Outono escrita por murilo


Capítulo 3
capítulo dois. balões




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Meu irmão ficou com seus amigos até tarde da noite. Acho que ele tem uma namorada, porque eu o vi sozinho com uma garota às vezes. Meu pai só chegou em casa de madrugada, eu já estava deitado porque já havia acabado de estudar, mas não dormia. Fiquei pensando em minha mãe e como ela está, mas isso não me fez bem, então comecei a pensar em como eu queria ter um cachorro. Certo momento até pensei em ir procurar na internet sobre raças, para escolher uma. Mas então, eu ouvi o barulho da porta da frente e voltei a deitar.

Eu sabia que era meu pai, então não me preocupei. Mas ele estava na sala fazendo muito barulho e falando coisas em um tom alto, mas eu não conseguia entender nada. Eu me levantei tentando não fazer barulho e fui até a sala e encontrei meu pai chorando muito e caído do chão, junto pedaços de um vaso que ele deixara cair. Ele estava bêbado e seu nariz sangrava. Corri até ele e acho que um pedaço de vidro do vaso me cortou o pé, eu não liguei.

Abaixei-me ao seu lado e ele se abraçou em mim, manchando meu pijama de sangue e lágrimas. Notei que ele tinha um olho roxo e inchado. Me abracei nele e ficamos assim por um tempo. Depois, fui até a cozinha e peguei gelo e entreguei para ele. Ele já havia recolhido os cacos de vidro e não me agradeceu quando eu entreguei o gelo, não que eu fizesse questão.

– Desculpe pela sua camiseta. – Ele falou meio enrolado, só fui entender o que ele quis dizer uns segundos depois.

– Tudo bem. O que aconteceu com você?

– Eu bebi e me meti em uma briga. – Ele falou com tanta naturalidade que me assustou. Meu pai nunca havia feito isso.

Reviro os olhos e tento carrega-lo até seu quarto. Depois de um tempo, ele se solta de mim e vai sozinho. Eu volto a deitar e me lembro de algo, algo que eu não sei como fui esquecer. O aniversário da mãe seria semana que vem e, agora eu entendo porque meu pai começou a enlouquecer. Na verdade, não entendo, mas agora sei o que desencadeou tudo. Finalmente durmo.

Acordo mais atrasado ainda que no dia anterior e, dessa vez, descubro que meu pai não está em casa. Eu faço quase tudo que, em um raro dia que não estou atrasado, faria em 10 minutos, em apenas dois. Mas, quando saio de casa, percebo que não coloquei meus tênis e ainda estou usando minhas pantufas.

Enquanto vou praticamente correndo para a escola, fico pensando na prova de matemática e revisando o conteúdo, tudo dentro da minha cabeça. De repente, ouço risadas e piadas imbecis vindo de perto de mim e me viro para trás. Alguns babacas estão com balões cheios de água, provavelmente uns quatro garotos, cada um com dois ou três balões. O garoto mais alto e forte começa e me joga um balão, que não me acerta. Porém, o segundo joga alguns segundos depois e me acerta em cheio no braço, molhando toda minha roupa e meus livros e meus pensamentos. Não consigo raciocinar direito para correr, por isso, recebo mais um ataque, que acerta minhas costas em cheio. Quando finalmente saio de uma espécie de transe, começo a correr tão rápido que preciso olhar para as minhas pernas e me certificar de que estou em meu corpo, mesmo. Olho para trás, em relance, e vejo que todos os garotos correm atrás de mim, me atacando, mas consigo desviar de quase todos os balões, exceto por um, que acerta meu pé. Apenas um garoto possui um balão e ele para quando eu atravesso a rua sem prestar atenção. Todos param.

Eu olho para o lado e vejo um caminhão gigantesco vindo em minha direção. E tudo para. Eu olho para os lados, vejo os rostos das pessoas perplexas. Os garotos que me perseguiam estão de costas, correndo, mas congelados. Uma garota se esconde entre os braços da mãe, um cachorro late. Mas tudo está parado, até eu. Eu não consigo me mover, mas eu consigo ver tudo, como se eu tivesse vários olhos em volta da minha cabeça. Eu consigo me ver parado, congelado. Na frente de um caminhão e minha expressão é de puro medo e terror.

De repente, minha visão 360º fica turva e eu sinto que estou caindo em um abismo, mas eu olho para baixo, sem conseguir enxergar muito bem, e vejo apenas o paralelepípedo. Porém, tudo parece longe, como se algo estivesse me puxando para a escuridão e eu estivesse tentando me segurar em algo, mas não estivesse encontrando nada para o mesmo. De repente, perco a visão e tudo fica branco, como se eu estivesse olhando para o sol, e dói do mesmo jeito. Aliás, dói muito mais. Eu ainda sinto como se estivesse caindo, sinto frio na barriga e meus pelos do braço estão eriçados. Mas eu não consigo sentir mais nada, é como se eu fosse o vento, vento soprando em um desfiladeiro. De repente, do branco, tudo passa a ser preto, mas por pouco tempo.

De repente, lá estou eu de novo, parado no meio da rua. Coloco os braços na minha frente esperando que isso me salve do caminhão, como se fosse útil. Mas não havia barulho, nem de carros, nem de pessoas, nem de cachorros, nem de caminhão. Olhei para os lados, e tudo estava muito quieto. A única coisa que se ouvia era as folhas caindo da árvore. Os garotos com os balões, a criança se escondendo, o cachorro. Nada estava ali, muito menos o caminhão. Dei um pulo e saí correndo, tudo era tão monótono que parecia um conto de terror. A qualquer momento, eu sentia que os garotos reapareceriam, ou algo pior. Mas nada aconteceu, eu apenas continuei meu caminho para a escola, com medo. Cheguei uns 10 minutos atrasado, mas a prova não havia começado ainda. Eu não consegui raciocinar direito na prova, por isso acho que fui mal.

Na hora do almoço, eu estava sentado em uma mesa, sozinho, como sempre. Eu estava meio tonto sobre tudo que aconteceu naquele dia, porque eu não havia entendido o que havia acontecido. Eu vi o caminhão, eu senti algo que nunca havia sentido e, do nada, ele havia sumido. Acho que isso é meio que impossível. Além disso, depois de que eu saí daquele transe, as pessoas me parecem diferentes de antes. Ninguém mais olha para mim com pena ou com desgosto, eles simplesmente não olham. Parece que todo o mundo adotou uma aparência e cor diferente, como se fosse um seriado ou um filme de suspense. É como se eu estivesse em um mundo diferente. Eu me perdia em pensamentos quando eu vi que uma menina se sentou na mesma mesa que eu.

– Oi. – Ela era bonita, tinha cabelos vermelhos e os olhos verdes, sua pele era tão clara quanto neve e seu cheiro era de baunilha misturada com cigarro, porque ela segurava um entre os dedos da mão direita.

– Hum, oi. – Eu fiquei um pouco envergonhado porque ela era, provavelmente, a menina mais bonita que eu já havia falado por uns anos. Desviei meu olhar para o monte de folhas que haviam caído das árvores, pela janela.

– Quer um? – Ela me estendeu a mão com um cigarro na palma. – Eu tenho fogo.

– Não, obrigado. Eu não fumo. – Me senti ridículo, como se eu fosse a pessoa menos descolada do mundo. Bom, eu sou, só não queria aparentar.

– Tá. – Enquanto fumava, ela ficava olhando para mim, com aqueles olhos, olhos tão bonitos que pareciam ver toda minha alma. De vez em quando, virava a cabeça para o lado e soprava a fumaça, depois, retornava o olhar para mim.

Ela parecia tão diferente das outras pessoas, porque ela tinha uma cor diferente, como se fosse mais colorida. Isso era evidente. Sua pele parecia mais branca que a pele branca das pessoas, que aparentavam ser encardida. Eu não conseguia parar de fita-la, apesar de toda vergonha.

– E então, por que você está sozinho?

Ela me perguntou, mas eu demorei mais de um minuto para responder, pois eu precisava antes sair da agonia de vê-la ali, sem fazer nada.

– Porque eu não tenho amigos.

– Legal. – Eu achei isso meio estranho, então olhei meio incrédulo para ela. – Legal porque eu também não tenho.

– Mas você fuma. – Isso parecia algo comum para mim: pessoas que fumam são descoladas e possuem amigos. – Desculpe, não foi o que eu quis dizer.

– Tudo bem. Mas eu não tenho amigos porque eu sou nova aqui. – Ela sorriu e eu quase lacrimejei, porque seu sorriso era tão lindo a brilhante, tão mais brilhante que o Sol, e eu achei isso estranho.

– Ah, por isso eu nunca tinha te visto.

– É.

Ela pegou um pedaço de papel e escreveu algo, depois, pegou um cigarro, enrolou o papel nele e me entregou.

– Eu não fumo, já disse. – Olhei para ela meio confuso, mas ela fez como se nem tivesse ouvido.

Apenas se levantou e falou “Me liga”. No papel, havia seu número. E eu me senti imensamente feliz, porque nenhuma garota já havia me pedido para ligar para ela. Eu só sorri, ela já tinha ido embora, e eu sequer sabia seu nome. Olhei o papel novamente, e lá estava seu nome, onde há segundos atrás, havia seu número, “Alice”. Dei um pulo quando eu olhei para o horizonte, procurando-a, e ela não estava mais e, quando voltei para o papel, lá estava seu número de novo.

“Alice”, sussurrei para mim mesmo, e apenas sorri. As pessoas sem cor olhavam para mim sem expressão e eu me retirei, sem nem mesmo ter acabado meu almoço, porque eu não sentia fome.

Depois das aulas, eu tinha psicólogo, porque era quarta e, porque, depois que a mãe morreu, eu tentei me cortar e, meu pai, como estava depressivo e louco, pensou que havia passado sua doença para mim, mas não, eu só queria me cortar porque eu estava triste, e só. Mas eu tinha que ir, então tomei o caminho.

No meio do caminho, eu parei. Minha visão ficou branca, novamente, e o sentimento de queda voltou. Eu tentei me agarrar em algo, mas não havia nada, era como se eu estivesse em um grande tudo branco, liso e infinito, sempre caindo. De repente, eu vi o caminhão, os meninos, o cachorro, eu estava no meio da rua, e ele ia me acertar. De repente, tudo ficou negro, e eu estava na frente do escritório do meu psicólogo. Olhei para o céu, para as árvores, mas não pessoas, porque não havia ninguém além de mim no local. Tudo parecia mais escuro que antes.



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