-WALT-

Eu estava incrivelmente irritado com Sadie.

Eu nunca havia ficado irritado com ela desse jeito. Era uma sensação horrível, que me dava vontade de levantar e sacudi-la até fazê-la ver a razão.

[Você está certo, Anúbis. Quando foi que Sadie viu a razão?].

Eu havia pedido (ok, mandado) que ela desistisse dessa missão estúpida, que até então era tão repulsiva para ela quanto era para mim, e ela simplesmente havia aceitado, apenas para me contrariar.

Carter, que desde a saída de Sadie não havia dito uma palavra, se manifestou:

-Ah, Walt – disse ele balançando a cabeça – Você deveria saber como ela é. Odeia receber ordens. Vai fazer exatamente o oposto do que você mandar.

Enfiei meu rosto em minhas mãos, frustrado com o comportamento rebelde dela. Enquanto eu estava ali, me remoendo, ela estava no andar de cima, se arrumando para seduzir outro cara.

Eu gostava muito dela. Quando eu ainda estava sob a maldição de uma morte iminente, havia momentos em que eu me sentia muito mal. Tão mal que eu queria desistir de tudo e me entregar. Mas a perspectiva de nunca mais ver seu lindo rosto, de ouvir suas respostas teimosas e de tocar seus cabelos multicoloridos era simplesmente terrível. Então eu lutava. Por ela.

Mas então eu me juntei a Anúbis. Não era a melhor coisa do mundo, mas era o único jeito. Anúbis era uma companhia agradável e pelo menos nós dois concordávamos em uma coisa: Nós erámos perdidamente apaixonados pela a cabeça dura da Sadie. Foi difícil de me adaptar, mas com o tempo eu consegui. O único problema era: Quando ela iria se adaptar?

Eu estava tentando dar algum tempo e espaço para ela, porém era muito difícil. Era muito difícil não beija-la toda vez que ela mordia o lábio inferior (o que acontecia com frequência, apenas para me irritar). Era muito difícil não abraça-la toda vez que ela tremia de frio. E, principalmente, era muito difícil não socar a cara de todo garoto que olhava para ela.

[Anúbis está dizendo que a culpa era minha, que não tinha o deixado fulminar todos os caras nem dá-los de comer para Ammit].

Eu estava vagando a algum tempo, sentado na cadeira na varanda, olhando para Filipe nadar sem realmente vê-lo. Todos já haviam se levantado, apenas eu havia permanecido. O tempo passava sem eu nem perceber enquanto eu refletia sobre a minha situação com Sadie quando eu ouvi um grito vindo de uma das janelas acima de mim:

-NÃO! NÃO! – com essa voz tão suave, só podia ser Sadie - Se você encostar uma gota dessa tinta no meu cabelo faço você beijar o traseiro rosado de Khufu!

Eu ri baixinho, porém pensei de novo. Pintar o cabelo? NÃO! Não podiam pintar o cabelo dela! Eu gostava daquele jeito. Era louro quase dourado, com suas mechas coloridas peculiares que davam a ela um ar alegre e rebelde.

Depois eu suspirei de alívio. Sadie nunca iria deixar Jaz pintar seu cabelo. Ela gostava dele tanto quanto eu.

As horas se foram com uma lentidão inesperada. Quando me dei conta, o céu já havia escurecido e as luzes da cidade começavam a se acender. Com um suspiro conformado eu me levantei para me arrumar para o baile. Subi a escadaria devagar, com cuidado, já que eu havia perdido a conta de quantas vezes eu tinha tropeçado nos brinquedos de Shelby e rolado escada abaixo. E depois ainda tinha que acalma-la, pois ela chorava inconsolável dizendo “Você pisou no Sr. Fofinho! Você pisou no Sr. Fofinho!”.

Meu quarto era o último de um longo corredor do primeiro andar. Antes dele ainda vinham o quarto de Felix, Cloe, Shelby e Jaz. Eu estava atravessando a porta de Shelby (que era enfeitada com flores, porquinhos da índia multicoloridos e ilustrações de uma cobra com “X” no lugar dos olhos e os dizeres “MORRA, MORRA, MORRA” escrito diversas vezes em sua caligrafia infantil), quando ouvi outro dos suaves gritos de Sadie:

-Chega para lá com isso, Jasmine! – e um barulho de passos apressados e alguma coisa se quebrando – EU NÃO VOU USAR ISSO! SAI PARA LÁ!

Eu caminhei até a porta de Jaz e levantei minha mão para bater na porta, mas antes que eu tivesse a chance, a porta se abriu abruptamente e alguém saiu afobado. Houve um encontrão e eu e esse alguém rolamos para o chão do corredor.

Senti uma dor aguda na parte de trás da minha cabeça e levantei os olhos para ver quem que havia caído em cima de mim.

Quando eu percebi, não pude evitar corar.

Era Sadie. De toalha.

Ficamos um tempo no chão, envergonhados, um encarando o outro. Estávamos parados naquela posição constrangedora. Mas eu não conseguia me levantar. Fazia tanto tempo que eu não a sentia assim tão perto de mim. Tempo demais.

E havia coisas que eu queria dizer a ela. Coisas como “desista desse plano maluco, sua maluca” e coisas românticas também.

[Pare de rir, Anúbis].

Nenhum de nós tomou a iniciativa para se levantar. Só ficávamos lá, paralisados, olhando um nos olhos do outro. Foi quando atrás de mim eu ouvi um pigarro incomodado.

-Estou atrapalhando? – perguntou Carter que estava de pé atrás de mim com os braços cruzados.

Eu levantei com tanta rapidez que quase derrubei Sadie. Nós dois nos levantamos e ajeitamos nossas roupas (no caso dela, a toalha) e caímos em um silêncio desconfortável. Sadie corou até a raiz dos cabelos.

Foi quando eu percebi.

-SEU CABELO ESTÁ PRETO! – gritei assustado.

Sadie não teve a chance de responder, pois nesse momento Jaz e Cloe a agarraram por trás e a puxaram parar o quarto, trancando a porta atrás de si, abafando assim os gritos estridentes de Sadie.

Bufei. Essa menina iria me deixar louco.

Fui para o meu quarto. Era um quarto bem simples. Não havia nada muito pessoal ali, apenas um porta-retratos antigo sobre uma escrivaninha com uma foto minha e de minha mãe. Sentei na beira da cama e tirei os tênis, deixando-os ao lado do guarda roupa. Peguei uma toalha limpa e me dirigi para o banheiro, onde tomei um banho.

Um banho bem gelado.