriu o irmão, em voz alta por causa do barulho que lá havia.

“Por aqui mesmo, vou ficar com o Antônio pra não deixá-lo sozinho.”

Informou, indo até o amigo, que estava em pé em um canto, conversando com uma mulher.

Henrique seguiu a irmã com os olhos, até que esta chegasse ao rapaz. Ele examinou o loiro mais uma vez antes de girar nos calcanhares e ir em direção a um outro empresário, amigo seu. Aquele rapaz lhe era familiar.

Antônio viu Jéssica aproximar-se e, com uma ponta de orgulho, anunciou à amiga que estava ao seu lado:

“Essa é a Jéssica, irmã do empresário que está fazendo essa festa.”

A jovem referida disse para a moça, sorrindo:

“Prazer.”

A outra jovem sorriu educadamente.

“O prazer é todo meu, sou Paris.” Interpretando o silêncio de Jéssica, continuou: “Sou norte-americana, estou há seis anos no Brasil.”

“Ah, e por que veio de um país rico para o nosso?” Perguntou, com uma pontada de ironia, porém, Paris não pareceu perceber.

“Estou aqui a trabalho, mas gosto desse país, é lindo!”

Jéssica mostrou-se interessada (o que, na verdade, não estava, pois não gostava dos EUA e seus habitantes). Inclinou-se em direção a Antônio e falou em um tom baixo para que Paris não ouvisse mas alto o suficiente para que ele ouvisse:

“Podemos conversar?”

Antônio estranhou o pedido, mas anunciou:

“Paris, eu preciso falar em particular com a Jéssica, poderia nos dar licença?”

Paris, não apreciando o pedido, lançou a outra jovem um olhar fuzilante que dizia “ele é meu” e foi para o outro canto do salão.

“Onde você arranjou uma admiradora com o nome da capital da França?!” Perguntou incrédula.

“Ela é bonitinha.” Tentou redimir-se, “É bom pra revigorar o ego.”

“Bom, tenho que admitir que Paris é melhor que uma norte-americana chamada Linda.” Ele sorriu, como se tivesse tido a aprovação dela, mas a jovem logo continuou: “Mas por que tinha que ser uma norte-americana? Eles são tão cheios de frescurinha.”

“Não vou continuar falando com ela depois que a festa acabar, é que ela me olhava de um jeito especial e resolvi me divertir um pouquinho.”

Jéssica franziu o cenho. Ela teria demorado tanto assim pra conversar com seu irmão?

“Vocês...” Perguntava pausadamente, com medo da resposta; “Fizeram o quê?”

“Sou filho de Deus, preciso namorar também.” Falou, como se estivesse com a razão.

“Ficar ou dar uns pega em alguém não significa namorar.” Rebateu ela.

“Todo mundo faz isso, é comum, você que é muito antiquada.”

“Nem tudo que é comum é normal, Antônio. Acho essa coisa de ficar, muito promiscua. E não sou antiquada.”

Ele deu de ombros:

“Se eu for pro inferno por causa disso, uma pá de gente vai.”

“Melhor, sobra mais espaço pra mim no paraíso.”

Antônio começou a rir, e Jéssica percebeu que já estava sóbrio. Acompanhando a risada dele (apenas por educação), passou os olhos pelo lugar até encontrar seu irmão conversando com uma mulher.

Semicerrando os olhos, percebeu que a moça era a tal da Paris. Parou de rir, sentindo o rosto ficar vermelho de raiva e ciúmes. Uma americanazinha idiota não iria roubar seu irmão! Uma americanazinha com o nome da capital da França, diga-se de passagem.

Nesse momento, Henrique olhou para trás, esbarrando, visualmente, na irmã, que estava com os olhos fixos nele. Os dois sustentaram seus olhares por algum tempo, pensando na conversa que tiveram no jardim.

Henrique pensava que talvez aquela promessa afastaria sua irmã dele para sempre. Porém, não conseguiria viver sabendo que sua irmã de consideração estava infeliz. Sentiu um aperto enorme no coração ao imaginar o resto de sua vida sem a pessoa que mais amava, entretanto, não deixava de ficar feliz por ela.

“Jéssica.” Ele murmurou, de si para si, “Voe por todo o mar, e volte aqui... pro meu peito.”


CONTINUA...



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Notas finais do capítulo

Nota da autora: A frase “não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, mas podemos começar agora e fazer um novo fim” se escreve, originalmente: “Embora não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos começar agora e fazer um novo fim.”, e esta pertence a Chico Xavier. E a última frase “voe por todo o mar, e volte aqui pro meu peito” é da música O Vento, do Jota Quest.