O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 30
VI.2 A pisar o risco.




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Na Dimensão Real morava num apartamento agradável, acolhedor e simpático. Tinha apenas três divisões, um quarto, uma casa de banho e uma sala com cozinha incorporada. Podia ter tido pior sorte, como Ten Shin Han que, segundo o que ouvira contar, vivia no meio da serra, numa casa velha e a cair aos pedaços.

Yamucha atirou a mochila para cima do sofá, foi até à cozinha e abriu a porta do frigorífico. Agarrou numa lata de Fanta. Empurrou a porta do frigorífico com o cotovelo, abriu a lata, bebeu um grande gole do refrigerante e voltou à sala.

- Yamucha-san. Já regressaste?

Puar saiu do quarto a flutuar, a esfregar os olhos ensonado.

- Hai.

- Que horas são?

Yamucha consultou o relógio de pulso.

- São onze e meia da manhã.

- Onze e meia? – O sono de Puar passou-lhe de repente. – Tão tarde?

Yamucha sentou-se no sofá, estendeu as pernas em cima da mesa e agarrou no comando remoto. Ligou a televisão.

- Tenho de preparar o almoço.

- Não tenhas pressa, Puar. Ainda não tenho fome.

O gato azul tinha um aspeto peculiar na Dimensão Real. As suas características estavam ampliadas, cada detalhe exagerado – orelhas largas e pontiagudas, cara gorda, corpo redondo, um rabo grosso e felpudo. Por causa disso, achava que o companheiro já não possuía os mesmos poderes que tinha na Dimensão Z e gostava de o testar amiúde. Pedia-lhe que se transformasse em coisas simples. Uma escova de cabelo, um par de chinelos, um tapete, um jornal. Puar estranhava os pedidos, mas cumpria-os todos e convertia o corpo azul, sólido e aparentemente inflexível, nos objetos que Yamucha imaginava. Apesar de peculiar, continuava a ser o mesmo Puar de sempre. Pelo menos, por mais quatro meses, porque ao fim de um ano na Dimensão Real haveria de perder as suas faculdades.

Bebeu outro gole do refrigerante. Até ele próprio se classificava como peculiar, pensou desconsolado. As rugas acentuavam-se no rosto apagado e envelhecido, as duas cicatrizes sobressaíam demasiado, o que motivava olhares embasbacados e comentários pouco lisonjeiros das pessoas daquela dimensão.

Mas apesar de se sentir demasiado esquisito dentro daquele corpo que o estrangulava, Yamucha decidira que não iria ficar encerrado dentro daquele apartamento minúsculo, à espera do telefonema de Bulma a anunciar que a máquina das dimensões estava pronta. E por saber que era proibido levar uma vida normal naquela dimensão, por causa da estúpida regra de não poderem interagir com um deles, não contara a ninguém o que fazia, dia após dia.

- Correu tudo bem hoje? – Perguntou Puar.

Yamucha acabou de beber a Fanta, esmagou a lata entre os dedos.

- Tudo normal, companheiro. Como nos outros dias.

- Já fizeste amigos?

Notou um certo tom de censura no gato. Deixou a lata amolgada no sofá, pôs as mãos atrás da cabeça.

- Falo com alguns tipos que também frequentam o ginásio… Até agora, não aconteceu nada. Falar com eles não é essa coisa de interagir.

Fechou os olhos, sorrindo, inundado de confiança viril. Completou:

- Está tudo sob controlo! Não te preocupes.

Que se danassem as duas cicatrizes! Não havia ninguém mais forte do que ele naquele ginásio onde treinava os músculos e onde se distraía dos dias aborrecidos. Era admirado, notava-o, e como era calado, cultivava uma aura misteriosa que agradava especialmente ao elemento feminino. No ginásio, sentia-se um rei.

A campainha tocou. Os dois sobressaltaram-se. Yamucha perdeu o ar pretensioso, Puar olhou assustado para a porta.

A campainha voltou a tocar.

- Estás à espera de visitas, Yamucha-san?

- Não. E tu?

- Eu? Nunca saio de casa! Ninguém sabe que eu existo! Como é que alguém que não existe pode receber visitas?

- Chiu!

Puar cobriu a boca pequena com as patas.

A campainha tocou pela terceira vez. Yamucha ordenou:

- Esconde-te. Vou ver quem é.

- Vais abrir a porta?

- Até pode ser algum dos nossos.

Puar entrou no quarto, encostou a porta, deixando uma fresta para espreitar o que se iria passar na sala. Yamucha sacudiu a cabeleira negra e farta para trás. Apercebeu-se que precisava de tomar banho e de se trocar, cheirava a suor e as roupas estavam sujas. Abriu a porta de supetão. Ficou sem voz ao descobrir uma mulher que o cumprimentou com um rasgado sorriso.

- Bom dia. Posso entrar?

Nem esperou a resposta e entrou pelo apartamento adentro, com pequenos passos, a passar os olhos pelos cantos da casa de uma maneira casual. Yamucha fechou a porta.

Era uma mulher de meia-idade, com resquícios do antigo fulgor que exibira na juventude. Penteava-se com estilo, maquilhava-se com um certo exagero, usava roupas espalhafatosas e coloridas que lhe acentuavam as curvas ainda bem vincadas. Usava um conjunto de pulseiras douradas que retiniam umas contra as outras sempre que agitava o braço, nem que fosse ao de leve. Andava com graciosidade, como uma bailarina a pisar um palco coberto de pétalas de rosa.

- Tem uma casa muito bonita, senhor Eduardo – disse ela, voltando-se quando atingiu o extremo da sala. Encostou-se ao balcão da cozinha.

Yamucha lembrou-se com um estremeção que esse era o nome que usava na Dimensão Real.

- O-obrigado – gaguejou em castelhano.

A mulher percebeu claramente o seu desnorte.

- Não se lembra de mim, senhor Eduardo?

Ele riu-se, negando timidamente, sacudindo a cabeça.

- Sou colega sua no ginásio.

- No… no ginásio?

- Não se lembra de mim?

- Eh… Para dizer a verdade, a sua cara não me é estranha.

A mulher estendeu-lhe a mão direita, as pulseiras tilintaram.

- Sou aquela para quem olha tanto no ginásio que já me sinto gasta… Tanta olhadela, mas tem medo de se aproximar. Chamo-me Dedé.

- Dedé?

Ele apertou-lhe a mão, as pulseiras tilintaram mais um pouco. A mulher fez uma careta.

- Não gosto de Odete. Prefiro que me tratem por Dedé… se não se importa.

- Não, não me imp…

- Vive sozinho? – Cortou ela, num trejeito sedutor.

- Sim, vivo sozinho. Sou… solteiro.

Agora, começava a lembrar-se da mulher. Tinha reparado nela na semana passada, achara-a parecida a Bulma. Gostava de fazer exercícios nos aparelhos, exagerando os gestos para captar a atenção dela. Não sabia até que ponto o havia conseguido, até ela lhe aparecer, naquela manhã, no seu apartamento. Pelos vistos, resultara.

A Dedé deliciou-se com o que ele lhe dissera. As pulseiras tilintaram.

- Eu também vivo sozinha. Já fui casada, agora estou novamente livre.

- Eu… também estou livre.

- Oh! Mas que interessante!

Um breve silêncio que acentuou o nervosismo de Yamucha. Era essencial não resvalar para aqueles silêncios que matavam o embrião de qualquer relação ocasional. Perguntou, tentando acalmar-se:

- Como é que sabia onde morava?

Ela tapou o riso com a mão, fazendo tilintar novamente as pulseiras. Corou ligeiramente.

- Vai ter de me desculpar, senhor Eduardo, mas… segui-o.

- Seguiu-me?!! – Yamucha esbugalhou os olhos.

- Foi a única forma que encontrei para lhe devolver uma coisa que é sua. Ainda o chamei, mas saiu tão apressado do ginásio que não me deve ter ouvido.

Abriu a mala e estendeu uma toalha branca, bordada com duas letras verdes na ponta. Aparvalhado, Yamucha olhou para a toalha.

- São as suas iniciais, não são? “E.M.”?

Não eram, mas ele não se descoseu. Aquelas toalhas tinham vindo com o apartamento.

- Eh… É o meu nome.

- E.M.… Eduardo… Eduardo, quê?

- Eduardo… Eduardo… Eduardo Martins! – Inventou à pressa, recorrendo-se do apelido do treinador do ginásio, o Tó Martins.

A mulher humedeceu os lábios com a ponta da língua, o batom vermelho-perigo brilhou. Yamucha recebeu a toalha.

- Eduardo Martins… Gosto do nome.

Yamucha sorriu, sabendo que assim acentuava ainda mais as duas cicatrizes, mas a mulher estava tão embevecida que não deve ter notado nada. Ou já as tinha notado e considerado que eram um adereço másculo indispensável no rosto daquele homem que a impressionara a levantar pesos. Ela apontou discretamente para a mesa onde repousava o telefone, as pulseiras tilintaram.

- Não me quer dar o seu número de telefone, senhor Eduardo? Podemos combinar um encontro, fora do ginásio, para um cafézinho. O que me diz?

- Ah…

- Está sozinho, eu também estou sozinha… Existe algum problema?

- Não, nenhum.

- Então?

Estava encurralado. Também não desejava espantar o pássaro quando este já estava a comer na sua mão e a curiosidade sobre como funcionaria uma mulher da Dimensão Real avolumava-se. Escreveu o número de telefone numa folha branca que arrancou de um pequeno bloco de papel que se colava, por um íman, à porta do frigorífico. Entregou a folha à mulher. O sorriso dela mudou de cordial para triunfante.

- Eu telefono-lhe.

- Fico… à espera.

A mulher encaminhou-se para a porta.

- Entretanto, continuamos a ver-nos no ginásio. Não é, senhor Eduardo?

- Pois… é.

As pulseiras tilintaram quando ela ajeitou uma madeixa de cabelo.

- Costuma ser assim tão tímido quando está ao pé de mulheres, senhor Eduardo? Prefere contemplá-las de longe?

- Não… Não estava à espera de visitas.

- Ah… Compreendo.

Yamucha abriu-lhe a porta. A mulher despediu-se com um sorriso, ele murmurou algumas palavras que serviram como resposta à despedida, mas a mulher não se importou com o murmúrio inteligível, pois já tinha conseguido o que fora ali buscar.

Quando fechou a porta, encostou-se à parede, suspirando de alívio. Puar apareceu a flutuar diante dos seus olhos, zangado, de sobrolho franzido e patas cruzadas.

- Tu deste o nosso número de telefone à Dedé?!

- O que é que querias que fizesse?

- Vais sair com essa Dedé?

Yamucha minimizou a questão.

- E depois?

Estendeu-se no sofá. Ao alçar os braços, para os colocar atrás da cabeça, sentiu o odor a suor dos sovacos e lembrou-se que continuava a precisar de um banho. Completou com alguma sobranceria:

- É só uma mulher desta dimensão.

Puar insistia:

- E se chegares a interagir com ela? Já pensaste bem? Bulma-san vai ficar furiosa.

- Bulma? E achas que tenho medo de Bulma?

- E de Vegeta-san, não tens medo? Ele também vai ficar furioso.

Yamucha levantou-se do sofá, enfiou-se na casa de banho, batendo com a porta.

Detestava lembrar-se do saiya-jin. Ele e Vegeta sempre foram incompatíveis.

Quando se enfiou debaixo do chuveiro, começou a ter dúvidas, a sentir-se inseguro, a perceber que talvez tivesse feito uma enorme asneira ao entrar no jogo da Dedé. Ele era tão crédulo com as mulheres. Invariavelmente acabava sempre por lhes fazer todas as vontades.

A voz de Puar veio da sala, abafada pela porta da casa de banho fechada e pela água do chuveiro.

- Espero que saibas o que estás a fazer.

Se acontecesse algum acidente e ele chegasse a interagir com a Dedé, seria uma verdadeira tragédia. Poderia considerar-se um homem morto, pois nada o iria poupar à fúria de Vegeta. Puar tinha razão.

Debaixo da torrente de água quente, Yamucha arrepiou-se.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A amizade verdadeira.



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