Sombras

                Nossa corrida acabou quando fui prensada na parede por Lupus. Seu corpo pressionava o meu me ocultando completamente. Sua expressão mostrava o quão irritado ele estava e seus olhos focavam os telhados acima de nós, onde homens estranhos que me lembravam árabes vagavam. Eu não conseguia ver com atenção. A proximidade dele junto ao cheiro salgado de seu suor começou a provocar reações ao meu corpo. Reações que eu não queria. E, por mais que eu quisesse sair dessa situação, eu também não queria ser pega por um bando de cosplayers árabes.

                - Mas que droga, não é só a Venese aqui. – Bufou ele, irritado.

                - O que vamos fazer agora? – Perguntei esperando que ele tivesse um plano, afinal, foi ele que me enfiou nessa parede.

                - Vamos tentar evitar o conflito e fugir sem sermos notados. – Por fim ele pareceu mais calmo.

                - Certo.

                Assim que eu concordei, voltamos a caminhar para meu alívio, mas em nenhum momento ele soltou minha mão. Se me perguntassem como se sente um rato ao ser perseguido por um bando de gatos famintos, eu saberia a resposta. O que eu não sei é o porquê eu estou passando por tudo isso, mas algo lá no fundo de minha cabeça me dizia que tinha a ver com o algoritmo. Uma garota tem que fazer suas prioridades; A primeira na minha lista é sobreviver ao dia das bruxas, a segunda é saber quem é todo mundo, e a terceira, e não menos importante, é um bom banho.

                Por fim meu guardião conseguiu abrir a fechadura de um depósito. Não perdemos tempo para nos refugiarmos. Como todo bom depósito, estava cheio de caixotes que formavam corredores por todo o lugar. E, apesar de caixotes não serem a causa de 99,9% das mortes no planeta, Lupus ainda parecia muito inquieto.   

                - Estamos seguros aqui. – Disse com convicção.

                - Claro, disse a garota que ainda tem hora para dormir. – Ele esta tentando me provocar? Por que está se saindo bem.

                - Em primeiro lugar, quem é você e por que estamos aqui? Quem são eles? – Já está na hora dessa garota com hora de ninar ter suas respostas.

                - Explicações quando estivermos longe do perigo. – Seus olhos ainda varriam tudo ao nosso redor de forma inquieta.

                - Estamos dentro de um depósito cheio de caixotes, o que pode ser perigoso aqui? – Eu adoro ironia.

                Talvez eu apenas devesse calar minha boca, afinal, quais as chances de barulhos misteriosos aparecerem depois desse meu pequeno showzinho? Eu devo ser muito sortuda ou azarada, pôs logo os barulhos ficarem mais claros como vozes - Sussurros sendo mais exata - O ar se tornou frio. Comecei a me esfregar em uma tentativa de criar calor. Meu parceiro não pareceu incomodado, pelo contrário, ele sorria, mas não era de alegria e sim de pura irritação.

                Se meu dia havia sido estranho, o que veio a seguir superou qualquer coisa na minha bússola de bizarrice; As sombras ao nosso redor começaram a tomar formas de esqueletos e logo estavam nos cercando, mas esse não era o pior. Atrás dessas aberrações havia algo muito ruim, bem maior que os esqueletos. Algum tipo de força maligna; Ao se aproximar mais da fraca luz elétrica que iluminava o ambiente, algumas partes de seu corpo ficaram claras, semelhante a um fantasma envolto num manto negro e marrom. O rosto coberto por uma máscara esquelética com marcas vermelhas e os olhos tão brilhantes como fogo fátuo.

                Eu não posso dizer o que aconteceu em seguida pôs meus nervos me congelaram, mas eu sei que Lupus me protegeu em um embate com todos esses seres, portando apenas duas pistolas. Tudo que eu ouvia era o barulho dos tiros de uma forma abafada e, tudo que eu via, eram aqueles olhos malignos.

                - Entrege..Entrege....Entrege. Entrege.................... Entrege......... Entrege...- Susurrava a coisa maligna.

                - Você quer? É TODO SEU – Gritou o Lupus atirando no ser sem parar.  

                - O que é isso? – Comecei a voltar a mim mesma lentamente, eu sou uma cientista e muita coisa fora de lógica tem acontecido ao meu redor ultimamente. É como se, tudo que eu tivesse aprendido, fosse nada.

                - Não importa... o que importa é ficar vivo. Você não é Arme, a cientista louca que vai dominar o mundo?  – No final ele remendou minha voz, debochando, isso fez todo o inexplicável desaparecer e no lugar ficou minha raiva por esse homem.

                - Eu sou Arme, a Cientista louca que vai dominar o mundo. – Proclamei fazendo minha risada maligna.

                - Que bom, porque vamos correr.

                 Sem dizer mais nada ele desviou seus disparos para os caixotes, fazendo assim um verdadeiro caos, soterrando esqueletos místicos com... aparelhos de dvd? E mais outras coisas eletrônicas. Não tive tempo de confirmar pôs Lupus pareceu adquirir uma mania de me puxar, e logo assim que saímos do depósito as coisas não melhoraram. Os cosplayers árabes nos perseguiam, o que não importava mais. Se eu entendi bem, o plano era correr para viver, só que eu me esqueci de avisar meu parceiro que eu não possuo muita resistência física. Minha roupa ja estava toda grudenta no meu corpo, meus pulmões não mais sabiam o que fazer para cumprir sua função respiratória. Meus pés tremiam ameaçando desmoronar a qualquer instante.           

                Acima de tudo, independente do meu estado, eu não queria ser um peso para ele e muito menos queria morrer ou ser capturada para sofrer uma lavagem cerebral. Quando freamos, assimilei o cenário ao meu redor e me dei conta que voltamos para o carro. O mesmo continuava com a frente arrebentada na parede de um depósito, mas não era só isso, haviam caminhões estacionados, alguns em chamas com marcas de cortes, outros em bom estado como ótimo veiculo de fuga caso consigamos passar pelo duelo mortal de Lass e a mulher turbinada.

                - Você ainda não terminou com ela? - Lupus já se preparava para se meter.

                - Cuide de seu dever, eu seguro ela. – Desferindo uma serie de golpes invisíveis aos meus olhos, ele deixou bem claro que não queria ajuda.

                Novamente Lupus bufou, se virando voltando suas armas para os homens desnutridos portandos espadas e bazucas que nos perseguiam. Pela primeira vez eu vi uma expressão alegre em seu rosto e, talvez, serena.

                - Adios, lacaios. – Declarando vitória, uma arma de grande porte se matearizou nas mãos de meu parceiro. – Tenham uma boa estádia em Hades.

                Ao apertar o gatilho o cano começou a girar de forma frenética, disparando incontáveis tiros, dizimando qualquer inimigo em nosso encalço e desaparecendo no final.

                - Se você podia fazer algo assim, por que não fez antes? – O pressionei, indignada e irritada.

                - Não é assim que funciona, para usar o Juíz das Almas é necessário cumprir certos requerimentos. – Mas que desculpa esfarrapada.

                Antes que eu pudesse protestar novamente, uma picape azul saiu da estrada entrando no depósito a toda velocidade com intenção de atropelar a mulher guerreira. Para a sorte dela, seus reflexos são bons e seu corpo é anormal, já que segundo meus conhecimentos, uma pessoa normal não poderia saltar 5 metros dando um mortal no ar e pousando perfeitamente no telhado do depósito.

                A porta da Picape se abriu e dela saiu um rapaz trajando um terno negro, a camisa era da mesma cor e a gravata um azul marinho assim como seus cabelos. Em sua mão esquerda havia uma luva estranha com uma pedra roxa no punho, e na sua cintura carregava uma espada numa bainha.

                - Ronan Erudo, antes tarde do que nunca. - Lupus criticou o recém-chegado.

                - Então, o que vai fazer, Venese? Não há mais vitória, não importa a quantidade de lacaios que Light mande, eles não podem vencer dois de nós. – Lass, para alguém quieto, está se mostrando muito confiante.

                - Venese, se entregue, prometo que faremos um julgamento justo, você não precisa cair junto com Light. – A voz do recém-chegado era forte, mas também bondosa e cheia de compaixão.

                - Vocês estão errados, não há vitória para vocês. Light no final sempre triunfa, podem ficar com ela por enquanto, quando Light realmete a quiser, ele a terá. – Ela desapareceu nas sombras em seguida, mas a convicção que teve em suas palavras... aquilo me assustou um pouco.

                - O que está acontecendo aqui? – Eu estava a ponto de berrar.

                - Vamos ter tempo para conversar. – Ronan foi até mim e de forma carinhosa colocou seu paletó sobre meu corpo cansado e esgotado. – Agora entre no carro, vamos para um hotel onde você poderá tomar um banho, comer e descansar.

                - Eu não quero isso, eu quero respostas. – Apesar de saber das boas intenções dele, eu já estava cansada de ficar no escuro.

                - Você tem a minha palavra. Eu, Ronan Erudo, prometo responder a todas suas duvidas - Eu não consegui ver mentira em seus olhos azuis. – Claro que eu não tenho todas as respostas do universo, mas as que eu souber, vou lhe dizer.

                - Ronan, não se preocupe, ela não vai perguntar sobre os segredos ocultos do universo. – Lupus parecia irritado e dessa vez com razão.

                - Ronan é uma pessoa que leva muito a sério suas promessas. – Lass, por outro lado, estava calmo e compreensível. – Como pode ver às vezes ele tende a exagerar, usando o sentido literal de certas coisas.

                Uma ação automática do meu corpo foi massagear minhas têmporas, não querendo saber de mais nada, tratei de entrar logo no carro. Se eles são meus salvadores, eu estou com sérios problemas com a sociedade dos heróis.