Antes Que Você Vá escrita por Isabela


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Depois de muuito tempo, chegamos a 7 reviews! Vitória! kkkkkkkk de qualquer forma, quero agradecer muito a quem está acompanhando a história, e espero que ela esteja agradando vocês, pelo menos um pouquinho!
E, bom, gente, achei esse capítulo legal, porém meio corriqueiro, mas isso é comum em inícios de histórias, o clímax nunca é no início, não é? Enfiiim... estou roubando o tempo de vocês com essas minhas notas enormes.
Boa leitura!



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Capítulo Quatro

Lena e Victoria pareciam duas idiotas. Olhavam-me como se eu subitamente tivesse me tornado uma estranha estúpida, e senti alívio quando as deixei na rua das casas delas. As duas eram vizinhas e moravam em um bairro de casas populares. Não vou negar que sempre soube lá no fundo que parte delas só me enxergava como uma riquinha revoltada, mas nunca liguei para isso também.

Fui para a minha casa, fazendo planos para encher minha cabeça com outra coisa que não fosse aqueles olhos perturbadores de Theo.

Meus pais estavam em casa quando cheguei. Fiquei pensando se eles perguntariam sobre os arranhões nos meus braços, e acabei concluindo que seria melhor eu mesma contar a eles que tinha ido escalar. Afinal, a conta da brincadeira ia estar no recibo do cartão da minha mãe.

Eles já tinham dispensado Jana, por isso encontrei minha mãe na cozinha preparando o jantar. Meu pai não estava em nenhum lugar à vista. Hoje não era dia de plantão noturno para minha mãe, então sair tarde da noite exigiria mais discrição da minha parte.

– Oi – falei naquele tom que usava com minha mãe. Era um tom indescritível, um tom que não levava o mínimo respeito que os filhos costumam ter pelos pais, mas passava longe de ser um tom íntimo também.

Eu não sabia o que havia entre nós duas. Ou o que não havia. Não sei. Acho que não pertencíamos ao mesmo mundo.

E pertenceríamos um dia?

– Oi, Mianah – disse minha mãe com um olhar cansado.

O hospital a deixava exausta, porém ela gostava de lá. Já tinha desistido de entender a paixão dela por ficar no meio de um monte de gente doente e sangrando. Que horror.

– Então, eu… – fui direto ao ponto, e hesitei de um jeito que não gostava de fazer. – Escalei o Pão de Açúcar hoje.

Minha mãe pousou os olhos sobre mim do jeito que fazia quando não queria demonstrar surpresa. Pacatamente. Neutramente. Só que eu não era idiota. Estava vendo sua… preocupação? Ela já tinha notado meus braços machucados, percebi.

– E? – ela limitou-se a incitar.

– Bem, eu usei seu cartão – tirei da bolsa o cartão de crédito dela e coloquei sobre a bancada da cozinha. – Obrigada.

Achei melhor não explicar o que estava fazendo com ele ou qualquer outra coisa. Assim, recuei para a sala e me virei para a escada.

– Boa noite – disse em um tom alto para que ela ouvisse, e subi correndo.

Meu pai estava no quarto, provavelmente. Ou tomando banho. Ele era um pouquinho mais difícil de lidar. Trabalhava na área legislativa da prefeitura; era advogado. E era uma ironia que a filha de um advogado tivesse mais passagens na polícia do que filhas de muitos bandidos por aí.

Eu tinha consciência do quanto seria difícil conseguir uma vaga em uma faculdade, ou um bom emprego em qualquer lugar já tendo eu uma ficha criminal. Mas quem disse que eu iria para a faculdade? Eu não sabia nem o que eu ia comer no jantar hoje, que dirá o que faria no ano que vem. Ou no mês que vem, ou daqui a cinco ou dez anos.

– Beleza – murmurei, tirando minhas roupas sujas e suadas.

Joguei tudo no canto do quarto – havia um canto que não estivesse atulhado de coisas? – e fui para o meu banheiro. Eu estava horrível.

Como uma garota que quase tinha caído do Pão de Açúcar.

Entrei debaixo do chuveiro e não me preocupei em ligar a água quente. Eu gostava do frio, gostava de pensar… às vezes.

Quando havia dito que tinha uma dívida com Theo mais cedo, não estava brincando ou querendo ser irônica. Eu me sentia em dívida com ele. Mas gostava de fugir dos clichês, e ele era um clichê, e pagar dívidas também era clichê.

Eu não gostava de tê-lo em minha cabeça como um ácido corroendo minha massa cinzenta. E mesmo que corroesse e corroesse até que não restasse mais nada, era impossível esquecer o que senti quando o vi.

Espalhei sabonete e espuma pelos meus braços, onde ele tinha tocado e me segurado com força. Eu não era exatamente uma menininha. Eu sabia o que era um homem. Sabia a sensação que um homem poderia causar e sabia muito bem como agir.

Só que eu me sentia muito diferente agora. Theo provocou reações completamente diferentes em mim, erradas e desgovernadas. Mas ele estava perdido no meio de milhões de pessoas que passavam pelo Rio. E eu jamais o encontraria para entender por que ele não me saía da cabeça.

Confuso, eu sei. E é justamente por isso que ele não me saía da cabeça, porque eu nunca fui confusa! E nem boba, como fiquei perto dele.

Talvez precisasse recobrar meus sentidos naturais. Talvez só precisasse de outro choque de adrenalina, para espantar o velho choque da experiência de quase morte. Uma noite na cadeia podia ajudar, quem sabe…

Notei que tinha me prolongado muito no banho, e fechei a água. Eu já me sentia limpa e gelada, tremendo de frio, na verdade.

E os braços de Theo eram tão quentes…

Voltei para meu quarto e procurei roupas limpas no meio da bagunça. Havia um shortinho jeans que eu não usava há séculos, e com ele vesti uma camiseta roxa e um colete de couro por cima. E meus amados All Star, claro. Procurei meu skate debaixo da cama, um planinho básico se formando em minha mente.

Seria fácil sair de casa de skate, silencioso. Eu poderia ir até a pista de skate e depois ir à praia para um mergulho noturno no meio das ondas bravas.

Com a praia no roteiro, joguei meu biquíni dentro de uma mochila, e peguei um pouco de dinheiro dentro da minha fronha (minha carteira secreta). Penteei os cabelos e os sacudi, e passei o delineador com pressa, lembrando-me da tatuagem que eu queria fazer hoje de manhã. Fiz uma anotação mental para marcar a sessão para fazê-la e desci as escadas, pisando leve, tentando identificar onde meus pais estavam. Olhei depois da sala, e os vi sentados em volta da mesa quadrada de vidro na sala de jantar. Os dois pareciam distraídos com o jantar, e notei que estava com fome.

Dane-se. Eu comeria algo na rua.  Saí pela porta da frente e dei a volta na casa, pois as chances de os portões estarem abertos eram nulas. O muro de trás da casa era mais fácil de pular, e saía numa rua calma, onde só havia prédios residenciais.

Joguei meu skate por cima do muro – isso não era muito seguro; podia haver algum coitado do outro lado, mas nem pensei nisso – e escalei o paredão até chegar lá em cima.

E então pulei, como já fizera dezenas de vezes.

Olhei para o chão e vi que não havia atingido ninguém com meu skate. Felizmente. Uma passagem na polícia por danos físicos em alguém não seria uma mancha tão irrelevante na minha ficha.

Desci a rua depressa. Eu dominava bem o skate, e o trânsito médio nas ruas me dava mais chances de voar. A pista de skate ficava um pouco mais longe de casa, mas eu não me importava com o tempo, senão pelo fato de que ele aumentava minha fome.

Eu achei uma baita sacanagem as meninas terem cancelado a pichação. Mas ambas afirmaram que eu “precisava descansar” e “como podia pensar em pichar depois de quase morrer?”. Blá, blá, blá! Comecei a achar que passávamos longe de ser uma “gangue”. Garotas de gangues não ficam apavoradas com experiências de quase morte. E a única coisa realmente ruim que tinha acontecido durante minha experiência de quase morte foi ter conhecido Theo.

Mas ele também tinha me salvado.

Imaginei o que Lena e Victoria diriam se eu contasse a elas sobre Theo. Com detalhes. Se eu lhes dissesse como tinha me sentido atraída por um garoto que não tinha nada a ver comigo, além de ser metidinho e irritante. E lindo, e… bom, não importa, não é? O fato é que elas ririam de mim. Porque eu tinha dito, um pouco antes de conhecer Theo, que garotos como ele não serviam para meninas como eu, Victoria e Lena.

Seria como cuspir no prato que havia comido.

Meus olhos vagavam pelas ruas e se prendiam por alguns segundos em garotos altos e loiros… procurando…

Mas eu não podia procurar por ele para sempre. Aliás, eu não podia procurar por ele nunca.

Eu mesma já tinha dito que garotos como ele não serviam para mim!

E não foi isso que eu pensei quando tinha seu corpo perto o suficiente para beijá-lo.

Legal, legal, eu já podia parar de pensar.

Cheguei à pista de skate dando graças a Deus por ela não estar lotada. O pessoal ainda não tinha chegado, e eu planejava sair antes que chegassem.

Dei algumas voltas, sem sentir emoção alguma. Minhas manobras mais arriscadas não me davam as super descargas de adrenalina de sempre; aparentemente os pensamentos – ou a fome – queimavam a adrenalina.

Desisti de tentar me distrair na pista e coloquei o skate debaixo do braço, e saí andando como uma derrotada.

Eu odiava palavras como “derrotada”, “render-se”, “autoridade”… eu não me encaixava nelas antes, mas hoje, depois que Theo me segurou naquela pedra, elas se tornaram reais.

– Droga – resmunguei comigo mesma. – Droga, droga, droga!

Fiz o caminho para a praia olhando para o chão, remexendo nos cabelos, desconfortavelmente.

Encontrei a praia vazia e fria, sem aquele ar quente e abafado que era comum no Rio naquela época do ano. As barraquinhas de comida estavam indo embora, mas consegui comprar um cachorro-quente com gosto de pneu.

Sentei-me na areia gelada, olhando a maré subir enquanto comia o pedaço de pneu. A água subiu até tocar meus pés, e eu fiquei olhando a lua reluzir na água por um tempo imensurável.

Joguei o papel do cachorro-quente dentro de minha bolsa, e ignorei o biquíni. Além de estar frio demais, eu não estava com vontade de ir àquelas cabines minúsculas para me trocar. Deixei minha bolsa na areia, afastada da maré, e fui molhar meus pés na água. As ondas quebravam na praia com surpreendente força, e quando percebi, o mar já tinha me puxado até os joelhos.

Tombei para trás, deixando a água fria me molhar. Credo, isso era depressivo demais. Eu me sentia tão estranha… como se não fosse mais a mesma pessoa.

Deixei o mar me levar, sem perceber até que ponto havia chegado. As ondas estavam fortes demais, fortes o bastante para que eu perdesse o ar e engolisse várias goladas de água salgada, que queimaram minha garganta.

Ofeguei, implorando por um pouco de oxigênio, perdendo o controle de meu corpo em meio às ondas, perdendo o equilíbrio naquela imensidão profunda, tão semelhante à pedra em que horas antes eu estive pendurada. Agora estava à deriva, incapaz de gritar por socorro.

Algo devia estar tentando me derrubar, só podia ser isso.

Fechei os olhos, sentindo meu corpo pesado afundar em algum lugar.

Eu estava pronta para cair agora.


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Notas finais do capítulo

É isso aí, gente.
Reviews, please!!??
Até mais!