O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 4
I.4 Um caso perdido.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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A tarde estava agradável e fui dar um passeio até à Rua de Santo António, na baixa da cidade, depois do trabalho. Passei pelo quiosque para levantar mais um fascículo de uma coleção que andava a fazer sobre o mundo antigo, dei uma espreitadela na montra de uma livraria, vi quais eram as últimas modas em algumas lojas de roupas.

Era terça-feira e as tropelias do fim-de-semana pareciam incrivelmente longe. No sábado, não conseguira zangar-me com a Patrícia quando me ligara a contar-me que já estava quase a acertar as coisas com o Miguel. Mais uma noite e ficaria tudo resolvido, mas quando me disse que ia buscar-me para mais uma saída, recusei energicamente o convite. Queria descansar. O que fiz durante um longo domingo modorrento e sem história.

Comecei a descer a rua em direção à doca da cidade, para ir apanhar o carro que tinha deixado estacionado junto ao Hotel Eva. Passei pela esplanada do café “Aliança” e olhei de relance para as mesas. Reconheci-o e o coração quis saltar-me pela boca. Chamei, sem pensar realmente no que estava a fazer:

- Tiago!

Abri um grande sorriso quando se voltou para mim. Tinha acabado de chegar e escolhia um lugar para se sentar. Tentei moderar a alegria para não parecer uma idiota.

Naquele fim-de-semana tinha pensado muito nele, preocupada com o que acontecera a seguir com o pai. E o que teria havido antes para o homem aparecer de repente, numa praia do fim do mundo, e ter-lhe batido daquela maneira.

- Olá, Ana.

Uma receção fria, demasiado trivial que ajudou a acalmar o meu entusiasmo.

- Está tudo bem contigo?

- Sim – respondeu-me.

O interesse dele por mim era nulo.

- Ficou tudo bem com o teu pai?

- Ahn?

Olhou-me como se tivesse falado com ele em chinês. Repeti devagar, no melhor castelhano que consegui:

- Ficou tudo bem… com o teu pai?

Sorriu-me com uma sinceridade tão crua, que senti as pernas transformarem-se em esparguete acabadinho de cozer.

- Nada que um bom par de murros não resolva.

A resposta escandalizou-me.

- O teu pai voltou a bater em ti?

- Descansa, que às vezes também consigo bater nele. Naqueles dias bons…

- O quê?

Não conseguia visualizar a cena corretamente. Pestanejei. E enquanto tentava perceber, deixámos de estar os dois sozinhos, o João aparecia.

- Eh… espanhol. Já chegaste? Vieste a horas hoje…

- O teu relógio está atrasado.

Percebi que o tempo precioso que os deuses me tinham concedido com o lindo rapaz dos olhos azuis se tinha esgotado. O João fez um esgar ao reparar em mim e perguntou:

- Andas a comer esta?

- Não.

- Uf! Que alívio! Por momentos pensei que tivesses perdido o gosto.

Pestanejei, novamente, pasmada com aquela breve troca de palavras entre os dois. O Tiago olhou-me a imitar o mesmo esgar.

- Realmente, tenho uma reputação a defender.

O João puxou-o, afastando o amigo de mim, como se fosse importante mantê-lo longe da minha influência.

- A Dora anda à tua procura – disse.

- E devo preocupar-me?

- Deixaste a gaja pendurada na “Kadoc”, na outra sexta-feira.

- Ela é que fugiu de mim.

- Não é isso que ela conta…

- Quando ela quiser, sabe onde me encontrar.

- Acho que quando ela te encontrar, vai-te ao focinho… - O João riu-se e então notou que eu não me tinha ido embora. – Oi… Ainda aqui estás?

- Não te lembras dela? Foi connosco para a praia.

- Ah, é essa?

- Eu tenho nome, sabiam?

Parecia que tinha cola na sola dos sapatos. Tentei levantar um pé para o descolar da calçada e terminar com a humilhação, mas o olhar profundamente azul do Tiago era um íman que me mantinha ali presa.

O Luís também aparecia.

- Ora… Temos outra gaja, espanhol?

A conversa decompunha-se rapidamente, como um cadáver exposto à intensa radiação do sol do deserto.

- Esta não é a minha gaja – respondeu o Tiago.

- Mas vê-se que quer molho – observou o João trocista. – Ouve lá, de certeza que não a comeste?

- Já te disse que não.

- Então, o que é que está aqui a fazer? – Perguntou o Luís com desdém.

Estava na altura de acabar com aquilo. O Tiago voltava a desiludir-me. Deixei a esplanada do “Aliança” sentindo-me suja. Mas a culpa era toda minha, porque tinha ficado e insistia na teimosia de querer encetar amizade com aquele anjo de alma negra. Mas o rapazinho até tinha sido sincero: ele queria que eu o odiasse, queria ser desprezível.

Pois tinha-o conseguido e com medalha de ouro!

Nunca mais lhe iria dirigir a palavra. Acabara-se o Tiago naquela tarde.

Quando cheguei ao carro, suspirei de tristeza. Não me conformava.

- Porque é que ele é tão estúpido?


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O sabor amargo da derrota.



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