Aprendendo A Voar escrita por Alex Baggins


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Desculpe pela demora pessoal! Aqui está um capitulo para vocês, apresentando Lucinda e Nina ♥



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O sol entrava fracamente pela janela semiaberta, lançando feixes multicoloridos de luz na parede enegrecida pela escuridão do quarto. Eu me sentei assustada, arfando e suando frio. Era terceira vez que acordava assim, assombrada pelo mesmo pesadelo. Eu não conseguia nem fechar os olhos, sem visualizar novamente aquelas mesmas portas colossais entalhada com desenhos sombrios. Eu não conseguia mais dormir.

Olhei para o relógio na mesa de cabeceira, que marcava exatamente seis horas. Sabia que não adiantava mais voltar a deitar, por isso me levantei com um suspiro. Calcei meus chinelos e caminhei até meu banheiro de forma arrastada. Parei em frente a pia e analisei meu reflexo.

Estava com uma aparência horrível, quase doentia. Meus olhos estavam vermelhos, cheios de olheiras arroxeadas devido às noites mal dormidas. Eu estava pálida e cansada e meu cabelo parecia um esfregão. Parecia uma mendiga.

Tomei um banho quente e arrumei, ainda que com muita dificuldade, meu cabelo. Estava quase apresentável, tirando o fato de que eu parecia que ia desmaiar a qualquer momento. Decidi então descer e comer algo, quem sabe assim ficava com uma aparência mais saudável. Caminhei até cozinha com uma carranca de mau humor, ainda da mesma forma arrastada e curvada, como um zumbi.

Um fato interessante sobre os nefilins: nosso apetite é bem grande. Comemos como garotos humanos na puberdade, constantemente famintos. Nosso lema é: se está no prato e não se move então coma. Comer trás uma felicidade e paz de espírito momentânea bem prazerosa. Anjos não podem comer. Deve ser uma vida bem triste.

Então depois do terceiro sanduíche eu já estava me sentindo melhor. Satisfeita, arrumei a bagunça que havia feito e subi novamente. Sentei-me na beirada da cama e chequei as horas. Soltei um resmungo. Ainda era muito cedo para ir para a escola e eu sabia que não conseguiria voltar a dormir, uma vez que me encontrava completamente desperta. Com um revirar irritado de olhos, abri as portas para minha sacada e fui me apoiar no parapeito, apreciando a vista. Encarei o céu profundamente azul, o sol brilhante que já aparecia a leste. Tudo ali era tão bonito...

E ainda assim, eu sabia que aquele não era o meu lugar. Eu insisti para meu pai que fossemos para uma cidade grande. Nova Iorque, Inglaterra e até mesmo Florença, que foi onde eu nasci. Mas ele recusou todas as opções. Disse que era melhor para a gente viver as margens, escondidos, enquanto cuidávamos de Nina.

Mas porque estávamos escondidos? Papai havia resolvido qualquer desentendimento com os arcanjos. Os demônios mais perigosos estavam trancados nas profundezas do inferno, meu pai mesmo havia trancado eles lá quando eu tinha apenas quinze anos. E os Caçadores...

Bem, os Caçadores de Nefilim sempre estariam presentes. Sempre esperando para atacar qualquer um que eles considerassem impuros. Ou seja: eu. Mas por enquanto, os anjos mais poderosos estavam conseguindo mantê-los a distância.

Mas eu sabia que em algum lugar do mundo, nefilins estavam sendo mortos por Caçadores. Eu ficava arrepiada só de pensar no que aconteceria comigo se eu fosse pega...

Balancei a cabeça para afastar esses pensamentos. Nesse momento, alguém bateu na porta. Gritei um “entre” e ouvi o rangido das velhas dobradiças.

Era Lucinda. Ela caminhou graciosamente até a beirada da cama e ali se acomodou, sentando-se. Lucinda era a ideia que todo o humano teria de um anjo. Feições delicadas e elegantes, com olhos doces que pareciam duas piscinas de gentileza. Era pequenina, o tipo de menina que dava vontade de proteger, que os humanos nunca desconfiariam. Pobres criaturas inocentes. Mal sabiam eles que por trás daquele rosto juvenil, escondia-se uma mente astuta e engenhosa, uma pessoa altiva impiedosa, com um gênio feroz. Aqueles bracinhos na verdade eram máquinas com força sobrenatural que poderiam partir uma árvore de um metro e meio de diâmetro em duas. E ainda assim, todos, até meu pai, viam nela a definição de inocência.

E em mim, o que eles viam? Problema. Em letras grandes, tatuadas na minha testa. Logo eu, que sou uma criatura dócil e inofensiva.

Lucinda era minha melhor amiga. Ela já salvara minha vida diversas vezes e eu também já havia a tirado de algumas enrascadas. Mas era assim que se começava uma amizade no mundo divino: com um salvamento. Era mais do que simplesmente gostar de uma pessoa e desenvolver uma relação. Era uma dependência para vida toda. Lucinda era minha única Eternizada (esse é o termo usado para designar esse tipo de amizade). Pode parecer terrivelmente definitivo, mas é algo bom ter uma relação que não acaba depois de alguns séculos.

Lucinda sorriu.

–Bom dia, Elena. – sua voz tinha um quê de animação – Ansiosa para o primeiro dia de aula?

Revirei os olhos.

–Claro. Cuidar de uma líder de torcida pentelha? Meu objetivo de vida. Tenho certeza que posso morrer em paz. – respondi com mais sarcasmo que o necessário.

Lucinda simplesmente riu do meu mau humor.

–Ah, não seja ranzinza. – replicou ela jogando os cabelos ruivos para trás com num movimento elegante – Vai ser divertido. Voltar a interagir com os humanos vai ser no mínimo interessante.

Bufei.

–Interessante. É a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso em humanos. Isso e queijo cheddar.

Estremeci. Eu não gostava de humanos. Eu não gostava de humanos nem um pouquinho. Eles eram irritadiços, chatos e fracos. Adoravam falar, mas nunca dariam uma boa luta. Um garoto com o dobro do meu tamanho e o triplo do meu peso não duraria dois minutos na minha mão. Com Lucinda então, não sobraria nem carcaça para contar história.

Ainda bem que Luce era muito mais controlada do que eu.

Eu havia sido matriculada na Albert Einstein High School, para que pudesse ficar próxima de Nina sem causar desconfiança. Só que, para isso ocorrer, eu teria que aumentar meu nível de traquejo social (zero). Luce (que também estava matriculada, uma vez que seu protegido era diretor da escola) havia me dado algumas dicas muito úteis, porém difíceis de por em prática. “Evite soca-los, Elena”, “não perca a calma, Elena”, “não grite com eles, Elena”, “seja doce, Elena”.

Suspirei. O colegial seria bem mais complicado do que eu imaginava.

–Querida? – chamou meu pai do outro lado da porta – Está na hora.

Com outro suspiro resignado, agarrei minha mochila que havia arrumado na noite anterior e joguei sobre os ombros, passando um dos braços pela alça e deixando a outra pender solta. Agarrei Lucinda pela mão e perguntei com um sorriso debochado:

–Está pronta para essa experiência no mínimo interessante?

Ela piscou para mim.

–Sempre estive.

E sorrindo torto, ela se levantou, apanhou a própria bolsa e saiu do quarto comigo.

***


Meia hora depois estávamos paradas dentro do meu carro no estacionamento em frente à escola. Encarávamos através do para-brisa o conjunto simples de prédios de tijolinhos vermelhos. Caía uma chuva chata, pouco comum naquela parte do estado, que trazia consigo uma brisa gelada que dava arrepios e me fazia apertar um pouco mais meu casaco contra mim.

Virei para Luce, que esquadrilhava a escola com os olhos.

–Vamos? – perguntei hesitante.

Ela demorou um pouco para responder, ainda olhando de um lado para outro, desconfiada.

–Está tudo bem? – indaguei.

Ela acenou com a cabeça e abriu a porta do carro, saindo de forma silenciosa. Repeti o movimento e saí para o dia frio.

O estacionamento estava apinhado de alunos, todos ignorando o frio e a chuva. Lucinda e eu corremos diretamente para a secretaria, sem prestar muita atenção neles.

Uma senhora gordinha estava sentada atrás do balcão, remexendo em alguns papéis enquanto falava no telefone. Ela parecia estressada e afobada, e não muito a fim de oferecer qualquer ajuda diferente do que a plaquinha “FELIZ EM AJUDAR” em sua mesa dizia. Luce esperou até ela desligar o telefone e disse com um tom educado e delicado de voz, só usado para conversar com humanos e com meu pai:

–Com licença? Meu nome é Lucinda Kincaid e essa é Elena Montgomery. – ela me deu um cutucão para eu parar de olhar para o nada e sorrir – Nós somos alunas novas. – ela deu um sorriso radiante.

A moça piscou algumas vezes e abandonou a carranca, sorrindo de volta. Remexeu em mais alguns papéis e assentiu.

–Sim, estou vendo seus nomes aqui. – disse ela com a voz mais calma – Vou imprimir os horários de vocês, só um momento.

Ela se levantou e caminhou para o fundo da sala, onde havia um computador antiquado. Digitou algo e ligou a velha impressora, que soltou um rugido e começou a funcionar. Alguns minutos depois, Luce e eu saíamos da secretaria com os nossos horários que, devido a uma doação generosa a biblioteca da escola, eram exatamente iguais.

A chuva havia piorado. Corremos até a nossa sala, nossos tênis chapinhando nas poças e respingando água para todo lado. Nossa sala era do outro lado do campus, por isso chegamos lá completamente encharcadas, com as roupas molhadas grudando no corpo. Tirei meu casaco e xinguei baixinho. Ótimo dia para usar blusa branca, Elena! A camiseta estava completamente transparente, dando uma visão perfeita do meu sutiã preto. Recoloquei o casaco rapidamente, mas o estrago já estava feito. O professor já olhava para mim de forma reprovadora (como todos os adultos faziam) e os meninos já me olhavam como se eu fosse um pedaço de carne.

–As senhoritas poderiam fazer o favor de se sentarem? – pediu o professor irritando.

Corando, fui para um lugar no fundo, um dos únicos disponíveis, e me afundei na cadeira. Lucinda caminhou silenciosamente do meu lado e se sentou na minha frente. Foi quando ouvi alguém cantarolar em alto e bom som:

Vadia.

Imediatamente reconheci aquela cabeleira loira e aquele sorriso maldoso. Nina Monroe, líder de torcida e cretina de tempo integral.

Cerrei os punhos. O colegial seria muito mais difícil do que imaginara.


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