Três escrita por Rosemary Grohl


Capítulo 3
Tequila shots




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Liza acordou extremamente atrasada para a faculdade na segunda-feira. Perdera pelo menos os dois primeiros tempos de aula. Checou o despertador do celular. Droga! Desligado. Pulou da cama, vestiu a primeira calça jeans que viu pela frente e uma camiseta branca. Calçou seu par de sapatilhas que se tornara quase um uniforme e saiu correndo pela casa. Deu um pulo na cozinha, pegou uma banana e saiu pela porta que dava na garagem. Entrou na BMW prata, deu a partida e saiu rumo à faculdade.

Cursava o sexto período de Comunicações numa faculdade particular renomada. Era apaixonada pelo que fazia. Mas nos últimos tempos, levantar para ir a aula estava se tornando difícil. Era desestimulante ver todos os colegas de classe envolvidos em projetos reais, concretos, que tinham algum futuro, ou que, ao menos, faziam a diferença no presente. Enquanto ela estava presa em casa com o pai entrando na crise da meia-idade, viajando sempre que possível e a mãe tentando se convencer de que para ser uma boa esposa, precisava concordar com tudo o que o marido fazia.

Tentando não pensar em como era diferente e, talvez, inferior aos seus colegas, Liza estacionou na esquina da rua da faculdade, pulou do carro e apressou o passo até os portões altos de ferro. Cumprimentou o porteiro e entrou, subindo as escadas até a ala de Comunicações. Entrou numa das enormes salas de aula que abrigavam quase 100 alunos por vez e se sentou, esperando que o professor chegasse.

Estava praticamente adiantada pro quarto tempo de aula, então teve que esperar alguns minutos até que a sala começasse a se encher de alunos. Faltando menos de dois minutos para o início da aula, alguém se sentou ao lado dela.

– E aí? Que cara é essa de ressaca? Vai me dizer que não lembra como conseguiu quebrar esse braço?

– Você é tão engraçadinho, Nick – respondeu sarcástica para o jovem moreno e alto que se sentara ao lado dela. – Eu fui atropelada.

– Estava bêbada, pelo menos?

Ela quis responder que estava bêbada de tristeza e outros sentimentos confusos que não sabia explicar. Mas essa era uma daquelas horas nas quais Liza se sentia tola por estar sempre tão chateada com tudo, quando bem ao seu lado estava uma pessoa com problemas reais e conflitos reais. Nick era bissexual assumido para todos os colegas. Não que ele precisasse assumir a parte de gostar de caras, porque isso qualquer um conseguia deduzir simplesmente pelo jeito que ele se movia. Ela admirava o fato de ele não ter problemas em assumir isso, porque sabia o quanto era difícil lidar com o preconceito. Além disso, Nick ainda tinha milhares de problemas familiares, com o pai e uma meia-irmã que também era meia-prima.

– Não, Nick. Você sabe que eu não bebo.

– Bom, está na hora de começar. Hoje depois da aula vamos a boate nova que abriu na 45 com a av. Lenox e você está intimada a nos contar a maravilhosa história de como um cara extremamente sexy te atropelou e depois te levou para o apartamento dele e vocês passaram a noite em claro fazendo coisas que eu não ouso dizer, porque sei o quanto você é tímida.

– Você acertou em parte – Liza sorriu, sabendo que essa confirmação aguçaria a curiosidade de Nick pelo resto do dia.

– Ah, meu Deus, vocês foram para a sua casa? Ou tudo aconteceu durante o dia? Quer saber? Não me conte, a Deb tem que estar com a gente para ouvir essa história brilhante!

Logo depois disso o professor entrou e ambos se concentraram na aula. Bom, ao menos Liza tentou. Seu pensamento constantemente era puxado para o fim de semana anterior e a conversa que tivera com seu atropelador no hospital. Fazia muito tempo que não era tão honesta com alguém e poderia usar um pouco mais disso em sua vida.

...

– Liza? – ela ouviu alguém chamando e levantou o rosto para procurar quem era. – Liza? Você poderia vir até aqui na frente?

Era o professor Mazzei. O nome italiano não combinava em absolutamente nada com as feições de europeu nórdico do homem rechonchudo que lecionava uma matéria facultativa sobre comunicações internacionais.

– Bom, como eu ia dizendo, a Liza foi a única a se inscrever no nosso programa de férias na França. Como prêmio, ela vai estar isenta da prova do próximo semestre. No lugar do exame que todos vocês farão, ela dará uma aula sobre sua experiência longe de sua querida Nova Iorque, que eu avaliarei. E absolutamente tudo o que ela abordar será tema para a prova de vocês. Estão todos dispensados.

Liza mal chegara à frente da classe e já ia virando as costas para sair.

– Espere, Liza. Preciso tratar dos detalhes com você. Amanhã passe no setor financeiro por volta das dez. Assim poderemos ver a parte burocrática e eu poderei te dar algumas dicas sobre o que não fazer em Paris. Está animada?

Ela esboçou um sorriso amarelo. Se esquecera completamente desse programa de férias. Tinha se inscrito basicamente para passar duas semanas longe de sua família durante o fim de ano. Mas não percebera que isso significaria trabalhar para um jornal francês e colher informações para uma aula, durante o mesmo período.

– Bom, não precisa sair dando pulinhos – o professor riu longamente da própria piada. – Mas não vai ser tão ruim assim. É sempre bom respirar novos ares, você vai ver. Agora pode ir. Seu amigo está te esperando na porta.

– Não consigo entender como você não está animada para ver todos aqueles franceses fazendo biquinho enquanto falam com você – Nick disse assim que ela se aproximou. – Bom, eu não vou porque não suportaria passar o natal longe dessa cidade maravilhosa...

Liza já não ouvia mais. Nick era muito legal, mas às vezes falava demais. Era compreensível que ele se animasse muito mais do que ela, afinal ele já tinha ficado com muito mais caras do que ela e, por algum motivo, não se sentia satisfeito. Liza, por outro lado, fugia de qualquer relacionamento. E talvez essa viagem fosse a oportunidade perfeita de avançar mais um passo na direção de sua falta de contato social honesto. Isso sim começava a animá-la um pouco.

...

O relógio marcava nove horas quando pegou sua BMW e saiu de casa. Pretendia sair às oito. Mas, como sempre, Nick marcara de encontrá-la em sua casa e se atrasara. A novidade é que dessa vez ele a fizera subir para tirar a calça jeans e a camiseta que vestira e a obrigara a colocar um vestido, ao que ela protestara muito, porque fazia um frio de doer os ossos.

– Olha, Nick, eu sei que estou bonitinha assim, mas tá muito frio.

– Põe uma meia-calça e vai ficar tudo bem. Esse seu casacão esquenta bastante. Além disso, dentro da boate vai estar quente o suficiente.

Liza riu, porque sabia do tipo de calor que ele falava. Finalmente entraram no carro e saíram para a boate. Débora ligou mais de três vezes enquanto estavam a caminho para perguntar se ainda iam demorar, porque ela não aguentava mais esperar do lado de fora no sereno.

Quando chegaram, Débora pareceu sinceramente preocupada como braço quebrado de Liza, até que fez uma piada sobre como deveria ter valido a pena tê-lo quebrado.

– Olha, gente, eu não passei a noite com ninguém se é isso que querem saber – disse um pouco incomodada por ter que falar de algo tão pessoal.

– Disso nós já sabíamos – respondeu Débora. – A gente percebe que você é do tipo só depois do casamento, amiga. Agora conta sobre o cara sexy que te fez se perguntar se está fazendo a coisa certa.

Liza corou. Não percebera o quão transparente era até aquele momento.

– Bom, ele não era sexy.

– Não precisa sussurrar essa palavra como se estivesse com medo de sua mãe te ouvir. Ela não está aqui hoje – Nick gargalhou. – Todo mundo sabe que ela está numa galeria de arte no SOHO.

– Eu não sabia – Liza respondeu sinceramente.

Era muito estranho como todos sabiam da vida de Marina muito mais do que a própria filha, porque ela era constantemente entrevistada por revistas e jornais famosos e toda vez que aparecia em público acabava em algum tabloide. Não tinha privacidade alguma.

– Não venha mudando de assunto, Liza – Débora disse ao mesmo tempo em que se virava para um garçom e pedia três doses de tequila.

O lugar não estava muito cheio e nem a música muito alta. Não era uma daquelas boates para pessoas comuns. Era o tipo de boate para a nata da sociedade que possui passes VIPS só por existir. Liza sabia que teria conseguido entrar ali facilmente, mas se perguntava como Nick tinha acesso a esses lugares sendo de uma família tão simples.

– Conte-nos tudo – encorajou mais uma vez Débora.

– Ok. Eu estava no parque da cidade e fazia muito, muito frio mesmo. E eu pensei “bem, quem estaria nas ruas hoje?”. Mas tinha um doido. E eu nem sei o nome dele. Mas nós passamos a noite conversando no hospital.

– E a parte em que você se apaixonou perdidamente por ele? – perguntou Nick.

– Acho que isso não aconteceu, Nick. Nós éramos completamente diferentes. Acho que nunca rolaria nada.

Débora e Nick riram demoradamente de algo que Liza não conseguiu saber o que era. Quando a tequila chegou, convenceram a amiga a beber uma dose. Depois outra. Depois mais outra. Quando bebeu a quarta, Liza achou melhor ir ao banheiro só para ter certeza de que conseguiria andar.

Foi e voltou quase que como se ainda estivesse sóbria. Mas não encontrou Nick em lugar algum. “Deve ter encontrado alguém de interessante”- pensou. Débora conversava com um cara próximo ao bar. Ficou tentando achar algo que pudesse fazer – que não fosse beber mais, porque não parecia uma boa ideia. Foi quando ouviu alguém chamar seu nome e se virou para olhar.

Droga! É o Jonathan.

– Ei, John, como está a Mari? – no momento em que disse isso, percebeu como soaria idiota perguntar pela irmã dele antes de perguntar como ele próprio estava.

– Oi, Liza – ele a abraçou meio sem jeito. – Olha, eu espero que você esteja bem depois de tudo o que aconteceu.

– E porque não estaria?

– Bom, você não costumava beber e tal.

– Eu não bebo.

Foi quando percebeu que tinha um copo cheio de um líquido azul na mão direita e se perguntou quando conseguira aquilo. Devia estar um pouco mais bêbada do que pensara.

...

Acordou com alguma coisa batendo em sua cabeça e checou o relógio do celular: 6:50. Por que acordar doía tanto? Um pequeno flashback da noite anterior atravessou sua mente. Uma única frase ficou ecoando repetidamente: O que eu fiz?


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