O Último Pendragon escrita por JojoKaestle


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Vamos todos fingir que o dia de atualizar a fic é domingo, com uma margem de erro de um dia para mais ou para menos, okay? Okay :)
Prometo que o capítulo da semana que vem vai ter um tamanho melhorzinho.
Boa leitura!



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Uma coruja piou solitária em alguma árvore atrás de nós. Foi suficiente para que um calafrio percorresse minha espinha. Quem quer que C.E. Pendragon fora, já havia morrido há décadas. Talvez séculos. E ainda assim tínhamos o mesmo sobrenome. Lembro-me de como meu pai sempre se mostrara orgulhoso quando tinha oportunidade para falar do grande legado dos Pendragon, mas para mim sempre parecera uma mistura de lendas e arrogância. Mas agora... Agora talvez eu acreditasse até que tinham sido parte efetiva da nobreza há muitos e muitos séculos. E realizado grandes feitos. Não considerava aqueles arcos algo próximo de uma maravilha da humanidade, mas pareciam respeitosos e tão antigos que me traziam certa nostalgia. Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Já era estranho o suficiente lidar com esses sentimentos quando sonhava pertencer à época medieval, não precisava deles enchendo a minha cabeça durante o dia também. Ou madrugada.

Merlin por sua vez estava completamente extasiado. Parecia estar se controlando para não ficar saltitando de um pé para o outro. Mas o jorro pelo qual as palavras deixavam sua boca era mais que bastante para que eu percebesse que estava tentando se conter.

– Fascinante. Completamente fascinante. – comentou, afastando o restante do musgo com leves batidas dos dedos – Olhe, olhe. Está vendo? É uma marca, mais que uma assinatura. Quase uma afirmação. Provavelmente ninguém de cargo baixo, qualquer simples trabalhador jamais conseguiria entalhar suas iniciais e sair sem punição.

– Então foi alguém que ajudou a planejar a construção. – falei, tentando olhar para os dragões de pedra novamente. Sem o feixe da lanterna eram figuras que pareciam me encarar através da penumbra – Talvez um construtor.

Merlin me olhou e mesmo na semiescuridão vi que sorria (mais com os olhos que com os lábios, uma vez que eram albergados atrás de uma camada considerável de barba branca). Anuiu diversas vezes, animado.

– Provavelmente. Estou ansioso para a visita à biblioteca. Vamos encontrar algo que sirva, com certeza.

– Hey. – chamei sua atenção – Nós não vamos encontrar nada. Eu vou me esgueirar para dentro do escritório do meu pai e procurar pelo livro com aparência mais velha que conseguir.

– O quê? - quase gritou, exasperado – Claroquevouentrar. Como esperava encontrar o livro certo?

– Para isso terei você me guiando da janela.

Merlin bufou.

– Bem, isso é totalmente inaceitável.

Virei-me para o caminho de volta. Pensei em deixar o parque pela entrada que estava a poucos metros, mas ela dava em uma rua movimentada e não queria correr o risco de sermos apanhados. E já que o grifo não resolvera aparecer até agora, achava que talvez tivesse desistido por enquanto.

– Isso é totalmente aceitável porque caso meu pai ou algum empregado nos surpreenda serei capaz de dizer que não estava conseguindo dormir e deixei a janela aberta porque quis aproveitar a brisa noturna, Merlin. E acredite, nos dias de hoje isso é bem mais plausível que explicar a presença de um mendigo ancião em nossa casa.

– MENDIGO?!

Reprimi uma pequena risada.

– Relaxe, Merlin. Ou vai acabar acordando algum monstro mágico.

– Isso seria conveniente! Queria mesmo saber se você conseguiria se safar sem minha ajuda. – não me deu tempo para responder – É claro que não conseguiria.

– Eu me virei muito bem mais cedo, obrigada. – menti, decidindo pelo caminho que havíamos feito minutos antes – Acha que sua magia já está forte o suficiente para um combate desse tipo?

A pergunta foi feita de forma casual, como se não tivesse grande importância. Mas Merlin a percebeu de imediato e senti sua animação despencando antes que abrisse a boca.

– Eu não sei. – comentou ausente – Nem conseguia fazer o feitiço mais simples algum tempo atrás. E sem minha magia não sou muita coisa.

– Oh. – respondi, atingindo-o com meu ombro e quase o fazendo cair – Não diga isso. Eu acho sua barba incrível.

Merlin deu uma pequena risada.

– Obrigado pela parte que me toca. Eu nem sempre fui assim. – caiu em um silêncio. Talvez tentasse se lembrar da época em que era jovem. Talvez três milênios atrás ou algo do tipo, por isso lhe dei tempo.

– Aposto que sim. – disse distraída. Vagalumes se amontoavam entre os arbustos, rodopiando e mergulhando na escuridão em harmonia para então reaparecer como pontos luminosos em outras posições. Constelações vivas. Esse era o verão pelo qual estava ansiando. Passei a mão pelos meus cabelos curtos, o que provavelmente não os fez nenhum favor – Como você se sente? Quero dizer, sendo imortal e todas essas coisas.

– Cansado, entediado e sozinho. – Merlin respondeu imediatamente – Às vezes mais um do que o outro, às vezes um de cada vez. Na maioria dos dias uma mistura de todos.

– Sinto muito que se sinta assim. – falei, enfiando as mãos nos bolsos da minha calça. Solidão seria algo que era esperado quando se estava fadado a ver todos os amigos morrendo de uma maneira ou de outra, ainda que tivesse dificuldades para imaginar Merlin assim. Talvez seus dias fossem um único borrão. Peguei-me imaginando se contava os dias da semana ou se vivia permanentemente de férias, onde não importa na verdade. E lembrei como as férias costumavam ficar chatas logo na segunda semana.

– Vamos nos meter em algum tipo de grande aventura, não vamos Merlin? - perguntei quando atingimos o local do muro que havíamos pulado.

Ele parou.

– Vamos. – falei impaciente, entrelaçando as mãos para lhe dar o apoio que precisaria para subir – E tente não quebrar nenhum osso.

Merlin ficou parado durante mais alguns segundos, como se minha pergunta o tivesse congelado. Então finalmente tomou impulso, pisou em minhas mãos e se içou para cima. Fez todo o movimento em sequência, como se não fosse grande coisa. Quando me ergui seus pés já batiam na calçada do outro lado.

– Feliz que o movimento esteja lhe fazendo bem. – comentei arquejando enquanto me puxava para o alto do muro. - Se continuar melhorando assim em breve poderá se inscrever em algum grupo senhoril de le parkour.

– Isso é algum grupo de circo? - quis saber o velho quando pousei ao seu lado – Apenas estava cheio de ser arremessado por cima de grades.

– Deveria agradecer por não ter ficado preso. – devolvi, guardando a lanterna em minha mochila – Agora vamos, quanto mais cedo encontrarmos o livro mais cedo poderei cair em minha cama.

– “Encontrarmos” ? - perguntou Merlin em tom esperançoso.

– Trabalhando em conjunto. – o corrigi – Eu procurando, você assessorando do jardim.

Resmungou alguma coisa em sua barba, depois me seguiu pelas ruas adormecidas de Londres.

–-x—

– Estou lhe dizendo, não há nenhum livro com essa descrição aqui. – sibilei entre meus dentes para o vazio do escritório do meu pai.

– Bem – respondeu a voz zombeteira de Merlin de algum ponto atrás de mim – Isso é porque não está procurando direito.

Suspirei, sentindo o sono finalmente me alcançar. Havia me esgueirado para dentro de casa e então para o escritório amplo e aberto a grande janela para revelar um Merlin completamente desgrenhado. Enquanto passávamos pelo portão uma lufada de vento havia bagunçado seus cabelos e barba, quase levantando a sua túnica puída. Agradeci aos céus por não ter sido forte demais, ainda não estava pronta para saber se feiticeiros usavam samba-canção debaixo de suas vestes.

O episódio havia estragado o que restara de seu humor e agora parecia estar se esforçando para que me sentisse assim também.

– Vamos lá, não deve ser tão difícil. – me apressou, cruzando os braços no parapeito da janela– Minhas pernas estão cansadas.

Revirei os olhos. Para ele era fácil falar. O escritório de Jonathan Pendragon era um brinco de organização, mas suas enormes estantes cheios de livros que se erguiam até o teto não estavam ajudando. Todo o aposento era de mogno escuro, o chão, as prateleiras, a cobertura da parede que era visível entre as prateleiras e os quadros. Eram muitos quadros, quadros antigos de autores conhecidos e alguns de Morgan que eram a única fonte de cor naquele aposento sério. Havia uma fileira inteira de retratos Pendragon datando até meu tatatataravó. Sabia disso porque um dia tive a triste ideia de perguntar sobre um senhor com cavanhaque e roupas vitorianas. Estava entre a mulher de queixo duplo e olhar severo e a jovem que sorria tanto com os olhos quanto com os lábios finos. Uma hora e meia depois havia sido liberada, a história de toda uma linhagem pesando em minhas costas e o estômago roncando em protesto.

Infelizmente nada daquela lição havia se fixado em minha mente, salvo a persistente ideia de que o homem de cavanhaque tinha morrido enquanto praticava falcoaria na costa sulista. Parecia uma forma bastante estúpida de se morrer, mas meu pai levara tudo muito a sério o que me forçou a reprimir qualquer comentário. Mas isso também não ajudava em nada e parecia que as pessoas dos retratos estavam achando toda a situação muito engraçada.

– Algum dorso de livro antigo. – lembrou Merlin pela enésima vez, me fazendo querer arremessar o exemplar de Direito Civil, volume XVI em seu rosto. Meu pai nem ao menos era advogado, mas parecia querer guardar toda e qualquer informação que poderia algum dia ser útil. Já passara por livros de culinária, de geografia do Alasca e costumes das tribos indígenas norte-americanas. O fato de não organizá-los em uma ordem que eu conseguia entender também tornava as coisas mais difíceis.

– Genealogia dos Pendragon, A história da família Pendragon ou simplesmente A linhagem Pendragon. – enumerou Merlin, citando todos os títulos que conseguia imaginar – Quer que eu suba aí?

– Se você pular essa janela juro que te jogo de volta. – falei sobre meu ombro enquanto subia a pequena escada que me daria acesso às prateleiras superiores. Quase uma hora depois de ter colocado os pés naquele escritório faltava apenas aquela sessão. Se eu chegasse ao seu final sem encontrar o que procurava ficaríamos na estaca zero.

Por isso meu coração começava a palpitar descontrolado à medida que chegava mais perto do fim da fileira. Meu dedo deslizava sobre os dorsos dos livros, enciclopédias, dicionários... Meu dedo parou.

– Encontrou alguma coisa? - perguntou Merlin.

– Talvez. – murmurei, fazendo-o entoar um “Hein?” impaciente.

Puxei o livro para fora, o que o revelou como sendo tão grande quanto a enciclopédia sobre física quântica de poucos momentos atrás. Também era grosso da mesma maneira. Precisei dos dois braços para carregá-lo até a escrivaninha de mogno e quando o larguei sobre a superfície escura Merlin surgia ao meu lado.

– Eu escalei. – desculpou-se.

Revirei os olhos, voltando minha atenção ao livro. Sua capa estava puída, mas dava para ver que algum dia fora de couro. O que significava que era velho. Muito velho. Não dava para ler as letras porque haviam se desgastado enquanto o livro passava de mãos em mãos e depois permanecia décadas em alguma estante nova.

– Cuidado, há folha soltas. – murmurou Merlin sobre o meu ombro quando o abri. Calou-se quando o encarei com o meu melhor olhar “são três e meia da manhã e estou acordada a pelo menos 24 horas”.

Corri os meus olhos pela primeira página. Estava amarelada e borrada em diversos lugares, mas era possível ler o título em caligrafia fina.

– Os Pendragon ao longo das gerações. – leu Merlin – Hah! Meus palpites chegaram muito perto.

– Merlin...

– Certo. – sussurrou – Não chamar a atenção.

– Parece ser algum tipo de prontuário. – comentei enquanto folheava o livro, tomando cuidado para não deixar as folhas soltas caírem para fora. A maioria delas eram retratos feitos com lápis de carvão. Eram todos muito mais bonitos que os quadros que nos observavam e eu soube que Morgan teria um ataque de felicidade se visse aqueles traçados precisos e ao mesmo tempo quase desleixados. As folhas do livro tinham geralmente uma página dedicada a cada Pendragon ao longo dos séculos. Dava para ver que as observações haviam sido escritas por diversas letras e que eram acrescentadas ao longo da vida de cada personagem. Digo personagem porque eram isso que pareciam, com suas datas de nascimento acompanhadas por anos de criação, alguma contribuição à sociedade e construção de uma família própria. Mas o fim era sempre o mesmo. O fim era sempre uma data que marcava sua morte.

– Catalogaram todos eles. – sussurrei quando passei por uma página preenchida apenas por uma linha. “Anamarie Pendragon, morta no leito de parto” dizia a letra trêmula e imediatamente a imagem de um pai em luto preenchendo-a em uma noite tempestuosa me alcançou. Sacudi os ombros, tentando me livrar da sensação desconfortável – Acha que C. E. Pendragon está em algum lugar por aqui?

– Tenho certeza. – afirmou Merlin – Olhe por construtores, pessoas que tenham sido aprendizes de um deles. Talvez lá por 1300.

– Estamos passeando centenas de anos. – falei espantada, nunca imaginei que meu pai pudesse ter algo assim em seu arsenal literário – Simplesmente assim, virando página por página.

– Eu sei, eu sei. – disse o velho impaciente, então estreitou seus olhos e bateu a mão sobre a página que estava prestes a virar – Espere.

Olhei o topo da página e franzi o cenho.

– Clea Eleanor. – li com algum esforço. A tinta estava borrada e as letras estavam quase irreconhecíveis – Achei que procurávamos por um homem.

– Bem, achou errado. – concluiu Merlin e apontou o dedo para uma das linhas que pareciam ter sido escritas às pressas, as letras eram quase um garrancho – “1354 formou-se escultora após oito anos de aprendizagem sobre responsabilidade do grande mestre Holder.” – leu Merlin e deu um pequeno sorriso – Eu conheci Holder.

– O quê?! – quase gritei e tentei me controlar – Claro, tudo isso de imortalidade...

– Não passava de um bêbado extremamente talentoso. – continuava Merlin como se nada o tivesse interrompido – Quando o vi pela primeira vez tinha passado a noite em um chiqueiro porque estava tão bêbado que não conseguiu encontrar o caminho de volta para casa. Mas era um grande escultor, poderia transformar qualquer pedra no que bem quisesse. Tinha uma certa queda por dragões de pedra.

– Clea pode ter aprendido com o melhor. Talvez a assinatura não correspondesse ao construtor do arco afinal. Talvez foi apenas a marca do artista que esculpiu os dragões.

Merlin levantou os olhos do livro empoeirado e me encarou.

– Continua a me surpreender Avina. É impressionante o que pode se esconder dentro de uma cabeça grande assim.

– Nada legal Merlin. – e de repente puxei meus dedos para longe da página como se tivesse levado um choque.

– O que está fazendo?

– Essas páginas são mais velhas que muitas das sete maravilhas do mundo. – falei e quando vi que isso não explicava nada para o velho acrescentei – As folhas são quase tão finas quanto papiro. Não acha que estamos causando algum tipo de dano irremediável?

– Papiro? - depois acenou sua dúvida para longe – Não é papel comum. Há magia nestas folhas. Como uma nuvem tênue, quase tão fina quanto a poeira que as cobre. Mas está aqui, preservando cada palavra.

– Espere – falei, tirando o livro de suas mãos.

– Avina – começou Merlin, mas o ignorei.

Folheei todas as páginas de uma vez, chegando a uma parte que continha apenas folhas brancas. Voltei um pouco e quando achei o que procurava minhas mãos se apoiavam nas duas páginas.

Não sei o que esperava. Talvez alguma coisa sobre o meu curso de férias na oitava série. Ou de quando Morgan ganhou um prêmio em uma exposição da universidade.

No lugar disso as nossas páginas estavam vazias. “Morgan Maximillian Pendragon” estava na folha da esquerda. O meu nome cobria o cabeçalho da página à direita. Isso e as nossas datas de nascimento estavam escritas na caligrafia elegante do meu pai.

– Sangue Pendragon de verdade. – murmurei desconfortavelmente consciente de como minha voz tremia. Nunca a ideia de pertencer a uma família tão velha e realizadora de tratados de paz com países vizinhos, inventores, estudiosos geniosos e defensores do poder real havia me atingido dessa forma. Podia sentir meus ombros se inclinando para frente apenas ao ver meu nome figurar em meio ao daquelas pessoas, cada qual grandiosa à sua maneira.

– Avina. – chamou Merlin, me trazendo de volta à realidade.

– Hmm? - respondi, ainda acariciando meu nome com o dedo. Pobrezinha. Pensei. O que fará para se mostrar digna de um nome como este?

– Você está certa.

– Sobre... ? - demorou o suficiente a responder para chamar minha atenção.

– Sobre a aventura. – retrucou o velho. Sorria e eu sabia porque suas bochechas magras se erguiam um pouco. Não muito, apenas o suficiente – Nós vamos ter uma das grandes. Uma da qual você vai se orgulhar e que encherá essa sua página num piscar de olhos.

Senti meus lábios se curvando involuntariamente.

– Então vamos nos esforçar para fazer tudo direito. – fechei o livro e o empurrei em sua direção – Aqui. Quero que você seja a pessoa a escrever.

– Eu?

– Sim, Merlin. Você. – me arrepiei com a brisa que entrava pela janela. Era fria para uma noite de verão e me lembrou do quanto queria estar em minha cama. Cruzei os braços para me aquecer e lhe dei um sorriso cansado – Apenas me faça parecer legal, sim?


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Notas finais do capítulo

Esse é um dos momentos que quando reler vai partir meu coração. Estou sentindo. Não se esqueçam de comentar porque se você lê e não comenta é como se tivesse pegado meu esforço, suor e lágrimas (drama queen) e não me desse sua opinião de volta.
beijos beijos!



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