Stargazer escrita por Alface


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Ufa! Este capítulo foi um tanto quanto chato de escrever, eheheh. Mas enfim, até aqui foram apenas as apresentações dos personagens, dos cenários e uma leve introdução às suas vidas de uma forma geral. No próximo capítulo já planejo me focar mais na questão musical e amorosa destes dois eheheh.
Aproveitei!
E deixem reviews, por favor! Eles me ajudam e motivam bastante.
(Pequena nota: Érzi = filho, em mandarim)



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O dia havia sido cansativo. Yao carregava suas bugigangas em uma mochila azul, que pendia em seu ombro direito. Seu outro braço estava segurando uma caixa com mercadorias mais acessíveis, para demonstrá-las na rua para quem se mostrasse interessado em comprá-las ou para apenas empurrá-las sobre os rostos das pessoas até que estivessem irritadas o bastante para comprar algo, apenas para o chinês deixá-las em paz.

Já eram onze da noite e Yao voltava para a pensão. Pegou seu celular pela terceira vez aquela noite, observando novamente sua lista de contatos. A linha azul pairava sobre o nome “Leon Wang” e o chinês não pôde deixar de sorrir. Lembrava-se de ter gravado apenas “Érzi”, mas Leon gostava de ser chamado pelo nome, pegando sorrateiramente o celular do pai e editando seu nome sempre que o outro desfazia sua edição. Não ficava bravo quando Yao insistia em chamá-lo por apelidos carinhosos, na verdade sua expressão carregava uma grande indiferença. Mas sempre após o jantar, seu filho educadamente pedia que Yao parasse de chamá-lo assim. Mas o chinês sorria, bagunçando os cabelos do menor e repetia que o amava muito, que eram apenas nomes carinhosos, e para seu filho parar com aquela bobagem. Leon apenas o olhava inexpressivo, voltando para seu quarto. Sabia que o pequeno não se chateava tão facilmente e que quando o estava, não demonstrava desta forma. Ele sempre fora bastante inexpressivo casualmente e seu sorriso era efêmero. Mas não podia se deixar enganar pela aparência educada e angelical do menino: ele adorava pregar peças, e o pior, sabia exatamente como se safar de suas consequências.

Sentia saudades de seu filho, mas não poderia ligar agora. Leon estaria na escola neste horário, além de que o garoto parecia falar cada vez menos quando o pai ligava. Tinha medo que a relação se deteriorasse ainda mais, pois já faziam seis anos que não retornava à China. Respirou fundo e voltou a andar com determinação. O dia que teria condições financeiras para trazê-lo para morar nos EUA estava cada vez mais perto.

Tais pensamentos paternais fizeram o chinês se lembrar dos moradores da pensão e em especial, de Alfred. Se perguntou se o jovem ainda estaria tocando à esta hora e resolveu dar uma olhada em seus negócios. Gostava da música do loiro por este se ater a canções mais acústicas. O chinês odiava toda aquela modernidade de música eletrônica, e não deixava de fazer propaganda dos negócios do americano sempre que podia. Em certas noites, quando por milagre Ivan estava na pensão, todos se juntavam para cantar e comer um bom prato quente de yakisoba. Alfred tocava seu famoso violão enquanto Francis, que já estava levemente alterado com alguns goles da vodka de Ivan, cantava de forma desafinada. O russo ria, enquanto o chinês alternava entre terminar de cozinhar e tampar seus ouvidos com toda aquela barulheira. Mas logo todos estavam cantando, com algumas brigas carinhosas sendo ressoadas pelo corredor.

Os pensamentos de Yao foram interrompidos ao ouvir uma voz melodiosa a acompanhar o violão de Alfred. Se aproximou, mantendo-se atrás das pessoas que circulavam o americano para assistí-lo e, por cima dos ombros de um homem muito baixinho que parecia se divertir com a apresentação, conseguiu enxergar a cena.

O garoto que até poucos dias atrás estava no quarto de Alfred utilizando a compressa do chinês estava alí em pé, cantando. Yao teve que admitir que o garoto era talentoso. Sua voz era doce e melodiosa, e parecia um crime que tal voz houvesse ficado tanto tempo longe do violão de Alfred. Ambos pareciam estar em tamanha sincronia que era possível perceber muitas improvisações vocais por parte de Arthur, mas que Alfred acompanhava sem problema algum, inventando alguns solos para acompanhá-lo.

E então a música acabou, mas só conseguiu sair de seu transe ao ouvir Alfred o chamando, e então se aproximou mais.

– Yao, que surpresa vê-lo por aqui! – o americano sorriu, passando seu braço pelo ombro do chinês – Voltando do trabalho agora?

– Sim, hoje o dia foi cansativo, mas resolvi passar por aqui já que era caminho. Os mais velhos sempre precisam estar de olho em suas crianças. – Yao disse, em um inglês carregadíssimo de sotaque – Mas pelo visto me preocupei à toa. Quem eram todas essas pessoas?

– Ah Yao, é incrível! – Alfred parecia bastante animado e jogou seus braços para cima, logo depois usando um deles para puxar Arthur para perto – Desde que o Artie começou a cantar comigo, o número de gorjetas quadruplicaram!

O moreno olhou de relance para o tal Arthur, que lhe sorriu sem-graça e um tanto corado. Este lhe estendeu a mão em uma postura firme e ereta.

– Meu nome é Arthur Kirkland. Me desculpe por não ter me apresentado direito da última vez que nos vimos. Devo agradecer pela compressa que me emprestou, foi realmente de grande ajuda. – Abriu um pequeno sorriso, finalmente separando sua mão da mão chinesa – E não ligue para o que ele fala, está apenas exagerando. Cantar para mim é como um hobbie.

Yao abaixou sua mão, um tanto surpreso. Fazia tanto tempo que havia visto alguém tão educado quanto Arthur! Talvez estivesse se acostumando com a falta de modos dos moradores da pensão, então fez uma nota mental para começar a colocá-los na linha.

– Vão demorar muito ainda? Eu vou fazer o jantar novamente hoje. – Notou que Arthur parecia ter uma pequena dificuldade para entender seu inglês, então Yao tentou falar com mais clareza. – Arthur, gostaria de jantar conosco hoje? Espero que aprecie a culinária do meu país!

Alfred sorriu olhando em direção ao inglês, como se dissesse com o olhar que aprova o pedido de Yao e deseja apenas ouvir se ele gostaria ou não. Com uma expressão incerta, Arthur pareceu ponderar por alguns segundos mas logo sorriu gentilmente em direção ao chinês.

– Eu de fato gosto sim, especialmente dos chás saborosos da China. – Yao ajeitou sua postura e sorriu, como se o elogio fosse direcionado à ele – ...Neste caso, aceitarei a proposta.

Logo os ombros de Arthur foram tomados pelos braços de Alfred, enquanto este o abraçava fortemente, lançando um grande sorriso para Yao.

– Vamos tocar mais umas duas músicas e logo estaremos na pensão!

– Neste caso eu vou na frente, estou bastante cansado. Quando vier, traga algo para você beber. Os seus refrigerantes já acabaram. A não ser que queira um pouco de chá.

Alfred fez um biquinho mal-humorado, murmurando algo como “chá tem gosto de água suja”, recebendo um chute de Arthur logo depois. Mesmo já estando bastante à frente, conseguia ouvir os dois discutindo e então uma risada alta, típica do americano. E de repente, o som do violão seguido por uma voz magnífica.

Se perguntou desde quando os dois eram tão próximos assim. É, talvez seu auto-proclamado afilhado estava mais distante do que imaginava...

Mas a noite seguiu tranquila. Alfred e Arthur chegaram na pensão trinta minutos após terem se encontrado com Yao, e este já estava com o jantar quase pronto. Ivan já estava no quarto do chinês e comprimentou Arthur, que sentiu um sentimento estranho de que não deveria mexer com o russo enquanto apertava sua mão, mas gentilmente se apresentou e tratou de sentar-se longe dele.

Todos conversaram de maneira amigável, com Arthur compartilhando pequenos detalhes de sua vida com Yao e Ivan, mas logo Alfred se intrometia e complementava tais fatos, dando explicações desnecessárias.

– Sim, meu nome é Arthur... É bastante inglês, não é? De fato minha família é inglesa.

– Dá para perceber só pelo tamanho das sombrancelhas dele! Os dentes dele são bem tortos, bastante inglês né? O jeito pomposo e irritante dele também!

E então Arthur murmurava algum xingamento, batendo no ombro do americano que respondia com um gemido de dor. Yao gritava algo sobre Alfred ter mais modos e Ivan apenas ria, parecendo ser o que mais se divertia com toda aquela situação.

Foi apenas quando todos já estavam no meio da refeição que Francis chegou. Desculpou-se pelo atraso e se serviu, entrando rapidamente na conversa. Olhou então para Arthur após vários minutos, abrindo um sorriso doce.

– Meu nome é Francis Bonnefoy. Prazer em conhecê-lo, chérie. – O francês estendeu sua mão para comprimentar Arthur, que apenas a segurou por alguns segundos e logo tratou de soltá-la – Você deve ser amigo do Alfie, não é?

– Sim. Sou Arthur.

E então o inglês se pôs a comer em silêncio.

A conversa continuou sem nenhuma mudança, logo todos estavam animados novamente. Francis havia trazido vinho e Ivan estava com sua inseparável garrafa de vodka. Todos bebiam e logo as risadas dos mais exaltados pela bebedeira já podiam ser ouvidas do corredor. Yao olhou de relance para Arthur, que bebeu apenas um gole da garrafa de Ivan e já estava um tanto exaltado, brigando com Alfred mais do que necessário e comendo bastante. Não sabia se fora o único a perceber, mas aquela situação era estranha. Arthur havia se apresentado de maneira composta com todos, exceto por Francis, além de omitir seu sobrenome. À mesa, não se dirigia ao francês mais do que o necessário.

– Talvez eles já se conheçam?

O chinês sentiu um calafrio descendo por sua espinha ao ouvir a voz de Ivan tão próxima de seu ouvido. Podia jurar que o russo carregava consigo algum tipo de sexto sentido ou, no mínimo, podia ler os pensamentos alheios.


– Talvez... – Yao respondeu, desta vez olhando para Francis. Após alguns segundos o francês percebeu os olhos que o fitavam e sorriu, logo depois voltando a comer – ...Nunca podemos ter certeza quando se trata de Francis.


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Já era de madrugada quando todos voltaram aos seus quartos. O único barulho que ressoava pelo prédio neste momento era o de Alfred tentando carregar Arthur para seu quarto. Apesar do quarto de Yao ficar em frente ao do americano, havia uma certa resistência por parte do inglês em ser carregado. Ele murmurava sobre como a comida estava boa e como deveria cantar para todos, forçando seu corpo de volta para o quarto de Yao.

– Ugh..! Só pare com isso, está bem?! Vamos dormir Arthur, por favor...

O inglês ria e logo depois murmurava algo sem sentido. Alfred decidiu ignorar por completo os apelos do outro e o apoiou em seu ombro, conseguindo finalmente chegar ao quarto.

Arthur acabou cambaleando, caindo em cima da cama enquanto ria animadamente. Ao olhar aquela cena deplorável, Alfred não pôde evitar suspirar, enquanto retirava alguns lençóis do armário para improvisar uma cama de baixo.

– Não consigo imaginar como um cara fraco para bebidas como você pode ser garoto de programa... – murmurou – Que tipo de situações você já deve ter se metido por conta disso?

Mas o inglês há muito já havia dormido. Sentindo-se como uma babá, Alfred retirou os sapatos do inglês e o casaco que este estava usando, apoiando-o na maçaneta da porta. Retirou também a calça jeans que Arthur usava, por julgar ser demasiado desconfortável dormir daquela forma. Por fim lançou um lençol por cima dele, que em um momento sequer pareceu sequer sentir tais atos.

Alfred apoiou suas costas na parede e observou seu pequeno quarto. Talvez tivesse notado o cheiro ruim que vinha de seu armário a tempo de planejar matar os fungos que ali haviam ou percebido o quão gasta estava as dobradiças de sua janela se estivesse de fato prestando qualquer atenção no ambiente. Sua mente vagava em um breu estranhamente familiar, enquanto o som dos carros vindo da rua criavam um ambiente relaxante.

Não estava de fato pensando muito sobre tais assuntos, mas eles vagavam em sua mente, sem nenhuma intenção de se fincarem ali. O que estava fazendo de sua vida? Iria realmente alcançar seus objetivos assim? Como será que estava seu irmão? E seu pai? Como seria sua vida agora se nunca tivesse fugido de casa? Quem, de fato, era Arthur Kirkland?

Talvez este último seja o que de fato lhe retirou do transe, e olhou de relance para sua cama. Ali dormia um completo estranho, no qual conhecia apenas poucos fatos de sua vida, sendo estes acima de tudo ditos pelo próprio inglês somente por não conseguir medir suas palavras. Sabia também que era um homem dedicado, que poderia se submeter às piores condições se fosse capaz de conseguir o que queria. E a sua voz era estranhamente acalmante, mesmo nos mais profundos graves e mais incontroláveis falsetes. Ele era, talvez, o que pudesse chamar de amigo.

Sentia-se um completo idiota por permitir que tal estranho entrasse desta maneira em sua vida, mas também estranhamente calmo e feliz por tal fato. Havia alguma atração entre sua personalidade e a do inglês, além das histórias de vida que ambos carregavam que praticamente lutavam para serem compartilhadas entre si, aguardando o momento certo.

Inconscientemente, mordeu seu lábio inferior, se perguntando por quanto tempo mais o inglês iria vender seu corpo de tal forma. Com seu talento, não era sequer necessário que fizesse tal coisa, bastasse cantar todos os dias junto com Alfred que ambos já teriam dinheiro o suficiente para 3 aluguéis, caso necessário.

– Porque você faz isso com você mesmo...?

Não percebeu quando se aproximou mais da cama, mas a este ponto já estava sentado nesta, olhando para Arthur. As marcas roxas em seu pescoço já haviam sumido, por mais que um leve tom avermelhado ainda pudesse ser visto por conta da pele sensível de Arthur. Se perguntou como estariam os outros machucados do corpo do inglês e suspirou em frustração. Perguntava-se que tipo de homem complicado este ser era, e por qual razão seria benéfica para o inglês se tornar mais próximo de Alfred. Lembrou-se então de quando era um garoto, em seus recém completados doze anos. Havia sido, desde que pudesse se lembrar, alguém muito sociável e carismático, criando laços de amizade por onde quer que fosse. Seja em sua escola ou na rua onde morava, Alfred nunca teve problemas em criar amizades. Soltou um riso sarcástico e se perguntou quantos destes eram seus amigos de verdade. Quantos destes, ao verem sua situação atual ou ao esbarrarem com ele na rua, sequer olhariam em sua direção ou trocariam alguma palavra.

Suspirou. Não combinava com sua personalidade pensar tanto sobre este tipo de situação, afinal, passado era passado. Deitou-se na cama improvisada de baixo, olhando em direção à luz da lua que adentrava em seu quarto. Abriu um pequeno sorriso, sentindo suas pálpebras pesarem. Estendeu sua mão em direção à luz, como se pudesse segurá-la. Permaneceu com ela ali, murmurando talvez para si mesmo.

– Mãe... Eu acho que tudo vai dar certo, finalmente.

E, com um sorriso no rosto, adormeceu. E a luz da lua não tardou em ser substituída pela luz solar.

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Os dias se tornaram semanas e as semanas, meses. A inesperada presença de um na vida do outro se tornou rotina, e Alfred e Arthur já eram considerados por muitos, inseparáveis. Os moradores da pensão já haviam se familiarizado com o inglês e se referiam à este como se fosse o quinto morador do local. Era sempre convidado para os jantares rotineiros no quarto de Yao, onde todos se encontravam para conversar e beber. Sempre após tocar com Alfred, Arthur se dirigia ao local trazendo algo para beber, principalmente os chás nos quais havia trazido da Inglaterra. Yao apreciava tal ato e ambos sempre trocavam chás de seus respectivos países, e no dia seguinte cada um daria sua opinião sobre o sabor de tal especiaria. Por mais que fosse uma presença rara, com o tempo Arthur começou a se dar melhor com Ivan e, mesmo que as conversas fossem curtas e quase monossilábicas, o russo parecia extremamente feliz de que o outro quisesse sua opinião em algo ou simplesmente lhe dirigisse palavra. O inglês com certeza achava aquele homem estranho e intimidador, mas não era mal. Talvez um tanto solitário.

Mas sua relação com o francês não havia melhorado. Por mais que Francis sempre fosse cordial com o inglês e lhe dirigisse a palavra sempre que fosse necessário, Arthur apenas ignorava ou respondia de maneira curta e desinteressada, comportamento no qual todos, exceto Alfred, já haviam noticiado, mas nada comentavam.

E, quando todos já estavam de barriga cheia, Arthur retornava ao quarto de Alfred junto com este, envolvidos em algum tipo de conversa árdua. Por mais que ambos tivesssem poucos gostos em comum, nunca faltavam assuntos para debates ou simplesmente jogar conversa fora, onde ambos apreciavam a opinião um do outro, por mais diferentes e opostas estas pudessem ser.

Conversavam sobre suas famílias, seus sonhos e desejos, mas por alguma razão havia um pacto silencioso. Nenhum dos dois parecia querer falar sobre seus planos futuros, e sempre que o assunto seguia nesta direção, Arthur mudava bruscamente de assunto, deixando um Alfred confuso. Não que fizesse questão de esconder seus planos, mas Alfred achava que se Arthur não quisesse comentar os dele, não mencionaria o seu também. Talvez por birra e infantilidade, mas não achava justo que o inglês soubesse de algo sobre si no qual Arthur parecia esconder fielmente quando se tratava dele. Mas, com exceção deste assunto, qualquer outro era bem-vindo. Descutiam sobre política, ciência, religião, e algumas vezes até sobre qual o melhor sabor de sorvete ou se zebras eram brancas com listras pretas ou pretas com listras brancas.

E um assunto sempre levava a outro, e então à outro e quando se davam conta já era muito tarde. Arthur simplesmente se deitava na cama do americano desejando boa noite, e este ria e tentava empurrá-lo para fora. Alfred era forte e, se realmente quisesse, conseguiria o que queria. Mas simplesmente suspirava e deitava-se ao lado do inglês, e ambos simplesmente desmaiavam pelo cansaço. Tal rotina só era quebrada quando um dos dois decidia dormir na cama de baixo ou caso Arthur realmente precisasse dormir em casa, em geral por alguma questão envolvendo a faculdade. E foi isso o que Alfred pensou naquela noite, enquanto retirava a camisa e os óculos, se preparando para dormir.

– Você realmente precisa ir? – Arthur confirmou com a cabeça, mas Alfred não conseguiu ver tal ato por já estar sem seus óculos. Mas pelo silêncio do outro, julgou ser uma resposta positiva – Certo. Nos vemos amanhã. Essa faculdade ainda irá lhe matar Arthur, escute o que digo!

E então o americano riu de maneira divertida, se jogando na cama. Devido aos meses de intimidade, já não julgava necessário levar Arthur à porta todas as vezes nas quais ele ia embora, por mais que ainda fizesse isso sempre que possível por educação ou simplesmente para terminar um assunto inacabável.

Mas desta vez Arthur apenas riu deboxadamente, pegando sua mochila no chão. Havia ido direto da faculdade para a pensão e ainda carregava seus materiais.

– Desta vez não é nada relacionado aos meus estudos. Apenas tenho um cliente inesperado para daqui há uma hora.

Se fez um grande silêncio no quarto, com Alfred olhando incrédulo para o inglês. Nunca conversavam sobre tal profissão de Arthur, talvez por tal assunto nunca ter sido mencionado antes. Mas desta vez Arthur parecia despreocupado, apenas feliz pela refeição que acabara de ter e pensando como seria seu dia amanhã. Não se deu conta do desconforto que havia gerado no americano até este sentar-se na cama, o encarando de maneira séria.

– ...Eu achava que você já havia desistido de trabalhar com isso... – O americano disse um tanto sem jeito, sabendo que a intimidade na qual possuíam não era o bastante para opinar na vida de Arthur desta maneira – O dinheiro que ganhamos com as apresentações não são o bastante?

– O que há com você, Alfred? Esta expressão não combina com você. – Riu nervosamente ao ver o quão sério o outro estava e deu de ombros – E o problema não é este. Estou extremamente feliz de trabalharmos juntos e isto tem me ajudado bastante financeiramente. É só questão de que quanto mais dinheiro, melhor.

O americano bufou, sentindo-se um tanto inseguro. Não gostava quando Arthur falava daquela forma sobre algo tão sério, e que julgasse desconfortável para o inglês. Ele realmente gostava daquela profissão? Ou fazia só pelo dinheiro? Ele já não sabia mais. Mas precisava tomar uma decisão e já sabia qual seria, mas precisava impedir Arthur que já caminhava em direção à porta.

Se precipitou, segurando o pulso do inglês antes que ele pudesse girar a maçaneta. Ele virou e olhou para Alfred, ainda bastante confuso. O americano suspirou e colocou uma mão em sua nuca, mas fez questão de manter contato visual para provar para Arthur o quanto falava sério.

– Você pode ficar com 75% do dinheiro que ganhamos por noite. Eu não me importo. Apenas... – Sua voz pareceu tremer por um segundo, mas logo pôs firmeza nela, precisava convencê-lo – ...Pare de se prostituir.

Arthur olhou para Alfred incrédulo, como se este acabasse de pedir que matasse o presidente dos Estados Unidos. Riu sem-graça, como se achasse que ele estivesse brincando, mas o americano continuava a fitá-lo, sem alterar sua expressão. E então sua expressão confusa se tornou raivosa, e Arthur franziu seu cenho, cruzando os braços.

– O que há com você, Alfred? Eu-

– Eu quem pergunto, Arthur, o que há com você?! – Sua voz de repente se tornou alta, enquanto batia com força na porta atrás de Arthur – Você sempre fala que é por conta do dinheiro, que só se prostitui porque quer o máximo possível de grana em menor tempo, mas agora estou lhe oferecendo uma oportunidade! Estou te oferecendo praticamente o mesmo que você ganha quando se prostitui, e se não for o bastante posso aumentar a porcentagem ainda mais!

Alfred suspirou e jogou-se na cama. Ficou sentado com uma das mãos em sua testa enquanto encarava o chão. Podia sentir os olhos verde-esmeralda o fitando, sem saber como responder à toda aquela situação. De repente, sua voz se tornou calma e firme novamente, enquanto levantava sua cabeça para poder observar Arthur mais uma vez.

– Eu só estou preocupado, Arthur. Talvez eu realmente não compreenda como é trabalhar vendendo seu próprio corpo mas... não parece algo muito agradável. – Arriscou-se exibir um sorriso de canto, mas o inglês ainda parecia surpreso com todo este assunto repentino – Mas eu infelizmente não posso te impedir. Se for por conta do dinheiro, você sabe que podemos dar um jeito. Mas se você realmente faz questão de se prostituir, me diga que eu paro de enxer seu saco. Desculpa, parece que eu não sei quando parar de falar, eu apenas-

– Entendi.

Com um grande suspiro, o inglês sentou-se na cama, ao lado de Alfred. Parecia querer berrar e dar um sermão em Alfred, explicando o quão errado ele estava com tudo aquilo, mas sabia que não era bem assim. Sabia que ele estava sendo um intrometido, que não possuía direito algum de lhe dizer o que fazer e que tudo se baseava em um desejo egoísta de Alfred. Mas ainda assim, conseguiu sentir toda a preocupação que sua voz carregava, e algo em si dizia que o americano estava sendo realmente sincero sobre tudo aquilo. Com estes meses de relacionamento, sabia o quão impulsivo ele poderia ser e que mesmo sem querer, acabava dizendo o que pensava. Se estava com fome, preocupado ou triste, não hesitava um segundo sequer em gritar isso para quem quisesse ouví-lo. E vê-lo fazer aquela expressão triste por estar preocupado com Arthur... sua vontade era apenas de sorrir e zombar do quão óbvio Alfred podia ser as vezes, mas optou por não fazê-lo.

A verdade era que Arthur já havia pensado nisso faz muito tempo. Nestes últimos quatro meses, já havia se revirado muito na cama a noite enquanto analisava suas opções. Mas largar um negócio assim não era fácil. Haviam clientes que sabiam onde morava, muitos deles Arthur encontrava na rua durante o dia, por mais que não lhes dirigisse palavra, mas não sabia o que podia acontecer caso largasse o emprego de vez. Suspirou, e manteve sua expressão emburrada e seus braços cruzados quando voltou a falar.

– Se é tão importante assim para você, eu paro. N-Não que eu esteja fazendo isso só por você, n-não entenda errado...! – Seu rosto de repente ficou vermelho, mas suspirou e retomou sua calma quando tornou a falar – Eu apenas exigo um acordo. Se eu vou fazer isso, eu quero recompensar o tempo que trabalhava antes com nossos pequenos shows. Nada de tocar só à noite, tocaremos em outros lugares e em outros horários também.

Alfred fez uma careta ao ouvir aquilo. Sabia que só era capaz de dar seu máximo quando tocavam à noite, mas decidiu se esforçar por Arthur.

– ...Além do mais, passarei mais noites aqui, então precisamos comprar um colchão. – O americano pareceu excepcionalmente feliz com esta ideia mas, novamente, Arthur corou forte e tratou de desfazer o mal-entendido – N-Não para conversarmos e nos divertirmos! Eu digo, para trabalharmos bastante. Vamos precisar ensaiar. Eu não sei quanto à você, mas não pretendo ficar tocando em esquina por muito tempo. Eu acho que poderíamos trabalhar em músicas próprias ao invés de covers, tem algumas letras nas quais ando trabalhando e...

Antes que Arthur pudesse continuar, Alfred o empurrou em direção à cama, o abraçando. Sentindo seu rosto queimar, o inglês logo protestou, mas Alfred não parecia sequer interessado em ouví-lo. Ele ria de maneira despreocupada, enquanto seu rosto vermelho que nem tomate lacrimejava em alívio. O inglês não pôde evitar sorrir, e o afagou carinhosamente pelo ombro. Alfred estava tão preocupado assim consigo?

Após alguns segundos, Alfred o soltou. Ambos permaneceram deitados na cama, mas de uma maneira muito mais confortável, afastados um do outro. Conversaram sobre como iriam fazer com estas novas exigências de Arthur. Marcaram um horário para se encontrarem no dia seguinte para comprar o tal colchão, discutiram sobre qual estilo musical deveriam se ater mais e, pela primeira vez, sobre seus planos futuros. Apesar de só conversarem sobre o que planejavam fazer quanto à música de ambos, Arthur parecia muito mais despreocupado sobre falar de tal assunto.

– Na verdade, eu já queria que melhorássemos nosso nível há muito tempo, para algo mais profissional, sabe? – Alfred comentava animadamente – Precisamos dar um toque só nosso para nossas músicas, além de procurar casas de show onde podemos tocar.

– Essas parecem ideias ótimas. Trabalhe em novas melodias que eu fico com a parte das letras, sim? – Arthur olhou seu relógio de pulso, um tanto assustado – A-Ah... Eu realmente preciso ir. Eu já marquei com este cliente, infelizmente não tenho como desmarcar.

– Está tudo bem. – O americano abriu um grande sorriso – Mas a partir de amanhã vamos dar tudo o que podemos dar para nossa música! Garanto que vai conseguir todo o dinheiro que precisa para o que quer que queira fazer com ele.

Arthur pareceu hesitar por alguns segundos. Sua expressão tornou-se confusa e abriu sua boca como se fosse dizer algo, mas logo tratou de fechá-la. Não tinha tempo para explicar sobre o por que de juntar tanto dinheiro e decidiu que o melhor seria fazê-lo em outra ocasião. Por fim sorriu, levantando-se da cama e indo em direção à porta.

– Vejo-o amanhã, então. Espero que não se atrase.

– Você que é pontual demais, senhor sobrancelhas! – Antes que Arthur pudesse protestar sobre o apelido, Alfred se aproximou e despejou um suave beijo em sua testa – Boa sorte hoje à noite. Fique bem.

O tempo parou para Arthur. Manteve sua boca aberta em surpresa, enquanto seu rosto ia lentamente adquirindo o tom mais escalarte possível. Tinha várias reclamações à fazer com o americano quanto à aquilo. O que foi aquilo? O que significava? Ele por acaso estava bêbado?! Mas limitou-se apenas a escolher uma.

– O-O que pensa que está fazendo?!

Quando Alfred finalmente percebeu o que havia acabado de fazer, seu rosto ficou tão vermelho quanto o do inglês. Não sabia como se explicar, olhando confuso para o outro, esperando que ele tivesse a resposta.

– T-Tem algum problema com isso?

– E-Eu não sei, quer dizer, t-tem! Mas... a-acho que... – Sem saber direito como raciocinar, Arthur suspirou e virou-se, tentando esconder seu rosto do americano – A-Até amanhã!

E com isso, a porta foi fechada em um banque, deixando um Alfred confuso sentado na cama. Ele olhava fixamente para a porta e então para suas mãos. Ele as apertava de maneira nervosa e podia sentir o quão suadas estavam. Jogou-se para trás, permitindo que seu corpo caísse no colchão, enquanto tampava seus olhos com seu braço.

– O que diabos foi isso...?


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Arthur desceu as escadas em vários pulos, enquanto sua respiração descompassada aos poucos voltava ao normal. Saiu pela porta de entrada em direção à rua, permitindo que o ar gélido da noite lhe acariciasse a face. Deu um grande suspiro e se pôs a andar, tentando se acalmar a cada passo.

Arthur, o garoto de programa, que já havia realizado as mais diversas fantasias sexuais dos mais diversos seres humanos estava, naquele momento, envergonhado por um beijo na testa. Se perguntou o quão ridículo deveria estar parecendo naquele momento. Seu mais novo considerado amigo, no qual já havia conversado várias vezes, no qual já haviam dormido várias vezes na mesma cama, e o qual já havia visto trocar de roupa, apenas deu um beijo em sua testa, então qual era o problema? Era apenas um beijo entre amigos.

Balançou a cabeça, evitando pensar em tudo aquilo. Já se encontrava relativamente perto de casa e olhou aliviado para o relógio, vendo que ainda faltavam vinte minutos para o horário combinado com seu cliente. Arthur odiava estar atrasado para qualquer que fosse o compromisso.

E foi naquele momento que tudo começou para Arthur. Para Alfred ainda levará um tempo e certas ocasiões, mas já não havia dúvidas: aquele simples e cordial beijo na testa estava fadado a iniciar uma relação caótica, romântica e trágica entre ambos. Eles eram apenas inocentes demais para pensar sobre isto naquele exato momento.


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Notas finais do capítulo

Não imaginam o quanto estou feliz em introduzir a história do Yao! Pretendo falar mais dos outros personagens no decorrer da história, mas só falarei de suas histórias completamente nos capítulos que postarei ao fim da fic.
Mas cara um dos moradores da pensão tem uma história muito interessante por trás de suas personalidades, e estou ansiosa para mostrá-la à vocês!
E me desculpem, amadoras de UsUk de carteirinha. Meu ritmo em relação aos meus personagens se apaixonarem é um pouco lento, mas estou fazendo o possível! E eu curto FrUk, mas a relação de Arthur e Francis é meramente profissional. Desculpem!
Novamente, peço reviews. Eles me ajudam e motivam muito!