De Volta pra Casa escrita por Hinalle


Capítulo 1
Capítulo único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/31263/chapter/1

Mudaram as estações

Nada mudou

 

As gotas frias fustigavam a janela, apagando todos os vestígios da primavera que passara.

Apertou os dedos contra a moldura da foto. Passou um dos polegares sobre o rosto da mãe na fotografia. Ela segurava um buquê de flores de cerejeira, e um cacho do cabelo caía-lhe sobre a bochecha, contrastando mais o sorriso.

Ainda não entendia porque Touya lhe dera uma foto tão significativa.

 

Mas eu sei que alguma coisa aconteceu

Tá tudo assim, tão diferente

 

Observou cada detalhe da foto, como se quisesse gravá-la. Seu inconsciente dizia, quase gritava, que aquilo era um sinal. Entretanto, Sakura não o ouvia, fixava seus olhos na imagem e deixava maravilhar-se com a beleza surreal que sua mãe exalava. Nunca vira uma foto de Nadeshiko com o vestido de noiva, na igreja onde se casou.

Touya, que passava em frente ao quarto da irmã, viu, de relance, ela sentada em sua escrivaninha, debruçada discretamente sobre algo. Curioso, aproximou-se silenciosamente, até parar ao lado dela.

– Mamãe pediu para te dar essa foto quando fizesse dezoito anos - explicou-se, notando a curiosidade da irmã.

 

Se lembra quando a gente

Chegou um dia a acreditar

Que tudo era pra sempre

 

Sakura virou-se em direção à voz. Por um instante viu Syaoran, segurando a espada para protegê-la. Não, ele voltara para Hong Kong junto a sua prima, a sua família. Forçando um pouco os olhos, notou que era seu irmão que estava lá.

– Hoje faço dezesseis - disse, ainda não entendendo o porquê do presente inesperado.

Ele hesitou, escolhendo com cuidado e carinho as palavras. Elas estavam na beirada de sua boca, com medo de serem pronunciadas, até que uma, mais corajosa, pulou para fora:

– Você... - ainda um pouco hesitante, resolveu continuar, com os olhos fixos na expressão de Sakura – vai... - engoliu em seco e, com um suspiro, falou – ...sair de casa.

Ela, ainda mais confusa e curiosa, apenas conseguiu pronunciar:

– O quê?

Um pouco aflita, Sakura imaginou-se morando sozinha, em uma casa longe de sua família. Perder aquele carinho e conforto que pensava que iria ter para sempre. Nada é para sempre, mas sair de casa? Precoce demais.

Touya tirou o retrato das mãos dela, observando a mãe.

– Ela me pediu - justificou-se e, percebendo, com o canto do olho, a irmã ficar mais confusa e aflita, tirou a foto da moldura ele virou a fotografia para que Sakura pudesse ler:

"Deixe que a flor de cerejeira voe com a brisa

Deixem que as pétalas flutuem sobre o mar, sobre a terra, sobre o ar

Libertem a estrela, a ilusão não vale mais a pena

Apaguem o silêncio que domina sua alma."

 

Sem saber

Que o pra sempre, sempre acaba

 

Sakura fitou-o seriamente, esperando uma outra explicação.

– Isso não estava escrito, até ontem.

Ela ainda não pareceu entender, e, Touya, com seu jeito antipático, falou:

– Ser mais claro que isso não dá, pirralha!

Mas Sakura viu o ligeiro sorriso que brotou nos lábios dele, fazendo-a sorrir também.

– Acha que nossa mãe quer que eu saia de casa? - indagou, voltando a ficar séria.

– Ele pediu sua mão em casamento - uma voz masculina e suave veio da porta.

Os dois viraram-se para a voz e Fujitaka, apoiado no batente da porta, sorriu.

– Menino de coragem - continuou o mais velho. – Pedi que cuidasse bem de você.

 

Mas nada vai conseguir mudar

O que ficou

 

O silêncio que se fez entre uma gota e outra contra o vidro gelado da janela parecia um mudo protesto. A jovem não entendia porque se sentia assim, indecisa, sozinha. Syaoran fora seu primeiro e único amor, verdadeiro e correspondido. Só aqueles olhos sobre os seus faziam-na sentir-se segura, protegida e acolhida. O que restou foram as lembranças. Um passado que continuara vivo em sua mente, embora fizesse esforço para esquecer algumas delas.

Tocou os lábios com a ponta fria dos dedos. Os lábios dele eram macios como pétalas de uma rosa, doces como o mais puro açúcar, excitantes como a mais suave carícia.

Seus pensamentos foram interrompidos com alguns passos distanciando-se. Ela percebera que seu pai saia do quarto, junto a seu irmão.

E sua família? Trocaria um amor, o mais puro que ele fosse, por uma família, apesar de ela ser formada apenas por duas pessoas? Lembrava de todas suas brigas e brincadeiras com Touya, do gosto da ótima comida do pai, das viagens que os três faziam.

 

Quando penso em alguém

Só penso em você

E aí então estamos bem

 

Foi até a janela e observou as nuvens cinzas. O crepúsculo dourado tocou-lhe a face suavemente, lembrando-a de que não estava sozinha. Ele dissera que nunca se sentisse sozinha, pois estaria com ela. Lembrava-se de sonhos em que Syaoran estava a sua frente, olhando em seus olhos, segurando em sua mão.

Kero dissera a primeira vez que sonhara com Syaoran que seus sonhos eram premonições, mas era difícil depositar toda sua confiança em um sonho.

"Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas."

Quantas vezes pensava em Syaoran por dia? Parecia que pensava apenas nele. Às vezes parava os estudos, as refeições, ou seja, o que estivesse fazendo, para ligar para ele e ouvir aquela voz que a preenchia por dentro.

 

Mesmo com tantos motivos

Pra deixar tudo como está

 

Ele queria casar-se. Seu coração falhou uma batida e precisou sentar-se na cama. Ela tinha que ter a certeza de que Syaoran estava certo do que estava fazendo, mal fazia seis anos que namoravam - sem contar que mais da metade desses seis anos foram à distância. Não queria cometer mais erros no amor.

Não sabia o que sentir. Por um lado, sentia vontade de pular, gritar, chorar de tanta alegria, só de pensar que se casaria com a pessoa que sempre amou e sempre amaria. Por outro lado, deixaria seu pai e seu irmão. Deixaria as outras duas pessoas que mais amava. Fujitaka sempre a ouvia quando as lágrimas escorriam por seu rosto. Touya era quem fazia esquecê-la da realidade por alguns segundos - ou até minutos - com sua chatice muitas vezes fingida.

"O pior momento do amor é quando somos obrigados a esquecer quem aprendemos a amar."

 

Nem desistir, nem tentar

Agora tanto faz

 

E do que adiantava ponderar? Syaoran já pedira sua mão em casamento, seu pai já concedera. E, embora soubesse de que se falasse a seu pai que não queria se casar - pelo menos não ainda - ele cancelaria o casamento. Não tinha coragem para fazer mais nada. Nem desistir do casamento, nem tentar fazer aquilo parecer o certo.

Jogou-se de costas na cama, fitando o teto branco. Imaginou como seria o encontro entre ela e Syaoran, agora que eram noivos. Sabia que, uma vez unida a ele, nunca mais conseguiria separar-se.

 

Estamos indo

De volta pra casa

 

Uma batida discreta na porta aberta fez com que ela voltasse sua atenção para o barulho. Fujitaka sorriu. Era um sorriso calmo, tranqüilizador.

– Vamos? - chamou-a. - Syaoran está esperando no aeroporto.

Sakura sorriu como resposta. Levantou-se, animada. Em uma mochila junto às cartas Sakura, colocou a fotografia de Nadeshiko e saiu do quarto, com o pai ao lado. Touya resolveu não ir junto a eles. Ainda não estava acostumado a dividir sua irmã com um "desconhecido".

No carro, Fujitaka não conseguia tirar o sorriso do rosto ao notar a impaciência da filha. Ela tamborilava os dedos sobre a coxa, mordendo o lábio inferior. Os olhos verdes seguiam as placas que indicavam a direção para seus destinos.

Sakura quase pulou do caro quando seu pai parava-o no estacionamento. Mal agüentava-se de ansiedade, esquecia o dilema que encontrou horas atrás.

 

Nem desistir, nem tentar

Agora tanto faz

Estamos indo

De volta pra casa

 

– Você vai lá? - inquiriu ele, quando terminou de arrumar o carro na vaga.

– Você não vai? - indagou, incrédula.

– Espero vocês aqui - disse, fazendo sinal, com os olhos, para que ela fosse.

Sakura obedeceu, um pouco desconfiada. Syaoran pedira para que ele não fosse com ela? Só então, percebeu as intenções do pai. Reencontraria Syaoran, seria só ele e ela.

Entrou no aeroporto, empurrando educadamente uma ou outra pessoa. Estava mais cheio que o normal, porém, não sairia de lá sem ele. Andando um pouco sem rumo entre as pessoas, ela pôs a mão sobre o ombro de um rapaz a sua frente.

– Com licença - pediu, gentilmente.

O jovem virou-se para ela, e Sakura teve a impressão que seu coração parara de bater por alguns instantes.

– Syaoran! - gritou, abraçando-o com força.

Ele deixou as malas no chão, correspondendo ao abraço. Afagou-lhe os cabelos castanhos, e beijou-a na testa.

– Que saudades! - exclamava ela, perdendo o fôlego de tanta emoção.

– Também senti muito sua falta, amor - falou, não com a mesma animação dela, mas convicto.

– Como você ? Quanto tempo que não nos vemos! - E afastou-se um pouco.

Syaoran pegou na mão da amada, fitando-a nos olhos. Sakura sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo e um déjàvu.

Os sonhos são uma premonição.

 

~ Fim ~

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!