Premonição 6: Inferno escrita por Lerd


Capítulo 8
Derrocada


Notas iniciais do capítulo

Capítulo postado. Ele demorou mais do que de costume porque estou com alguns compromissos pessoais e tudo mais, mas está aqui, e espero que gostem e comentem. Se notarem alguns errinhos de digitação/português, POR FAVOR ME AVISEM, esse cap. eu revisei com um pouco menos de cautela e tal... Enfim, enjoy.



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            Jill tremia. Ali, na beira da praia, fazia frio. Atrás dela havia a capela. Pequena, singela, mas extremamente bonita. A garota se sentia em paz, apesar de tudo. Era como se todas as coisas ruins que estavam acontecendo, todas as mortes, fossem apenas um pesadelo. A sua realidade era aquela, em que ela estava simplesmente passando férias ao lado do namorado.

            — Oi. — Ele disse de modo acanhado.

            A garota virou-se repentinamente e viu René. O rapaz retirou sua jaqueta de couro azul e colocou sob os ombros da namorada, sentando-se ao lado dela em seguida.

            — Como você conseguiu escapar? — Jill perguntou.

            — Eu falei que ia tomar um ar.

            — Uau, uma mentira. Eu acho que é a primeira que você conta.

            René sorriu. Ele olhava para o mar, sem prestar atenção nas expressões faciais da namorada.

            — Na verdade não é uma mentira... Eu não estou tomando um ar?

            Jill meneou a cabeça positivamente, e então deitou-a no ombro de René.

            — Por quê? Jill?

            A garota não entendeu a pergunta.

            — Oi?

            — Você sabe me dizer por quê?

            — Por que o quê, René?

            — Por que está acontecendo tudo isso. — O rapaz explicou. — Comigo. Com essas pessoas. Por que todo mundo está morrendo? O seu Vlad, o Aaron, aquela garota da bicicleta... A Cherry! Até aquele rapaz, o de boné...

            — Zane. — Jill disse, sentindo um nó na garganta.

            — Eu... — René não sabia direito como completar seu raciocínio. — Eu não pedi por nada disso... Sabe? Tem tanta gente por aí querendo ter premonições, visões, qualquer coisa assim. Gente que daria tudo para poder ver coisas. Mas eu não sou uma dessas pessoas. Eu não pedi por nada disso. É uma maldição.

            Jill continuou calada. Ela não saberia dizer nenhuma palavra de apoio naquele momento, simplesmente porque concordava com tudo o que René estava dizendo. A visão que ele tivera fora realmente uma maldição.

            — Nós temos que voltar. — A garota falou. — A Pam e a Melissa devem saber como deter a lista. Se ficarmos todos juntos, talvez...

            — Talvez... — René murmurou. — Não dá pra viver assim.

            — Não é pra sempre. — Jill retrucou.

            — E se for? — O ruivo olhou diretamente nos olhos escuros da namorada. — E se nunca tiver fim? A Pam... Ela não me parece ter tido uma vida fácil. Desde que ela sobreviveu à lista da primeira vez... Ela não me contou nada, mas eu vi nos olhos dela que o que ela viveu foi uma vida de medo. Uma vida de angústia, sem saber quando a sua vida seria tomada. Quando a morte a levaria.

            — E no que isso a torna diferente de qualquer um de nós? Eu não estava na lista, mas e daí? O meu dia pode ser amanhã, a minha morte pode acabar vindo antes da sua. Ninguém sabe a hora da própria morte. Nós sempre imaginamos que ela está localizada num futuro distante e obscuro. Nunca nos ocorre que a nossa morte possa acontecer, sei lá... Amanhã. Hoje. No fundo todos nós estamos na lista da morte. Todos nós. Eu, você... A diferença é que agora vocês sabem. Sabem que a hora está próxima. E que vocês podem se defender.

            René tentou digerir aquelas informações por alguns instantes. Fazia sentido, no fim das contas. Oh, Jill. Eu a julguei mal, desde sempre. Você não é a pessoa que eu pensei que você fosse. Felizmente. Você é muito, muito mais. Você é a mulher da minha vida.

            — Vamos. — O ruivo disse, de repente.

            — Vamos aonde?

            O rapaz sorriu um sorriso enigmático. Respondeu:

            — Nos casar ué. Não era esse o plano?

            E então ele levantou-se e tomou a namorada pela mão. E juntos os dois seguiram, de mãos dadas, em direção à capela.


x-x-x-x-x

            Helena já estava completamente vestida quando disse:

            — Isso foi errado.

            Hank continuava sentado na poltrona, usando apenas suas boxers. Marsellus por sua vez, continuava a dormir tranquilamente. O rapaz inclinou-se para frente e bagunçou os cabelos. Disse:

            — Isso foi lindo.

            A mulher não parecia convencida. Ela jogou a camiseta do mágico em cima dele, indicando que ele deveria vesti-la, e falou:

            — Eu tenho idade para ser a sua mãe. Você não é muito mais velho que os meus trigêmeos.

            — Você tem três filhos?! — Hank perguntou, divertindo-se, enquanto colocava a camiseta. Helena concordou meneando a cabeça e verificando sua aparência no espelho do quarto.

            Eu ainda sou bonita o suficiente, ela concluiu. Eu ainda posso ser amada. Então porque mesmo após ter feito sexo com um rapaz jovem e atraente, ela sentia-se tão vazia? Por que Helena não conseguia sentir-se como se fosse atraente e desejada? A cada vez que ela olhava no espelho, ela só conseguia ver uma mulher infeliz. Uma mulher que vivia na sombra de um homem por quem ela faria de tudo, mas que ela sabia, jamais a amaria na mesma intensidade que ela o amava. O amor da mulher por Marsellus era maior que todas as coisas do mundo, ela achava. Transcendia qualquer tipo de amor, e só era comparável ao amor que Helena tinha pelos próprios filhos. Ela imaginava que jamais fosse ser capaz de amar alguém como amava aquele homem. Aquele homem que ela jamais poderia ter. Aquele homem que não sabia amar.

            — Sabe... — Hank começou, colocando as calças. — Eu sonhei várias vezes com como seria a minha primeira vez... Mas eu jamais imaginei que fosse ser dessa forma.

            Helena largou o batom que estava em sua mão na mesma hora. O objeto caiu no chão e espatifou-se, deixando diversos pequenos pedaços de cacos de vidro.

            — Você... — Ela começou, sem tirar o olhar do espelho. Através dele ela podia ver o rapaz sentado na poltrona, com seu sorriso malicioso e seus lábios doces. — Era virgem?

            Hank sorriu de maneira acanhada e abaixou a cabeça. Helena correu até ele e ajoelhou-se na frente do rapaz, colocando as mãos em seus joelhos. Disse:

            — Oh, meu Deus! Eu não sabia, eu não... Isso... Não foi certo... A sua primeira vez deveria ser especial. Com alguém que você amasse e...

            O rapaz calou a boca da mulher com um beijo, do qual ela se esquivou rapidamente.

            — Não, Hank! Você merecia mais! Você merecia uma garota bela e jovem, e que te amasse e...

            — Eu não quero nenhuma garota bela e jovem, eu quero você! Eu te amo Helena!

            Oh, Deus, ele é jovem, tão jovem. Helena esquecera-se disso quando o encontrara no quarto. Naquele momento o desejo fora maior do que qualquer coisa, mas ali, cara a cara com ele, ela percebia os detalhes do rosto do rapaz. A pouca barba, o olhar doce, as feições joviais. O que eu fiz? Ela seduzira um garoto, e agora ele dizia que a amava.

            — Hank! — A mulher exclamou, tentando não gritar para não acordar Marsellus. — Nós tivemos dois encontros. Você não pode me amar.

            — Mas eu amo! — O rapaz insistiu. — Eu...

            Antes que Hank pudesse continuar sua fala, alguém apertou a campainha do quarto. Helena apressou-se em terminar de passar sua maquiagem, enquanto o rapaz demorava-se propositalmente em calçar seu tênis. A mulher olhou de soslaio para o mágico antes de abrir a porta, para garantir que quem quer que fosse não os pegasse desprevenidos.

            Era Pam.

            — Oi, eu sou a Pam, não sei se você se lembra de mim, eu estava...

            E então a mulher viu Hank dentro do quarto. Era ele quem ela viera procurar, mas definitivamente não esperava encontrá-lo ali. Mesmo assim, imaginava que Helena ou Marsellus saberiam seu paradeiro, já que ele fora encontrá-los na última vez que a mulher o vira.

            — Oh, Hank! — Pam entrou sem pedir licença e correu na direção do rapaz. — O René fugiu. Ele fugiu!

            — Como?!

            — Eu não sei onde ele está. Ele simplesmente saiu e não voltou mais.

            Helena aproximou-se dos dois e falou, mesmo sem entender direito a situação:

            — Eu posso ajudá-los a procurar. Eu tenho um amigo na polícia, eu vou ligar para ele. — A loira então saiu de perto dos dois, procurando um telefone para fazer contato com o tal amigo.

            Pam observou o rosto de Hank por alguns segundos e conseguiu concluir:

            — Você não contou a ela. Nada. Sobre a lista. Sobre tudo.

            O rapaz abaixou a cabeça, envergonhado.

            — Eu não tive tempo, eu não...

            — Tempo?! — Pam exclamou, sem preocupar-se com Marsellus dormindo. Ela provavelmente nem o viu. — Você saiu pra se encontrar com esses dois há horas! Você tem ideia do que aconteceu enquanto você estava fora? — E o rapaz negou com um aceno de cabeça. — Aquela garota, Amanda, Cherry... Ela morreu. — E diante da expressão de choque do rapaz, a mulher falou: — Sim, morreu. Ela foi atacada por um tigre. O Brody e a Melissa tentaram salvá-la, mas eles não conseguiram. Você sabe o que o meu filho foi obrigado a ver?! — Pam gritou. Helena aproximou-se deles, com o telefone no ouvido, um pouco chocada. Ela não ouvira o que a mulher dissera, apenas percebera que aquela não era uma conversa agradável. — Ele viu o bicho arrancar as tripas da garota para fora. Ele... — E então Pam começou a chorar. — O meu bebê foi obrigado a ver uma coisa horrorosa dessas... — As lágrimas caíam com facilidade, e a mulher quase não conseguia falar direito. — Enquanto você está fazendo o quê?! Me diz? O quê?!

            Hank mantinha a cabeça abaixada e chorava copiosamente. As lágrimas saíam de seu rosto e caíam no chão, molhando o carpete. Helena estava atônita sentada na cama ao lado de Marsellus. Ela já não mais tentava contato por telefone.

            — Eu não estava fazendo nada. — O rapaz confirmou, entre soluços.

            Pam meneou a cabeça negativamente, visivelmente decepcionada. Ela então falou:

            — Conserte isso. Agora. Eu vou atrás do René. — E dirigiu-se até a porta. Antes de sair virou-se para Helena e disse: — Preste atenção no que ele vai te dizer. Por favor, é muito importante. Muito mesmo. E... Me desculpe por ter gritado com o seu marido dormindo. — E saiu.

            Helena então olhou para Hank com uma expressão de dúvida, como quem não tinha entendido nada. O rapaz não sabia o que fazer. Ele tinha uma tarefa, um dever, mas as palavras de Pam não sairiam da sua cabeça com tanta facilidade. A mulher não sabia que ele salvara Cherry. Sabia? Provavelmente não. Ela não seria cruel em detalhar a morte da garota se soubesse que Hank fora o responsável por tirá-la das ruínas. Que ele fora o responsável por condená-la àquela morte cruel e dolorosa. Oh, Amanda, me desculpe...

            — Hank, me fala. O que está acontecendo?!

            O rapaz então suspirou e, entre soluços e suspiros, contou tudo à Helena.


x-x-x-x-x

            Babe estacionou o carro há algumas quadras da clínica de inseminação artificial. Ela dirigira o mais rápido que conseguira, então imaginava que fosse chegar antes de Quentin. Mas então a mulher percebeu uma falha no seu raciocínio: ela simulara um ataque. Ela pedira ajuda. E se o rapaz chamasse a polícia? E se ele viesse acompanhado dos policiais? Eles atrapalhariam tudo, e Babe teria de explicar toda a situação. Ela podia estar em apuros.

            Não, isso não vai acontecer. Ele falou para eu ligar para a polícia. Eu.

            A clínica estava fechada àquela hora da madrugada. Babe sabia que Amy ficava trabalhando até tarde por várias vezes, chegando a passar a madrugada toda no serviço. Sozinha. Então a desculpa fora perfeita. Mas ela não tinha certeza quanto àquela noite. Se a garota estivesse ali, Babe teria de dar um jeito de tirá-la sem chamar a atenção. Já se ela não estivesse...

            Seria melhor ainda.

            A ruiva discou para o número da clínica e ninguém atendeu. Discou de novo. Novamente nada. Babe então tomou coragem e seguiu até a entrada do lugar. A porta era de vidro, mas a garota sabia como abri-la sem problemas. Aquela fora uma das muitas coisas que ela aprendera durante a sua conturbada adolescência, e era uma das quais jamais se esquecera.

            Passaram-se quarenta segundos entre a chegada de Babe até a entrada da clínica e a chegada de Quentin. A mulher deixou a porta aberta e escondeu-se dentro de uma das salas. O lugar estava escuro, sendo iluminado apenas por uma fraca luz azul que vinha da recepção. Ao seu redor havia diversas mesas gélidas e em tons frios, e o lugar parecia ser capaz de congelá-la. Aquela devia ser a sala onde eles mantinham os espermas dos doadores, Babe imaginou. Ela não entendia de inseminação artificial, mas seria a única explicação pra temperatura do lugar.

            — Olá? — Ela ouviu uma voz gutural dizer. — Amy?

            A ruiva então tirou o canivete do bolso de seu short jeans.

            — Amy! — Quentin insistiu.

            Babe ergueu a cabeça para poder ver onde ele estava. O homem passou em frente a sala onde ela estava, e ela pode vê-lo através da fresta. A ruiva tremeu quando percebeu o que ele tinha em mãos.

            Uma arma.

            Você é mais forte do que isso Babe. Por Zane.

            E então ela jogou uma caneta, que estava próxima, no chão, atraindo a atenção do homem. Ele correu rapidamente até a sala, chamando:

            — Amy?!

            Quentin caminhava lentamente, com a arma empunhada. O coração de Babe estava disparado, batendo mais forte do que ela jamais imaginara ser possível. Quando o homem passou em frente a ela, sem perceber a sua presença, a ruiva cravou o canivete em seu calcanhar.

            O negro caiu no mesmo instante, fazendo a arma escorregar por alguns metros. Babe levantou-se rapidamente, e correu para pegá-la. Mas o homem segurou-a pelo pé, fazendo-a cair no chão.

            — Sua puta! Que merda você está fazendo?! — Ele disse.

            A ruiva ignorou-o e começou a se arrastar na direção da arma, enquanto Quentin tentava puxá-la pelas pernas. Ele não conseguiria se levantar, com o canivete em seu calcanhar. Babe esperava que tivesse cortado seu tendão de Aquiles, e o impossibilitado de andar em seus últimos momentos de vida.

            Babe então deu um chute no rosto de Quentin, e o salto de sua bota atingiu em cheio e com força a boca do rapaz, quebrando-lhe alguns dentes. A ruiva teve tempo suficiente apenas para pegar a arma, antes que ele pulasse contra ela com toda a força, espumando de raiva, fazendo-a bater o rosto no chão e sentir como se cada osso de face se quebrasse.  

            — Morra maldito! — Ela gritou, desferindo alguns tiros contra ele.

            Por sorte ou destino, nenhum o acertou. Quentin bufava de raiva, com a boca completamente ensanguentada. Ele não tentaria uma investida contra ela enquanto a mulher segurava a arma. Babe tremia. Será que aquele fora um sinal de que ela deveria morrer primeiro? Nesse caso, era melhor que ela não desistisse do plano. Se eu matá-lo quando a morte espera me levar, está tudo acabado.

            — Fica parado! — A ruiva gritou, se levantando. Ao seu redor havia diversos “barris” fechados, de onde saía uma fina neblina branca. Nitrogênio líquido, Babe sabia. É onde conservam os espermatozoides.

            Quentin continuava caído, com as costas apoiadas onde Babe anteriormente estivera escondida.

            — Levanta! — Ela mandou.

            O homem nada disse. Ele inclinou-se e puxou o canivete de seu calcanhar com um só movimento. Quentin então urrou de dor, e muito sangue escorreu.

            — Larga esse negócio e levanta! — Babe berrou.

            — Eu não consigo, sua puta, você cortou o meu tendão. — O homem falou, com o tom de voz mais tranquilo do mundo. A ruiva não ficou furiosa com o insulto: ela já fora chamada de coisas muito piores.

            — Tenta.

            Babe então apontou a arma com mais veemência, e Quentin tremeu. O homem apoiou-se com força na mesa metálica, procurando se firmar com os dois pés no chão. Algum sangue escorria de seu calcanhar, mas era certo que nenhum tendão fora permanentemente prejudicado.

            A ruiva então disparou dois tiros contra ele. O primeiro acertou em seu ombro, e o outro em sua bochecha. Quentin jogou seu corpo na mesa, gritando de dor. Muito sangue escorria de seu rosto, mas ele não parecia estar morto ou próximo de morrer. Babe disparou outro tiro. Click. E outro. Click. E mais dois. Click. Click. Ela estava sem munição.

            Babe então não pensou duas vezes. Correu na direção de Quentin e começou a arrastá-lo em direção aos barris de nitrogênio líquido. O homem urrava de dor, sem condições de reagir. Seu rosto era puro sangue, devido ao tiro que ele levara na bochecha. De raspão, Babe concluiu. Do contrário já estaria morto.

            A mulher então abriu a tampa de um dos barris. Sem pensar duas vezes ela pressionou o rosto de Quentin contra o local, esperando que seus conhecimentos de química estivessem corretos. O negro debatia-se, mas, sem a sua força de costume, não conseguiria libertar-se das mãos de sua algoz. Babe parecia ter adquirido uma força sobrenatural naquele momento. A força da própria morte.

            Quando Quentin parou de se debater, ela o soltou.

            O nariz do homem estava azul. O resto do rosto parecia congelado também, pálido, mas não como o nariz. O nariz tornara-se uma pedra de gelo. Babe gritou ao ver a cena, horrorizada, mas também satisfeita. Ela então jogou Quentin no chão, de frente, e o nariz dele chocou-se contra o solo.

            Ele quebrou como se fosse feito de vidro.

            E então uma quantidade enorme de sangue começou a vazar, fazendo uma poça ao redor do rosto. Babe teve a frieza de virar Quentin, para ver seu rosto. O homem estava banhado em sangue, a face completamente encharcada de rubro, mas o buraco em seu rosto era visível.

            O buraco onde estivera o seu nariz.

            Babe então se apoiou na mesa. Suspirou. Gritou. Chorou. Gemeu. Começou a quebrar todas as coisas ao seu redor, furiosa, irritada, horrorizada, desesperada. Literalmente em pânico. Eu matei mais um homem. Mais um. Primeiro meu avô, e agora esse maldito. Mais um. Já são dois. Eu sou uma garota má. Uma garota muito, muito má...

            E então ela saiu cambaleando, com seu rosto coberto de sangue dos dentes que Quentin quebrara. Ela se arrastava, embora o que estivesse mortalmente ferido não fosse o seu corpo, mas o seu espírito. Foi então que ouviu um barulho, um gritinho. Sugar.

            — Sugar, meu amor? Onde você está? Sugar?!

            A garota seguia o som dos gemidos do animal, procurando-o com cautela. A maior parte das salas estava trancada, e Babe as ignorou. Se não encontrasse seu sagui em nenhuma das salas abertas, arrombaria as outras. Mas ainda não era necessário.

            — Oh, meu querido! — Babe exclamou ao vê-lo.

            Sugar estava preso dentro de uma gaiola, dentro do que aparentava ser a sala de Amy. Dentro da gaiola havia comida e água. Babe achou aquilo irônico. Quentin era frio o suficiente para maltratar seu irmão, mas também era humano o suficiente para deixar seu animal bem cuidado e bem alimentado. Babe abriu a jaula e o animal pulou imediatamente em seu colo. A ruiva abraçou-o com força, caindo em lágrimas.

            — Bebê, meu bebê...

            Sugar fazia a festa, passeando pelos ombros e pelo colo da ruiva. Ele então se escondeu atrás do rabo de cavalo laranja dela, e a garota decidiu soltar os cabelos. O sagui gostava daquilo, de dormir no meio dos fios acobreados dela. Babe pensou no que faria com ele quando se suicidasse. Poderia deixá-lo com René, não? Ele parecia ser um bom garoto, cuidaria do seu bichinho. Ou o filho de Pam, o tal Brody. Ambos pareciam responsáveis o suficiente para tomarem conta do segundo ser que ela mais amava em todo o mundo. E o único que ainda está vivo. Mas não por muito tempo, se eu não conseguir deter essa lista com o meu suicídio.

            — Vamos. — Babe comentou, decidida.

            Ela já estava há várias quadras da clínica quando ouviu a sirene da polícia. Se eu estivesse realmente sendo atacada, há essa hora estaria morta, ela não pôde deixar de pensar.


x-x-x-x-x

A de Abi, estraçalhada por um torno mecânico.

B de Bobby, atropelado por um trem.

C de Cassie, esmagada por um crucifixo.

D de Dylan, que atirou na própria cabeça.

E de Eric, perfurado por estacas de madeira.

F de Francis, atingido por flechas.

G de Gretel, decapitada por um disco de vinil.

H de Heather, espancada quase até a morte.

I de Ilona, a Cicciliona, que teve os órgãos sugados numa lipoaspiração.

J de Jade, picada por cobras venenosas.

K de Kelly, que foi afogada.

L de Liam, autopsiado vivo.

M de Maria, que levou uma facada.

N de Naomi, que teve o rosto corroído por ácido.

O de Olivia, que perdeu o olho numa cirurgia a laser.

P de Pepper, esmagado pelas rodas de um skate.

Q de Quentin, que teve o nariz congelado.

R de Roxy, estraçalhada por uma ventoinha de motor.

S de Sissy, que foi queimada.

T de Trip, que foi enforcado.

U de Uma, fatiada em pedaços.

V de Vladmir, que morreu no desmoronamento.

W de Wade, atingido pela hélice de um helicóptero.

X de Xenia, que foi eletrocutada.

Y de Yolei, que se engasgou com a comida.

Z de Zane, que caiu do brinquedo.


x-x-x-x-x

            René e Jill corriam pela beira da praia, de mãos dadas e rindo. O rapaz tinha uma garrafa de vinho na mão direita, e ela já estava pela metade. Depois de beber metade da garrafa (ou mais? Aquela podia ser a segunda) ele nem ao menos se lembrava de como tinha conseguido comprá-la sem ter uma identidade falsa. Ou eu tenho uma? Pff.

            Não importava.

            Nada importava. Apenas ele e Jill.

            Os dois corriam como se quisessem fugir do resto do mundo. Como se mais nada ou ninguém existisse. O iPod de René, que estava preso em sua camiseta, tocava no alto falante:


[...]

Let's go crazy crazy crazy till we see the sun

I know we only met but let's pretend it's love

And never never never stop for anyone

Tonight let's get some

And live while we're young

Oh oh oh oh oh oh oh

[...]

And girl

You and I

We're about to make some memories tonight

I wanna live while we're young

We wanna live while we're young

[...]

            Seu celular já havia tocado diversas vezes, mas ele não iria atendê-lo. Não naquela noite. René tinha acabado de se casar numa capela, ele não aceitaria ordens de mais ninguém. Podia não ter havido cerimônia, podia não ter havido um padre... Mas houve os votos de ambos, houve as alianças (embora de plástico), houve o sentimento... O que mais era necessário para que a sua união com a mulher de sua vida fosse válida?

            — Eu te amo! — Ele gritou, soltando da mão dela e rodopiando.

            — Eu também! — Jill berrou em resposta. Ela correu até ele e lhe deu um beijo.

            E então os dois caíram na areia, abraçados. Eles riam sem motivo. Riam como se nada estivesse acontecendo. Como se não houvesse lista da morte, como se René não estivesse condenado. Aquela noite era só deles, e ninguém podia estragá-la.

            — René! — O ruivo ouviu uma voz severa gritar.

            O rapaz levantou-se lentamente e ficou sentado na beira da praia. E então se virou. Atrás dele estavam duas viaturas de polícia, com suas sirenes e luzes ligadas. Como ele não as ouvira? René ficou confuso por alguns segundos, meio cegado pela claridade rubra. Mas mesmo assim o garoto conseguiu distinguir claramente a figura de Marina.

            — Me desculpe, eu... — Ele começou a dizer, mas a oficial ignorou-o. Ela se aproximou dele e começou a puxá-lo pelo braço com força, chamando Jill para acompanhá-los com um aceno. A morena fez o que a mulher ordenava, enquanto René debatia-se e tentava reclamar.

            Marina então parou e olhou diretamente nos olhos azuis dele. Disse:

            — Pare com isso agora. Você ainda não cometeu nenhum crime, e eu estou aqui para protegê-lo.      Só isso. Mas se você não parar de se debater, eu irei considerar esse ato um desrespeito a minha autoridade e você estará bastante encrencado. Saiba que nesse caso eu estou autorizada a usar a força.

            René então parou de resistir. Seguiu de maneira complacente até a viatura, e sentou-se como a criatura mais meiga do mundo no banco de trás. Jill entrou e sentou-se no banco do carona ao lado de Marina. A oficial falou algo para os policiais da outra viatura e então os dois carros partiram no mesmo momento.


x-x-x-x-x

            — Obrigada oficial Portilla. Muito obrigada. Eu serei eternamente grata à senhora. — Pam respondeu, ao telefone. — Ok, eu entendo. É compreensível. Quando nós poderemos vê-lo? Amanhã de manhã? Tudo bem. Adeus. — E desligou.

            Brody e Melissa estavam sentados na cama, ansiosos por notícias. Pam suspirou e falou:

            — O René e a Jill foram encontrados na praia. Eles estão bem.

            Melissa deu um suspiro aliviado. Brody não pôde deixar de perguntar:

            — O que a senhora quis dizer quando perguntou quando nós poderemos vê-los? Eles não vão voltar para o hotel?

            Pam mexeu a cabeça negativamente.

            — A oficial Portilla acha prudente que eles fiquem sob custódia dela, em sua própria residência, até que sejam mandados de volta para os Estados Unidos. O procedimento padrão seria que ela mandasse alguns policiais para vigiá-los aqui no hotel mesmo, mas a polícia de Cancun está com escassez de homens. Na verdade o buraco é mais embaixo... A cidade está um caos com esse furacão que está se aproximando, e eles não podem se dar ao luxo de “gastar” dois policiais para cuidar de alguns adolescentes estrangeiros e baderneiros.

            O filho de Pam não gostou daquele discurso. Retrucou:

            — Mas assim parece que o René é algum tipo de criminoso. Ele não fez nada de errado! — Brody exclamou meio revoltado.

            A mãe aproximou-se do filho e lhe deu um beijo no topo da cabeça, dizendo:

            — Eu sei meu amor. Mas é assim mesmo. A senhora Portilla só quer o bem do René, ela quer protegê-lo.

            — Nós podemos protegê-lo! — O rapaz rebateu.

            Melissa então se manifestou, falando bem baixinho:

            — Podemos?

            Estava claro o que ela queria dizer. A lista. Ninguém podia ser protegido dela. Brody sabia disso, e era frustrante admitir que, não, eles não podiam proteger René. Mas a oficial Portilla também não, e pelo menos com eles o rapaz poderia ser útil. Ele via sinais das mortes, ele podia ajudá-los. Brody não achava que aquele seu pensamento fosse egoísta.

            Então o celular de Pam tocou. Ela olhou no visor e arregalou os olhos.

            — Babe. — A mulher sussurrou.

            Atendeu. Do outro lado da linha a ruiva não deixou que a mulher falasse nada, e foi dizendo:

            — O Zane e o Quentin estão mortos. Eu acho que quebrei a lista... Mas eu não tenho certeza...

            Pam congelou. Milésimos de segundos foram necessários para que um filme passasse em sua cabeça. Eu acho que quebrei a lista. O Zane e o Quentin estão mortos. Eu acho que quebrei a lista. O Zane e o Quentin estão mortos. Eu acho que eu quebrei a lista.

            O Zane e o Quentin estão mortos.

            Ela matou, Pam soube, sem que a ruiva precisasse lhe dizer nada. Aquela era a única maneira de alguém deter a lista por si mesmo. Matando alguém fora de ordem. Mas Babe sabia que não havia garantias. René não sabia qual dos três morria primeiro, então a ruiva poderia ter simplesmente apressado os planos da morte. Ela acha. Ela não tem certeza.

            — Onde você está? — Pam falou, tentando ser o mais calma possível. Ela não podia deixar Babe escapar pelos seus dedos, ou então eles jamais saberiam se estavam em perigo. Ela pode morrer e nós não vamos ficar sabendo.

            — Eu estou indo pra um lugar melhor.

            — Babe, me escuta. Suicídio não é a solução. — Brody arregalou os olhos ao ouvir a mãe dizer aquilo, e Melissa soltou um gritinho. — Você não vai nos ajudar em nada se matando. Fica calma.

            Do outro lado da linha, Babe tossiu. Então falou:

            — Eu não sou burra. Eu vou escapar primeiro. Eu vou escapar e então eu me suicido. Assim vocês detêm a lista e todos se salvam.

            — Babe, por favor... — E então a ruiva desligou o celular. Pam estava atônita.

            Brody aproximou-se da mãe e engoliu em seco antes de perguntar:

            — O que aconteceu? Me fala! Mãe!

            — O Zane e o Quentin morreram.

            Melissa tapou a boca para evitar o ruído que iria sair. Ela sabia que deveria ser mais forte, que deveria ajudá-los e não atrapalhá-los, mas era cada vez mais difícil... Cada morte era como um flashback do que acontecera após o Massacre da Babilônia. Melissa lembrava-se de como não conseguira salvar a vida de muitos de seus amigos, e agora sentia que a cada vez que algum estranho daquela lista morria, um de seus amigos voltava a morrer. Skip voltava a morrer. Brody. A vez dele vai chegar. Oh, Pam, seu filho... Se nós não conseguirmos parar essa lista, são grandes as chances de você ver seu próprio filho morrer...

            — Nós temos que achá-la. — Brody comentou.

            Pam pensava. Eles tinham mesmo? A última vez que Brody e Melissa foram tentar encontrar um sobrevivente, o resultado fora desastroso. A mulher sentia-se exausta. Ela queria enfrentar a lista, queria ter um encontro cara a cara com a morte e batê-la, mas só o que conseguia era ficar naquele jogo de gato e rato. De tentar salvar alguém e vê-lo ter uma morte absurda. Valia a pena continuar?

            — Não. — A mulher disse. Naquele momento ela precisava ser fria. Doía em seu ser o que iria dizer, mas o filho precisava aprender, e teria de ser ela a ensinar. — Eu não vou atrás da Babe. Você não vai atrás da Babe. Eu te proíbo. Ela quer enfrentar tudo isso sozinha? Pois bem, ela irá. Se ela morrer nós seremos informados. Eu fui a última pessoa para quem ela ligou. Meu número estará em seu celular. É só isso que nos interessa.

            — Mas, mãe...

            — Chega Brody! — A mulher berrou, e o filho olhou-a escandalizado. — Não!

            O rapaz então se virou para sair. Pam correu e prostrou-se na frente dele. Disse:

            — Só por cima do meu cadáver.

            Melissa queria ir atrás de Babe. Queria ajudar Brody. Ele não podia ir, mas ela podia. Não havia nenhuma barreira moral que a impedia, como havia com o rapaz. Mas onde a ruiva estava? Melissa jamais saberia dizer.

            Antes que ela pudesse dizer algo ou pensar em uma solução, alguém bateu na porta. Pam correu para abrir. Eram Hank, Helena e Marsellus.

            — Eles acreditam na gente. — O rapaz disse, e então o trio entrou no quarto.


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Notas finais do capítulo

Algumas explicações: o "poema" eu retirei a ideia do gibi Spring Break, mas substituí por acidentes das minhas fanfics (e, claro, inventei alguns, minha fic n tem o alfabeto todo). E ah: próximo capítulo provavelmente irá demorar (sorry) porque estou resolvendo as coisas de começar a facul e tudo mais. Mas ÓBVIO que eu jamais abandonarei a fic, vocês sabem disso. Eu terminei cinco delas, mesmo com alguns atrasos, e com essa última não será diferente, eu prometo. Então, reforçando: capítulo pode (e provavelmente VAI) demorar, mas ele acontecerá SIM! Abração! :D