Olhos Penetrantes Na Noite De Natal escrita por Ana Barbieri


Capítulo 1
Olhos Penetrantes na Noite de Natal


Notas iniciais do capítulo

Olá! Desculpem se ficou grande demais, façam um esforcinho ok?



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            E mais uma vez o Natal havia chegado a Londres. As portas das casas já estavam enfeitadas há algumas semanas. O coro de natal se reunia às portas, recitando repetitivamente os versos das canções natalinas. Nevava naquele ano, as crianças brincavam nas ruas, fazendo bonecos de neve ou guerras de bolas de neve. Uma visão digna de um quadro. Eu, é claro, admirava esse quadro, sentada próxima à janela, enquanto esperava meu pai fazer seu próximo movimento no jogo de xadrez.

            _ Agora minha querida, sua vez. – anunciou papai, ao terminar sua jogada.

            Voltei minha atenção ao jogo, e com desinteresse, movi minha torre, sem perceber na idiotice que me metera. Mas o nervosismo com a festa que mamãe organizara para aquela noite me impediam de pensar. Uma reunião de natal organizada para todos os colegas de papai da Scotland Yard, e como sempre, fui instigada a me portar bem. As exigências comuns de Susanna Bergerac.

            _ Algo errado querida? – perguntou papai, fazendo com que voltasse a realidade.

            _ Não... por que pergunta? – indaguei em resposta, torcendo meus cabelos com a mão.

            _ Porque me deixou ganhar uma partida de xadrez. – respondeu ele simplesmente, erguendo-se para encher um copo com vodka. – E também porque não parou de olhar para o relógio desde que começamos nossa partida.

            Eu ri. Era impressionante como ele conhecia bem suas mulheres. Sabia exatamente como estávamos nos sentindo em qualquer situação, e sempre sabia o que dizer para nos animar. Era de se esperar que fosse um grande agente da policia. Me levantei também, postando-me ao lado dele, com as mãos sobre o móvel.

            _ Admirável papai, me estudando assim... como mamãe está lhe pagando para me vigiar? – brinquei, fazendo-o me lançar um olhar entre o divertido e o repreensivo. – A festa de natal de hoje a noite, lembra-se? Ela quer que eu haja como se fosse nascida na realeza. – completei.

            _ Anne querida, sabe que sua mãe não faz nada por mal. – retrucou ele, deixando o copo de lado.

            _ Ela só quer a minha felicidade, e na concepção dela e de toda Londres, isso inclui me vestir impecavelmente, agir impecavelmente e encontrar um marido respeitável. – conclui, sorrindo com desdém.

            _ Absurdo Anne... nenhum homem jamais será bom o bastante para você. Claro, talvez haja alguma exceção que não conheçamos. – disse papai, pensativo. – Enfim, talvez apenas tenhamos que convencer sua mãe...

            _ Me convencer a que Vladmir Bergerac? – perguntou mamãe, entrando na sala.

            Ela já estava começando a se arrumar, logo percebi. Os cabelos presos em cachos por fitas brancas. A parte debaixo do vestido já posta, os olhos claros postos contra os escuros de seu marido, que a analisava da mesma forma. Era agradável vê-los naquela situação que na maioria das vezes deveria se apresentar apenas na intimidade do casal. Mas não na família Bergerac. Após os minutos pressionando-o para falar, o que ele não fez. Ela se voltou para mim.

            _ Anne, para cima, temos que dar um jeito em você. – disse mamãe, altiva. – E Vlad, diga ao George para ir buscar a ave, por favor.

            Troquei um olhar divertido com papai antes de subir as escadas. Mamãe me esperava em meu quarto, enquanto desamassava um vestido verde água, bastante bonito, que eu nunca vira antes. Teria ela se permitido gastar dinheiro com um vestido novo para mim? Não, não Susanna Bergerac. Bati à porta, fazendo-a perceber que estava ali.

            _ Seu banho já está pronto, me avise quando acabar. – pediu ela, saindo do quarto, fechando a porta.

            Ele foi rápido, afinal, mamãe não parava de bater na porta, para me apressar. No fim, já estava limpa e sendo paparicada pela senhora Bergerac. Tendo sido cuidadosamente embrulhada em meias brancas, no espartilho bem apertado e o saião, foi a vez de mamãe se meter com o meu cabelo.

            _ Não acha que sou grande o bastante para me pentear sozinha? – perguntei, irritada com os puxões.

            _ Ninguém mais do que eu sabe o quanto você cresceu Anne, contudo, se eu a deixar sozinha, os convidados só a verão amanhã e completamente desarrumada. – retrucou mamãe, continuando a me pentear.

            Sentada frente à penteadeira, reparei que o vestido possuía um decote arredondado, de ombros caídos, que não eram indecentes, mas muito diferentes de tudo o que usara até então. Respirei fundo e tentei me conter para não perguntar nada sobre o assunto...

            _ Somente os amigos do papai virão? – perguntei, mexendo no pó de arroz.

            _ É claro, apenas os colegas da Scotland Yard e suas famílias. – respondeu minha mãe, me lançando um olhar cauteloso.

            _ Sei... e quantos desses amigos possuem filhos? – questionei, fazendo-a deixar cair a escova de cabelo.

            _ Anne não comece.

            _ O que? Tenho o direito de saber se estou sendo preparada para ser vendida como um escravo, não?

            _ Não há mal nenhum em ficar bonita para ser apresentada, ninguém nesta casa quer vendê-la. Agora pare já com isso e fique quieta, preciso arrumar esse cabelo rebelde. – advertiu ela, pegando alguns grampos enfeitados com pequenas pérolas.

            _ Não vou ter que dançar com nenhum deles se não quiser, então. Sorrir demasiadamente para eles, rir de suas piadas irracionais...

            _ Também não terá de ser uma completa desmancha prazeres. Seja gentil, é tudo o que peço e se comporte.

            Ela prendeu parte do meu cabelo para trás e deixou o resto dos cachos soltos, passou o vestido sobre minha cabeça, com cuidado para não desmanchá-los e fechou-o. Deixando-me desconfortável com a falta de ar. Me olhei rapidamente no espelho, me dando conta de que estava atraente. Já estava quase na hora dos convidados começarem a chegar. Desci para a sala, dando de cara com papai, vestido em seu terno, elegante e charmoso, com seu cabelo acaju penteado para trás e o sempre presente copo de vodka em mãos.

            _ Está encantadora minha querida. – disse ele, caminhando até mim para me dar um beijo em cada bochecha.

            _ Então estou a altura dos anseios da mamãe. – comentei, me sentando. – Ela me disse para ser gentil, como se eu não fosse forçada a nada, mas eu sei que terei que dançar e rir das coisas tolas que os homens geralmente dizem para todas as senhoritas... como se fosse fácil. – resmunguei, batendo os punhos nos braços da poltrona.

            Meu pai sorriu de lado para mim, soltando uma breve risada, sendo acompanhado por mim. É claro que somos opostos em sexo, mas era tão mais fácil falar com papai do que com mamãe. Não que eu a odiasse, mas não falamos a mesma língua. E mesmo que ela tome partido em alguns casos da policia, sempre que vou elogiá-la ou comentar sobre a personalidade dos criminosos, ela me corta e me diz para fazer algo de útil com meu tempo que não me preocupar com os assuntos da Scotland. Ao contrário de papai, que me incentiva e me inspira a ser como sou.

            _ Bem, eu suponho que no fim, ela está certa... não preciso ser tão insociável, até porque odeio quando as pessoas me ignoram...

            _ Mas não consegue fingir se interessar pela conversa de alguém se ela não envolver um fato emocionante. Não consegue ser falsa, assim como sua mãe, ela também sofreu por isso. – disse ele, me fazendo sorrir. Duvido muito. Mamãe deve ter sido perfeita quando tinha a minha idade. – De qualquer modo querida, haja conforme achar que deve agir. Nenhum de nós pretende supor que você encontrará alguém especial essa noite.

            _ Não?

            _ Não. O homem que irá tomar sua mão ainda irá aparecer, e primeiro ele terá que agradar a mim, depois a sua mãe. – ponderou papai, estufando o peito com orgulho.

            _ Nesse caso estou salva. – brinquei. – Uma pena que não haja mais homens como o senhor papai. Que prefiram uma mulher que saiba lutar ao invés de costurar.

            _ Não se preocupe querida, com seu poder de persuasão, herdado da sua mãe, pode facilmente convencê-los a se moldarem a seu favor. – disse papai, me tomando pelas mãos. – E além disso, basta uma oportunidade para dançar com você minha pequena detetive, e eles passaram a observar suas outras qualidades. – acrescentou ele.

            _ Papai! – exclamei fingindo estar extremamente ofendida.

            Os convidados começaram a chegar em seguida, Lestrade com sua esposa e o filho, William, que elogiou minha aparência e se ofereceu para me acompanhar em uma dança, ao que eu me forcei a aceitar. Para a minha sorte, alguns dos oficiais também possuíam filhas, porém com irmãos mais velhos. A casa ficou lotada de pessoas, em um dado momento dividido entre mulheres de um lado e homens do outro. Papai na maior parte do momento ficava sério quando estava com seus colegas, agora, no entanto, estava completamente solto e a vontade. Mamãe agia de forma ponderada, como as outras mulheres, suas jovens filhas e filhos também estavam reunidos em grupos separados.

            _ O senhor Lestrade parece bastante interessado em você senhorita Bergerac. – disse uma das filhas dos oficiais, Madelaine. – Não para de olhá-la por um minuto.

            _ Isso porque ainda não tivemos a oportunidade de dançar, como ele me pediu, depois disso desistirá de mim. – comentei, tentando conter uma ironia. Alguém batera a porta de repente, e eu aproveitei a deixa para sair dali. – Pode deixar comigo Laura. – disse a criada, que se apressara em atender.

            Um casal de senhores estava parado à porta, com seus ternos e cartolas. Um deles usava uma bengala e possuía um rosto bastante peculiar, com olhos penetrantes e espertos, nariz aquilino e queixo quadrado, dando a ele um ar elegante e decidido. Era mais alto do que o outro, mas talvez fosse pelo fato de ser muito magro. Seu companheiro, também alto, possuía olhos gentis e um respeitável bigode por sobre a boca, também ornada com um sorriso encantador.

            _ Com licença, aqui é a residência dos Bergerac? – perguntou ele.

            _ Sim senhor, e vocês seriam...?

            _ John Watson e Sherlock Holmes, fomos convidados para um jantar de natal nesta residência. – explicou o homem muito magro.

            _ Oh, por certo que sim! Entrem! – então eram aqueles os famosos Dr. Watson e Senhor Holmes, o famoso detetive e assistente. Papai me falara tanto sobre eles, será que pensariam que eu era uma criada por ter atendido a porta? – Um prazer conhecê-los, senhorita Anne Bergerac. – cumprimentei de pronto para acabar com algum mal entendido.

            _ Ah, a filha de Vladmir. Ouvimos falar da senhorita, por certo. Um prazer enorme conhecê-la. John Watson. – cumprimentou o homem de sorriso encantador, retirando a cartola e tomando minha mão para beijá-la.

            _ O prazer é meu senhor Watson, e o senhor deve ser o famoso senhor Holmes. – cumprimentei mais interessada.

            _ Senhorita Bergerac. – cumprimentou-me ele, também repetindo os gestos de seu companheiro.

            _ Ah! Holmes! – exclamou meu pai em aprovação. – John! Finalmente chegaram, podemos começar a ceia agora. – disse, lançando um olhar cúmplice para minha mãe.

            Para meu azar, o filho de Lestrade se sentara ao meu lado, enquanto Sherlock se sentara ao lado de meu pai, de frente para minha mãe. O assunto a mesa fora apenas comentar a saúde de parentes, as qualidades de filhos e filhas... assuntos de praxe que me deixaram bastante entediada, enquanto William fazia seu máximo para chamar minha atenção.

            _ A senhorita me prometeu uma dança. – lembrou ele, quando terminamos de jantar.

            _ É claro senhor Lestrade, minha Anne jamais descumpre com sua palavra. – disse minha mãe. Não nunca, não que a senhora saiba.

            _ Por certo que sim senhor Lestrade, mas, queira me desculpar, ainda estou um pouco tonta pelo tanto que comi. Sinto muito, talvez, mais tarde. – eu disse, tentando me safar. Correndo para me sentar perto da janela, sem reparar nos dois cavalheiros que ali estavam.

            _ Ah, senhorita Bergerac. – cumprimentou novamente Watson. – Não vai dançar?

            _ Não... sou uma péssima bailarina, minha mãe bem o sabe. Mas insisti em me ensinar, para sua frustração. – respondi, com um sorriso.

            _ O pobre filho de Lestrade parece estar inconsolável com sua substituta. – observou Holmes, com um tom desdenhoso. – Sua desculpa parece que o ofendeu, visto que ele deve ter percebido que não comera muito.

            _ Bem sei de seu talento para observar pequenos detalhes senhor Holmes, mas duvido que o filho de Lestrade o tenha. Sendo filho de quem é. – comentei maldosamente.

            John riu. _ Também o desaprova? – perguntou mirando Holmes.

            _ Divido muitas opiniões com meu pai, é claro, e esta é uma delas. Ele sempre pareceu se intrometer na minha educação. Sempre cortes com papai ao comentar sobre o quanto sou esquisita. – desdenhei. – Bem, se ele quer me jogar nos braços de seu filho, é melhor pensar duas vezes.

            _ Vejo que estão fazendo-a se sentir mais a vontade senhores. – disse papai, se aproximando de nós. – John, Susanna estava lhe procurando.

            _ Claro. – disse ele, se levantando para ir até mamãe. – Fará companhia a senhorita Bergerac Holmes?

            Seu companheiro apenas acenou com a cabeça. Mas depois da partida de Watson, Holmes não disse mais nada, apenas observava os convidados da festa com desinteresse. Parecia tão entediado de estar ali quanto eu. Meu pai não mencionara, graças a Deus, pois isso me faria corar violentamente, sobre como sou fã de seu trabalho. É um prazer ouvir sobre os estudos de Sherlock Holmes. Contudo, seria indelicado de minha parte comentar sobre o assunto visto que ele também não está falando?

            _ É tedioso não é? – perguntei por fim.

            _ Como disse senhorita? – questionou ele, parecendo não ter ouvido.

            _ Tedioso. – repeti. – Particularmente não aprecio essas reuniões. Quero dizer, sempre que há uma festa, tenho que me comportar excepcionalmente bem e fingir gostar de todos.

            _ Acredito que é o esperado das damas. – comentou ele, parecendo não querer falar. Sorri sem jeito. – Me perdoe senhorita Bergerac, não sou a melhor companhia do mundo para uma jovem senhorita.

            _ Acredite em mim, prefiro o seu silêncio do que ter que me ver forçada a rir de uma piada ridícula. Minha garganta dói por dias, quando isso acontece. – contei, fazendo-o sorrir de lado.

            _ Neste caso, melhor ficar longe do filho de Lestrade. Sua garganta doeria para sempre. – ponderou Holmes

            _ Conhece-o tão bem assim para julgar?

            _ Não. Mas conheço o pai e a mãe. – disse ele, me fazendo rir. – Forçou-se agora?

            _ Não. Este foi sincero.

            _ MEIA NOITE! – anunciou minha mãe, ao lado de meu pai. – Feliz Natal a todos! – ela desejou, depois lançando um olhar discreto para papai, que após retribuí-lo, fora cumprimentar o resto de seus amigos.

            _ Feliz Natal Holmes! – disse papai, apertando suas mãos nas dele. – Feliz Natal minha querida. – murmurou ele, beijando minha testa.

            _ Feliz Natal papai! Feliz Natal mamãe! – disse a ela quando se aproximou de mim para me abraçar. – Feliz Natal John! – desejei a Watson quando ele se aproximou de nós, num ímpeto quase desejara para Holmes também pronunciando seu primeiro nome. Contudo, algo me impediu. Talvez seus olhos, ou o fato de que naquele momento, sua presença impunha respeito a mim... mal sabia que daqui ali alguns meses, isso mudaria completamente. Mesmo assim, naquele momento, eu apenas me curvei e disse:

            _ Feliz Natal senhor Holmes. – desejei de forma delicada.

            _ Feliz Natal senhorita Bergerac. – desejou de volta, com um sorriso tão encantador quanto o de Watson.

            A noite terminara bem, e eu percebi certos olhares de meu pai para mim depois dela, e sempre que comentava do senhor Holmes. Talvez naquela época ele já soubesse e fora de propósito que me mandara para Baker Street após sua morte e a de mamãe. Não apenas por confiar no caráter dele, mas também por ele ser o único que agradaria a ele antes de mamãe, o único ao qual ele confiaria seu maior bem.


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Notas finais do capítulo

Esses eventos se passam bem antes da morte de Susanna e Vladmir, logo fazia muito tempo que Holmes e Watson não viam Anne num vestido bonito e arrumado, por isso justifica a surpresa em Portas da Contradição.
Bem, dedico este aqueles que ainda se interessam por Anne Bergerac e Sherlock Holmes! E a Emily por ter me dado a ideia, obrigada querida, no ano novo juro que faço a do Watson.
UM FELIZ NATAL PARA TODOS OS MEUS LEITORES! E TODOS DO NYAH!