Dangerous escrita por Carolina Moreira


Capítulo 13
Sono


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Capitulo 13 – Sono

Chegando perto da casa de Naomi, elas viram um casal se beijando no bar. Naomi congelou. Lira olhou a menina se perguntando qual era o problema. Olhou novamente o bar. James. E a menina era ninguém mais, ninguém menos que Kylie. Lira largou a mão de Naomi e foi raivosa para o bar, a fúria encheu a menina de coragem, mas ela sabia que broxaria ao chegar lá.

O casal se beijava perto da cerca branca baixa do bar, que ficava na esquina. Lira parou fora da cerca e ficou olhando eles dividirem suas salivas. Kylie abriu os olhos no meio do beijo e olhou diretamente para Lira. Assustada parou de beijar o menino, que por sua vez estava tentando ressuscitar a parceira no beijo. Após uma frustrante tentativa James parou provavelmente para perguntar qual era o problema, mas quando abriu os olhos ficou boquiaberto. Ela olhou para Lira e logo depois, quase que instantaneamente encontrou os olhos de Naomi há uns 30 passos deles.

Por um momento passou pela cabeça de Lira que aquilo era perfeito. Sem James no caminho ela poderia amar Naomi sem regras e traições, sem moderação. Mas pensar no tempo que o coração de Naomi levaria para cicatrizar tornou Lira amarga, e então ela continuou olhando para o casal que ainda estava perplexo.

– Não é oque você pensa – disse James para Lira. Mas ele não devia explicações para Lira, e sim para Naomi. Lagrimas começaram a invadir os olhos da menina loira. Lira permitiu-se olhar pra trás e viu aqueles olhos cinza chorosos e magoados – eu juro que não é – ele começava a se levantar da cadeira quando Lira meteu-lhe um belo tapa na cara, fazendo com que ele se calasse.

– Nunca é oque pensamos – disse Lira – mas sim oque vemos – completou dando-lhe as costas. Lançou um olhar furioso para Kylie antes de se juntar à Naomi e ir embora. Direcionaram-se pra casa da menina. Entrando no moquifo Naomi afagou os pelos de frangote.

E foram as reações de quem acaba de receber um belo par de chifres que se passavam à frente de Lira. Primeiro a raiva, ela ouviu xingamentos que nem sabia da existência. Depois a frustração, não ainda chorando, mas sempre dizendo ‘onde foi que eu errei?’ ‘a culpa sempre foi minha’ ‘eu poderia ter sido melhor’ e coisas do tipo. Terceiro a magoa que não lhe cabia mais no peito vazando pelos olhos.

Lira estava feliz por nunca ter sentido esse turbilhão de sentimentos por aquele motivo. Mesmo querendo ajudar ela não sabia como. A angustia da amiga estava tão deprimente... Naomi estava debruçada em um pote de sorvete e uma pequena bisnaga de calda. Ela chorava como louca aos soluços. Foi e voltou da cozinha duas vezes, jogando um pote para Lira. Com um pouco de insistência a menina decidiu comer um pouco, e assim notou que estava morta de fome e terminou o pote em menos de dez minutos.

– Licença – pediu Lira se levantando do sofá, Naomi apenas concordou varias vezes com a cabeça, chorando tanto que ás vezes até cuspia um pouco do sorvete de creme com calda de caramelo. Lira andou por entre os corredores e se adentrou no banheiro com ladrilhos azuis – ninguém mandou comer todo aquele sorvete – ouviu uma voz sexy e quente em sua cabeça, notou que era parecida com a de Clove – mas eu não comia faz tanto tempo – retrucou pra ela mesma se olhando no espelho. Levantou a camiseta, analisou a barriga magra e viu que o estomago estava ficando estufado – rápido, antes que ele fique cheio – disse se referindo ao próprio estomago. Debruçou-se na privada – você não quer ser gorda, quer? – se perguntou olhando a água parada que ali jazia. Colocou um dedo na garganta e sentiu a comida voltando pelo canal, parou e se sentou ao lado do vaso sanitário, respirou fundo uma ou duas vezes e colocou os dois de seus dedos, desta vez mais fundo, brincou um pouco com sua amidala e após algum tempo sentiu todo o sorvete saindo de seu organismo, passou a parte superior da mão na boca para tirar os resquícios e foi lavar os dedos na pia. Olhou-se novamente no espelho e sorriu – boa garota – levantou a camiseta novamente e se virou de lado, ela era tão fina, podia-se medir com uma régua quase menos de 7 centímetros de largura na parte do fim das costelas – você deveria parar com isso Lira – falou ainda se olhando e abaixando a blusa – eu só quero ser magra – ouviu a barriga reclamar, estava vazia – não esta roncando – disse acariciando a região e sorrindo – esta aplaudindo.

Voltou pra sala e se sentou com Naomi adormecida e toda babada, suja com sorvete. O relógio dizia que já era tarde pra ela ficar ali e que ela deveria voltar pra casa. Arrastou a amiga até a cama e limpou a mesa, pegou seu casaco e foi dar um beijo de boa noite na pessoa que ela mais amava no mundo. Depositou-lhe um beijo na testa, um beijo longo e sentimentalista. Quando estava quase fechando a porta Naomi lhe fez um pedido.

– Dorme aqui está noite – disse sem se virar ou olhar pra Lira – por favor.

Como sempre Lira não pensou duas vezes antes de aceitar oque Naomi dizia. Sorrindo se deitou ao lado de Naomi e ficou tão próxima da menina que ela poderia sentir sua respiração. Aquele nariz sardento era tão lindo, aquelas bochechas rosadas naturalmente tão encantadoras, e os cílios loiros curvados tão perfeitamente alinhados, sua boca fina rósea contrastava sua pele caucasiana e ela podia passar horas admirando aquela beleza incabível e perfeccionista, poderia passar horas procurando por um, mas nunca encontraria defeito algum. Enquanto olhava para o rosto adormecido e grogue de Naomi Lira sorria, encantada. A menina abriu os olhos vagarosamente. O cinza continuava calmo e sereno, mas os olhos estavam avermelhados e inchados, cansados de chorar.

– Aquilo foi errado – disse Naomi aos sussurros – nós não deveríamos... – incompletamente continuou, ela olhava fixos os olhos azuis de Lira, azuis que lhe lembravam do mar – você sabe... – tentava dizer mas parecia que as palavras não saiam de sua garganta – nós... não damos certo Lira – conseguiu dizer – entende? Eu sou... Heterossexual – disse por fim. Lira continuou evasiva, por fora. Levantou-se da cama e colocou os sapatos – onde vai? – perguntou Naomi se sentando, mas Lira não lhe deu resposta.

Foi pra casa e se trancou no quarto. Depois que a noite caiu Lira foi para o banheiro da sua suíte. Ela estava se sentindo um lixo, ela estava se sentindo como merda. Ela fora usada como experimento de Naomi. Só agora ela entendia porque odiava tanto a musica I kissed a girl da Katy Perry. Ela odiava a música porque ela dizia que a menina era ‘Apenas seu jogo experimental’. E era exatamente assim que Lira se sentia, apenas uma peça escrota de jogo, usada e jogada fora. Naomi nunca a amou, nunca a amará, e nunca ninguém o fará.

– Um corte aqui – dizia ela com a lamina da gilete cortando os pulsos – outro ali – continuava Lira – ninguém verá – completou a menina com lágrimas nos olhos e sentindo o sangue escorrer e sujar o chão gelado do banheiro onde ela estava sentada – ninguém se importará – finalizou fazendo cortes laterais por cima do resto de cicatrizes que ela continha. Ela estava pensando se ela fizesse cortes profundos e na direção que as veias corriam alguém conseguiria costurar depois, mas mesmo que ainda achassem ela com vida ela morreria anêmica no fim das contas.

Passou horas vendo seu sangue escorrendo, ás vezes até colocava um pouco do liquido vermelho vivo na língua, ela gostava do gosto de ferro. Sentiu-se zonza e desmaiou. Acordou em sua poça de sangue, sozinha como todas as manhas. Entrou no chuveiro e lavou os cortes, lavou o cabelo e todo seu corpo desnutrido. Ela estava achando um pouco difícil caminhar esta manhã porque estava sem forças. É como aquilo que sua professora do maternal diz: O combustível de um carro é a gasolina. O combustível de uma pessoa são os alimentos. E faz tempo que Lira não botava uma aditivada.

Ligou para o hospital e ficou sabendo que seu pai recebera alta, afinal não fora nada muito grave, mas descobriram que ele estava com muco nos pulmões e acabaram fazendo uma lavagem, então a facada que ela dera não fora de todo ruim para o homem. Descobriu também que eles saíram do hospital pela manhã e que já eram 15:30. Ligou pra casa de sua avó e a velha atendeu.

– Oi vovó – disse Lira gentilmente, podia ver o sorriso sem dentes da avó em sua mente – tudo bem? – perguntou com a voz doce – eu queria falar com o Brendan.

– Boa tarde minha florzinha de Liz – disse a avó, Lira sentia tanta saudade dela, faziam mais de 6 anos que elas não se viam – só um momentinho que vou chama-lo, fique com Deus – disse a velha se despedindo. Deus não me ama mais. Pensou Lira.

– Aaalô – disse uma voz infantil do outro lado da linha. Lira sentia tanta saudade daquela voz estridente, daquele jeitinho meigo e carinhoso dos abraços do irmão. Ela sentiu as lagrimas quentes caindo pela face.

– Brendan, s-sou eu. Sua i-imã, v-você se lembra? – perguntou com medo da resposta – a Lira. Eu queria dizer – disse já aos soluços – que eu te amo muito, e que eu sinto muito a sua falta – bateu com força o telefone no gancho e seus joelhos cederam. Se ela queria usufruir seus poucos líquidos restantes com lagrimas que elas fossem por seu irmão.

O telefone tocava gritante, ela deixou que tocasse, não queria ouvir a voz de ninguém do outro lado da linha. Mas a pessoa fora insistente, ligou cinco talvez seis vezes antes de Lira se irritar e agarrar com ódio o aparelho.

– Que é? – perguntou grossa e raivosa para pessoa do outro lado.

– Olá, senhorita Liranda – disse docemente a pessoa do outro lado da linha – sei que pode não ser uma hora oportuna, mas a família Goebbels gostaria de te convidar, infeliz e formalmente para o velório de Pauline Joseffa Goebbels que acontecerá neste final de semana – o telefone escorregou da mão de Lira e ela olhava alarmada para o chão, ela ainda podia ouvir a voz da mulher do outro lado da linha mesmo com o aparelhos longe de suas orelhas – sei que é uma noticia muito triste, mas todos os familiares e amigos estarão lá e seria de grande prazer se a senhorita comparecesse. Te esperamos sábado às 9 horas, tudo bem? – Ela esperou por uma resposta – Senhorita Lira? Senhorita Liranda – começou a se exaltar a moça.

Lira puxou o telefone da tomada, tirou o cabo para que não tivesse mais que ouvir a mulher falando. Lira estava exausta de tudo isso.

Aquilo era a gota d’agua. Deus só poderia estar tentando tirar Lira deste mundo. Tudo deu para desmoronar hoje? Desmoronar agora? As rochas estavam sufocando Lira, amassando suas costas, ela podia sentir o atrito de seus ossos na terra, o atrito de sua vida com o inferno.

O telefone tocara novamente. Uma, duas, três vezes até que ela arrancou o telefone do gancho.

–Boa noite Lira - dizia aquela voz suave e calorosa. Clove.

Lira não se deu o trabalho de responder. Bateu o telefone e se direcionou ao banheiro. Olhou-se no espelho. Estava decidida.

Lira foi até a cozinha e pegou uma garrafa de vinho italiano na adega, um tinto favorito de sua mãe que sobrara da farra que ela fizera outro dia, pegou quatro caixas de comprimidos que sua mãe usava para dopa-la quando queria levar homens para sua casa e ganhar uns trocadinhos. Apenas 1 poderia fazer com que você passasse uma noite tranquila e longa, quatro caixas poderiam talvez fazer com que você nem acordasse mais. Lira pegou uma pera e engoliu com rapidez, preparando-se para hibernar. Foi até seu quarto e destacou todos os comprimidos das tabelas, um por um viu uma montanha branca se formar em cima de seu colchão sem lençol. Sem mesmo um copo d’agua Lira botou de 5 em 5 os soníferos na boca e engoliu. Eram mais de 40 comprimidos e a dose para o peso da menina era bem pouca. Depois do trigésimo segundo ela desmaiou, ainda deixando por volta de oito sobre a cama.


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