Will You Remember? escrita por cmatta


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

!! CAPÍTULO EDITADO EM JULHO/2017 !!

Reescrevendo (lentamente), já que me dá vergonha alheia reler o começo dessa história. Vamo perdoar qualquer coisa ruim nos próximos enquanto eu não edito eles, capiche?
O enredo NÂO muda, então não tem problema se você chegou aqui agora e quiser continuar. Se algo mudar e tiver reflexo no futuro, eu aviso ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/305146/chapter/1

O sinal anunciando o início das aulas do dia soou ecoando por todo o colégio. Todos aqueles jovens arrastavam suas mochilas pesadas em direção às suas salas.

Menos ele.

Neil Collins, um garoto magricela e baixo, a pele bem clara e os cabelos cacheados e loiros. Estava sentado em uma mesa no canto da biblioteca ao lado de uma janela; folheava um livro com um enorme interesse, até que a bibliotecária apareceu em sua frente avisando que a aula começara. Ele assentiu e juntou suas coisas; carregando-as sob os braços com certa dificuldade, dirigiu-se à saída. Colado na porta de vidro da biblioteca, um cartaz bem chamativo tinha em letras colorida: “Vendas de convites para o baile de inverno na sala do grêmio. Já tem o seu par?”. Neil abaixou o olhar e seguiu pela escada logo à esquerda.

Chegou à sala barulhenta de conversas e brincadeiras. O professor estava atrasado. Neil torceu o nariz antes de entrar e ir devagar até o seu lugar na outra ponta da sala. Pouco antes de chegar até ele, tropeçou em um bolo de mochilas que haviam feito entre uma e outra fileira de carteiras. Os livros que carregava agora voavam a certa distância do garoto. Não demorou a todas as atenções caírem sobre ele e todo o pessoal começar com risadinhas. Neil se levantou e pegou seus livros, sentando-se logo em seguida e abrindo o livro de história, tentando distrair-se com ele. Pôde ouvir certos comentários ao fundo. “Só podia ser o Collins mesmo”, “Que idiota, cara”, alguns poucos “ai, coitado”.

 

 

Quase toda a escola já estava fora do velho prédio, onde havia um longo gramado bem verde e algumas poucas árvores. Entre o fim do gramado e a rua, um pequeno muro, algo em torno de um metro de altura. Nele estavam sentados dois garotos: um deles, Matthew Hunt - alto e magro, cabelos vermelhos lisos totalmente desalinhados – estava concentrado em um jogo em seu videogame portátil, ora xingava o personagem que usava, ora vibrava em vitória. Ao seu lado estava Michael Cook - um pouco mais baixo que o amigo, o cabelo loiro ouro descendo a nuca e uma franja jogada com as mãos para trás.

Neil passou por eles, carregando alguns dos livros. Michael sorriu de escárnio e esticou a perna enquanto ele passava, que o fez tropeçar a derrubar o que levava. Mike só deu uma risadinha e foi responder alguém que lhe chamou do outro lado. Matthew desviou o olhar por um momento do videogame em direção a Neil, que agora estava recolhendo o último livro e pronto para atravessar a rua. Em seus olhos verdes um pesar. Michael notou o olhar fixo do amigo e passou a mão em frente de seus olhos.

— Matt. - chamou.

— Hã? Ah, merda, perdi. - Reclamou, voltando a encarar o jogo.

Matthew. — chamou novamente, com a voz elevada.

— O que? Que foi?

— Vamo pra minha casa?

O ruivo assentiu e ambos se levantaram. Matt ainda com o jogo na mão, o olhar fixo na tela brilhante.

 

 

Neil subia uma rua que levava até sua casa, abraçando os livros a frente do corpo. As palavras brilhantes do cartaz que vira na biblioteca horas mais cedo voltaram à sua mente. E veio junto o desejo de ir. Em como a ideia de se arrumar para um evento lhe parecia agradar, que talvez tivesse a chance de se incluir em algum grupo e que aquela noite poderia ser um marco legal em sua vida aparentemente monótona.

Parou de andar e sacudiu a cabeça freneticamente, afastando seus pensamentos.

Ele e os outros dois meninos se conheciam desde nascença graças às amizades entre seus pais, sempre iam um na casa do outro por conta disso. E assim se decorreu quase uma década. Então algo aconteceu que os afastara, e ele não sabia ainda dizer o que foi. Michael passou a importunar Neil com muito mais frequência que o habitual e de uma forma muito mais maldosa, beirando o desprezo; enquanto Matthew ficava ao lado, sem dizer muita coisa. E desde então, Neil passou a observá-los, à distância, agirem como irmãos gêmeos o tempo todo. Mas nada disso conseguia fazer com que Neil os odiasse ou tivesse algum sentimento ruim sobre eles. Muito longe disso. No final, esses dois eram as pessoas que mais se aproximavam de amigos para ele.

 

 

Matt ainda caminhava distraído em seu jogo enquanto seguia a imagem do amigo na visão periférica. Faltavam alguns quarteirões até a casa do loiro quando passaram ao lado de um grande playground. Alguns balanços próximos a uma enorme árvore com as folhas amareladas começando a cair, escorregadores em forma de animais e, mais afastado, um campinho de futebol. Michael parou, assim como fez com o amigo em um baque no seu braço direito, que o olhou feio.

 

O sol estava no topo do céu quando dois meninos correram do campinho até um homem alto e loiro que segurava uma câmera antiga de filmagem. O loirinho segurava uma bola de futebol suja de lama e ria enquanto o menino de cabelos vermelhos lhe bagunçava os cabelos. Ambos deviam ter nada mais do que seis anos.

— Então? Qual de vocês venceu? – o homem perguntou com uma voz animada.

— Somos um time, pai. – O loiro respondeu como se fosse a coisa mais óbvia – Não tem como ninguém perder.

— Aham. Não tem como ninguém separar a gente, né Miky?

O garoto concordou com um abano agitado da cabeça, tendo logo em seguida os ombros tomados por um dos braços do amigo.

— Não importa o que aconteça, a gente vai sempre estar junto, que nem você e a mamãe. – completou sério, arrancando um riso curto do pai.

— Então vocês vão se casar também? – Perguntou, já rindo novamente.

— Claro né – Matt respondeu sério. O menino ao lado assentiu.

— Matty vai ser minha esposa, né pai?

— EU NÃO!

O homem riu enquanto os meninos continuavam discutindo quem seria quem no casamento.

 

Michael riu nostálgico – pôde jurar que sentia seu rosto aquecer levemente. Olhando fixamente para a grande árvore, abaixou o videogame do campo de visão do melhor amigo, puxando sua atenção.

— Você lembra, Matt?

— Do que?

O loiro ficou em silêncio, até se aproximar dos balanços. Seu olhar permanecera vazio por alguns instantes. Matthew o seguiu.

— O que você acha? – Perguntou enquanto lhe bagunçava os fios loiros como o habitual – Maridinho — riu. 

— Sempre soube que eu era homem aqui – encarou o amigo com seus olhos azuis maliciosos. Jogou sua mochila num canto para então sentar em um dos balanços – Aposto que vou mais alto que você, hein – Terminou dando um forte impulso.

— Não aposte coisas que você sabe que não consegue. – disse desdenhoso, jogando sua mochila junto à outra e sentando no balanço ao lado.

 

 

Já era tarde da noite. Neil estava sentado em sua cama, um tabuleiro de xadrez à sua frente e, juntamente a ele, seu pai jogando com as peças pretas. Neil tinha em seu poder grande parte das peças do homem, o tabuleiro era praticamente tomado pela cor branca. Simon era um homem de estrutura média e fraca, nada muito diferente no filho. A única diferença entre os dois era a cor do cabelo; em Simon era um marrom. Marcas expressivas em seu rosto denunciavam-lhe a idade, apesar de continuar incrivelmente belo. O telefone tocou no corredor em frente ao quarto. Simon suspirou aliviado e levantou-se da cama.

— Hora de dormir. – disse, chegando à porta.

— Só porque eu estava ganhando – riu.

Simon sorriu e negou, antes de ir até o telefone. O garoto juntou as peças e guardou tudo em seu devido lugar; puxou as cobertas e deitou na cama. Colocou as mãos sob a cabeça e passou a fitar o teto branco de seu quarto com um olhar vazio. Seu pai reapareceu na porta e desejou-lhe uma boa noite, antes de apagar as luzes e fechar a porta. Neil continuou fitando, agora, o negro que engolira seu quarto. Pegar no sono foi questão de poucos minutos. Nesse curto tempo, a ideia daquela festa vinha e ia, até que sua mente se desligou por completo.

 

 

 

Tinham passado algumas aulas do dia quando soou o sinal para o início de mais uma aula de estudo das artes. O professor entrou naquela classe caótica ordenando a todos que se sentem. Neil tentava enxergar a lousa e terminar de copiar o resto da matéria de história da aula passada, mas Michael teimava em parar em seu caminho. O homem à frente da sala jogou fortemente sua pilha de livros e papeis pesados sobre a mesa; o barulho ecoou por toda a sala, algumas garotas pularam de susto, os garotos se calaram. Diante do breve silêncio, o homem pigarreou, encostando-se na beirada de sua mesa.

— Bom, vocês sabem que a escola tem essa coisa de envolver os alunos em tudo.

— Que nem aquele do dia dos namorados no ano passado? –uma garota no fundo da classe perguntou.

— Exatamente. – Respondeu erguendo o polegar em um sinal positivo – E por sorteio, vocês foram uma das turmas encarregadas do baile de inverno esse ano.

As últimas palavras do homem geraram histeria nas meninas e um silêncio chato nos meninos. O homem retirou do bolso interno de seu terno dois saquinhos cheios de pedacinhos de papel dobrados enquanto dizia com a voz atrapalhada “Quanto antes ficarem prontos, melhor”. Ele sacudiu o saco a frente de seus olhos.

— Aqui tenho os nomes de vocês. Mudando um pouco o costume antigo de liberar a livre escolha das duplas, hoje vou sorteá-las, logo em seguida, as funções. Lembrando que vale parte da nota da minha matéria, então comprometam-se a fazer um bom trabalho.

Michael, que já trocava olhares com Matthew como dizendo para irem juntos, agora olhava ameaçadoramente para o professor. Já tinham algumas duplas formadas; a expectativa de os dois inseparáveis caírem juntos misteriosamente crescia dentro de Mike.

— Agora, Matt com... – Michael olhou esperançoso o próximo papel que era retirado do saquinho – Neil.

— QUE? – Michael gritou batendo contra a carteira, inconformado. Podia cair qualquer um, menos ele.

— Michael, por favor. – pediu.

— “Por favor”, professor? Não pode ser assim. Tira de novo. De preferência, pegando o meu papel. – Mandou, com um sorriso convencido no rosto.

— Obviamente, só porque você quer. – Respondeu irônico, antes de pegar, em um saquinho diferente, um papelzinho com a função da dupla. – Matt, Neil, vocês estão encarregados também de parte da decoração do salão. Cartazes, faixas, o que quiserem.

Ambos assentiram e trocaram um breve olhar. O homem pôs-se a sortear mais algumas duplas, até que faltaram somente mais dois papeis. Michael congelou encarando o professor com uma cara de horror.

— Bom, então vai ser Michael e Leslie.

— NÃO! - os dois gritaram juntos.

— Vejo que já são bem unidos – novamente irônico. – Vocês vão cuidar das músicas. Feito as duplas, peguem seus livros e quero saber a quantas anda o projeto que mandei pra vocês. – terminou com um sorriso no rosto.

 

 

As aulas do dia tinham terminado e todo aquele mutirão de adolescentes saía do prédio com certa pressa. Matthew estava recostado ao muro enquanto esperava sua dupla sair. Acabou não indo falar com ele durante as aulas, então teria que fazê-lo agora. Michael fitou-o com uma certa raiva e seguiu seu caminho, dando um aceno leve para o amigo.

Neil saiu mais uma vez com um monte de livros nos braços. Andava um tanto distraído e deu um pequeno pulo quando Matthew apareceu em sua frente. Perguntou-se se o ruivo sempre fora tão alto assim...

— A gente tem que começar a organizar as coisas, né? – Matt perguntou. Neil respondeu somente com um aceno da cabeça, o olhar baixo. – Onde a gente pode ir pra fazer? Lá em casa é tudo meio bagunçado, então...

— Ah... Na minha casa dá, eu acho. Meu pai não se importaria.

— Ok. Amanhã? Pra começar a planejar...

O menor concordou e logo se despediu, começando já a caminhar, mas seu pulso foi puxado. Virou rapidamente o olhar e passou a fitar o ruivo, que o segurava com um sorriso e virava-se para pegar algo na mochila.

— Olha – começou, destampando uma caneta com a boca – Esse é meu número, me liga pra confirmar tudo. – disse com a voz esquisita enquanto segurava a tampa no canto da boca e escrevia o número de sua casa na mão do loirinho. – Vê direito com seu pai.

Ele assentiu e olhou os números rabiscados na palma de sua mão. Um sorriso quase invisível abriu-se em seu rosto pálido. Despediram-se novamente, agora seriamente, e Neil seguiu seu mesmo caminho de todos os dias. Deu mais uma olhada em sua mão, agora se perguntando se um dos números ali seria um zero ou um seis. Uma sensação engraçada tomou conta de seu peito.

Chegou a sua casa abraçando os livros, a respiração um pouco mais pesada por andar sob o sol. Largou seu material sobre uma mesa ao lado do sofá da sala e dirigiu-se à cozinha.

— Neil, filhão! – Simon ergueu os braços com um sorriso enorme. Em suas mãos, uma colher de madeira e um potinho de tempero. – Adivinha o que seu pai está fazendo hoje!

— Cozinhando? – perguntou sem alterações em seu rosto.

— Ah, bom... sim. Mas adivinhe o quê!

Neil fez uma cara pensativa; a mão sob o queixo e um olhar distante. Voltou a encarar o pai.

— Macarrão?

Simon fez um gesto de vitória com as mãos. Jogou a colher numa panela cheia de um molho vermelho forte, que espirrou sobre o fogão todo, e pousou o potinho sobre a bancada. Desamarrou o avental roxo florido que usava e colocou em um canto qualquer do pequeno balcão.

— Como foi seu dia? – perguntou, esfregando os cabelos loiros do garoto.

— Normal...

O homem foi até a sala e jogou-se esparramado no sofá, caçando o controle remoto da televisão debaixo das almofadas. Neil sentou-se a seu lado e pegou o controle da pequena mesa que havia ao lado do móvel e entregou ao pai.

— Vou trazer um – fez uma rápida pausa, não sabia que palavra seria mais adequada para se referir a Matt – amigo aqui amanhã, viu? Pra fazer um trabalho da escola...

— Tudo bem. Eu conheço ele? Por que não me apresenta seus amigos, Neil? – forçou uma expressão desapontada e triste ao mesmo tempo.

— É o Matthew, pai.

— Aquele ruivinho que andava com o Mike? – Neil assentiu, como se Simon não soubesse quem era – Oh, pegou dupla com ele? Como o Michael reagiu? Queria poder ter visto – terminou com um tom debochado.

Neil apenas sorriu.

— Michael caiu com a Leslie.

— Aquela menina que andava grudada em você, né? Oh... Ele deve nutrir um ódio enorme pelo professor agora.

Ambos sorriram e o silêncio se fez presente, com exceção do som da televisão. Esses quatro garotos eram próximos desde muito novos, e o mesmo acontecia com seus pais, até a morte de James e Frank anos atrás. Simon sabia tudo sobre os garotos, e muito diferente do filho, adorava mexer com os garotos, ainda agora. Sua maior paixão era Michael por conta de seu temperamento forte e pavio curto, além de ser amigo de infância de sua mãe.

O garoto levantou num estalo, como se lembrasse de algo importante, e procurou em seu material algum papel e caneta. Anotou o número que estava em sua mão e guardou-o.

 

 

 

Neil havia chegado um pouco mais cedo do que o normal na escola naquela manhã. Sentado já em sua sala dessa vez, tinha sobre a mesa algumas peças do que possivelmente seria um pequeno robozinho no fim do dia; um conjunto de robótica que seu pai lhe comprara alguns dias atrás e só hoje tirara da caixa. Faltava em torno de vinte minutos para o início da primeira aula; aproveitou o tempo para iniciar a montagem.

Ainda tinha algum tempo antes do sinal. A porta foi brutamente aberta, chamando atenção do garoto sentado sozinho na sala. Matthew percebeu a presença do outro e congelou por alguns poucos segundos, antes de adentrar por fim e se dirigir a seu lugar.

— Não tá meio cedo, não? – Perguntou, esquecendo que ele mesmo chegara adiantado.

— Faço-lhe a mesma pergunta. – Respondeu sem tirar os olhos do que fazia. Até que suas peças foram cobertas pela sombra do ruivo observando-o; desviou então o olhar.

— Que legal! – quase gritou em pura animação, sentando na carteira à frente. – Eu tava querendo um desses, mas não consegui juntar dinheiro o suficiente – riu.

Neil sorriu suave, erguendo levemente as pontas dos lábios.

Quanto a sala começou a encher, pouquíssimos minutos antes da aula, Matt se levantou dizendo que era melhor voltar a seu lugar antes que o dono da carteira em que estava sentado chegasse. Neil chamou-o antes que se sentasse novamente no outro lugar.

— Meu pai disse que pode ir hoje depois da aula – sua voz saía baixa, tímida – Se você achar melhor assim.

— Certo.

O garoto permaneceu em silêncio enquanto Matthew se afastava. Pouco tempo depois Michael entrou pela porta, chutando uma mochila que encontrou no caminho e xingando meio mundo por ter perdido o horário e Matt não tê-lo esperado.

— MATHEW HUNT – gritou, jogando a mochila em seu lugar e encarando o, até então, amigo. Seus olhos demonstravam sua falta de humor nessa manhã. – Como se atreve a me largar assim, hein? Não pensou nem em esperar cinco minutos? Não, é muito difícil esperar a porra de cinco minutos! – continuou, irritado.

— Mike... – Matthew chamou com voz calma e agitando as mãos pedindo-lhe que parasse de gritar.

— Aposto que já está aqui há muito tempo, viado filho duma puta.

— Ah não, viado é mancada, Miky – falou rindo, sentando-se em sua carteira, ignorando totalmente o loiro. – Aliás, eu esperei quinze. Parece mulher, Mike. Não precisa se arrumar tanto pra vir me ver, tá? Sei que é complicado se manter tão bonito, mas...

E essa foi a goda d’água para Michael. Ele voou para a carteira do ruivo, segurando-o pelo colarinho da blusa com força.

— Ei, calma lá, garotão. – Matt colocou as mãos sobre os ombros de Michael. – Não é pra tanto, né? Agora me solta como um bom garoto, tá?

Michael deu-lhe um soco no ombro direito e se afastou, sentando-se em sua carteira. Matt riu, passando a mão sobre o local. O menino sempre fora assim explosivo. E por motivos quase insignificantes. Cenas assim eram tão comuns no dia a dia de Matthew que ele já achava graça em todas elas. E era em momentos assim que muitos se perguntavam como os dois se davam tão bem.

 

 

O dia escolar estava em seus últimos e mais torturantes cinco minutos. Matthew mantinha seu videogame no mudo e escondido sob a mesa que tinha uma pequena pilha de livros e cadernos. Michael, na carteira a frente de Matt, estava totalmente jogado sobre seu caderno, dormindo. Neil tentava anotar tudo com um ar sonolento, que não era para menos. Aula de geografia. O professor era um senhor de idade, falava devagar e escrevia ainda mais. A matéria também não era muito agradável – geologia. O professor tinha um desenho esquemático de diversos relevos que tomava por completa a lousa com textos e questões.

E então o sinal de fim de aula soou, acordando todos dessa aula. Já estavam com quase todo o material guardado quando o professor chamou a atenção de todos com sua forma delicada.

— Quero que façam os exercícios da página – fez uma pequena pausa, enquanto observava seu livro aberto sobre a mesa – 251, para a próxima aula. – terminou de falar com seu sorriso fino habitual, fechando seu material e pronto para sair em seu modo vagaroso.

Matthew, ainda sentado, fez o favor de chutar Michael para que acordasse, que obviamente xingou-o com palavras que ele mal conhecia. Abrindo a mochila na cadeira, o ruivo jogou todo seu material da mesa para o interior dela, deixando-os horrivelmente bagunçados e quase impossível de fechá-la.

— Matt, quer ir lá... – começou, colocando seu caderno na mochila e passando a mão no rosto ainda dormindo.

— Hoje não dá. – disse, fazendo força para tentar fechar sua mochila.

— Por que não? – Perguntou, já com a mochila pendida em seu ombro direito. – Vai me dizer que sua mãe te proibiu de sair de novo?

— Ah, não é isso, não. – Conseguindo finalmente fechá-la, colocou-a nos ombros e pegou seu videogame que estava sobre a mesa. – É que tenho que ir à casa do Neil começar o trabalho.

Michael permaneceu em silêncio, mas sua expressão mostrava total irritação. Sua extrema infantilidade parecia não aceitar que Matt passasse mais tempo com o outro menino do que com ele. Contrariado, saiu da sala resmungando e procurando algo nos bolsos. Depois de sumir da visão de Matthew, não demorou a voltar para a porta da sala e encarar o amigo com o olhar mais doce do mundo.

— Matty, me empresta dinheiro? – Pediu, agarrando-se à porta e fazendo uma expressão angelical, que junto aos seus cabelos dourados, era bem difícil de negar como ficava atraente.

Riu divertido, colocando a mão no bolso do casaco e tirando uma nota, o ruivo seguiu para a porta e entregou-lhe o dinheiro. Olhou para dentro da sala e fez um sinal para Neil, dizendo que esperaria lá em baixo no gramado. Desceu junto a Michael, ouvindo-o reclamar sobre qualquer coisa.

— Michael, você tem que parar de reclamar de tudo, parece um velho assim.

Ele só fez erguer uma sobrancelha e encarar o amigo ao lado.

— Sorria mais, Mike.

Michael diminuiu o passo por alguns segundos. Pareceu refletir sobre algumas coisas que o fez ficar com uma expressão culpada, mas voltou a seguir o amigo quando este parou para fita-lo. Desculpou-se em um sussurro quase inaudível; a cabeça abaixada.

— O que?

— Nada.

Caminharam em silêncio até o exterior do prédio, naquele longo gramado verde, coberto pelas folhas das árvores alaranjadas. Michael deu um tapa amigável em Matthew e se despediu, sumindo pela rua. Matt olhou em volta procurando pelo parceiro, mas acabou não achando nada além de um grupo enorme e falante de adolescentes. Sentou-se no murinho como fazia quase todos os dias com Mike e puxou seu videogame do bolso, retomando ao que estava na aula.

A entrada do prédio já estava bem vazia quando Neil atravessou o verde até chegar ao ruivo. Hesitou um pouco antes de cutuca-lo delicadamente.

— Desculpa, Leslie me prendeu lá em cima...

— Ah, tudo bem. Mas o tempo não tá muito bonito, então é melhor a gente acelerar antes que chova.

Neil concordou e seguiu seu caminho de sempre, com Matt sempre a seu lado. Ele não morava muito longe da escola, poucos quarteirões dela, com uma subida no meio do caminho. Não demorou quase nada para chegarem à casa do garoto. Era um sobrado pequeno, parecia ter dois ou três quartos no andar de cima. Collins tocou a campainha algumas vezes, chegando à conclusão que seu pai não chegara ainda.

— Pode segurar pra mim? – perguntou, entregando a Matt os livros que segurava.

Tirou a mochila dos ombros e pousou-a ao chão, abrindo-a calmamente e procurando suas chaves do mesmo jeito. Abriu a porta depois de pegar seus livros de volta. Deixou-a aberta, dizendo ao colega que entrasse e que poderia deixar seu material junto ao sofá, onde largou sua própria mochila e livros.

Neil sumiu depois de atravessar um curto corredor, deixando Matthew um tanto intrigado. Seguiu até metade do caminho, quando ouviu Neil falar com ele.

— Parece que meu pai não tá mesmo... – Disse saindo da cozinha, batendo de frente com Matt. Afastou-se abaixando a cabeça rapidamente – Ah. Desculpa... – Terminou desviando o olhar. – Eu vou fazer alguma coisa pra gente comer.

— Posso ajudar?

Neil já estava um passo dentro da cozinha. Recuou-o e observou a feição horrivelmente simpática do ruivo e teve seu rosto suavemente ruborizado. Retornou rapidamente, concordando com a ideia e começando a separar as coisas.

 

 

Havia já algumas horas que estavam sentados na mesa de jantar planejando o que fariam com o trabalho. Várias folhas de caderno amassadas espalhavam-se com rabiscos do que tentaram pensar em todo esse tempo. Neil não tinha a visão mais artística da turma e, embora Matthew a tivesse, não se interessava o suficiente para ter noção básica de um evento desses – mal se lembrava se fora nos anos anteriores. Ele tentou esboçar uma grande faixa temática para pendurar em uma das paredes do ginásio, mas não achava que era o suficiente.

No fim, quem liga? ­— pensou – É só entregar e ter a nota.

O trabalho árduo foi interrompido com o telefone tocando no corredor que levava à cozinha; Neil se levantou e deu uma leve corrida até ele. Matthew continuou brincando com os papeis por alguns minutos, rabiscando imagens aleatórias com uma caneta até formar o que ele achou genial— em suas palavras. Levantou-se animado com o papel e foi encontrar o garoto, esperando receber um sorriso em aprovação. Mas quando se aproximou do corredor, deparou-se com um Neil estranho— encarava fixamente a parede a sua frente tão hipnotizado que não notava o ruivo a poucos metros de si; entre as respostas automáticas que dava à pessoa do outro lado, sua voz fraquejava de uma forma imprevisível.

Ele colocou o telefone de volta no gancho e levou a mãos aos olhos enquanto se virava para retornar à sala; sua expressão de choque ao encontrar Matthew parado ali foi impossível de disfarçar.

— O que? – Demonstrava estar confuso.

Neil balançou negativamente a cabeça e então notou os papeis que o outo segurava.  Queria perguntar o que era e seguir com a tarde que deveria manter-se inalterada, porém um nó se prendia em sua garganta de uma forma que lhe impedia de produzir qualquer som.

— Tá tudo bem, Neil?

Pigarreou tentando se livrar daquilo; a ideia de ser afogado por esse sentimento só fez piorar. Tudo começou a se somar dentro dele e quando percebeu, seus olhos se marejavam contra sua vontade – secou-os rapidamente, não o suficiente para ser despercebido.

— Ok, não tá – concluiu – O que aconteceu? Quem era no telefone?

Encontrou-se num beco sem saída. E a última coisa que queria agora era ser pressionado a falar qualquer coisa a qualquer um. Respirou profundamente, ainda ponderando se ia mesmo responder aquilo.

— Meu médico – respondeu enfim com a voz arranhada.

— Ok, médico... E pra reagir assim, são notícias ruins, certo? – Matt falava com a voz mansa.

Respondeu positivamente com um aceno suave da cabeça.

 - Quer falar sobre isso?

— Nah...

— Tem certeza? Você parece que vai explodir se ficar segurando isso, Neil.

E finalmente ele ergueu o olhar em direção a Matt – duas pocinhas se formando sob as íris escuras.

Largou um suspiro e, instintivamente, puxou-o pelo ombro e envolveu-o entre os braços, para completa surpresa de Neil – que pareceu se paralisar por segundos que, pra ele, sentiam-se horas.

— Nunca te vi chorar nesses anos todos, ok? – Continuou com o mesmo tom de voz calmo – Então você me conta qual foi disso aí e se você quiser eu finjo que nunca soube.

— Não tô em remissão... – respondeu quase num sussurro e riu. Um riso nervoso que usou para tentar tirar seu foco daquele impulso de chorar que queria controlar seu corpo.

— Remissão? – Pausou por um segundo, parecendo pensar sobre tudo – Tipo... câncer?

Como resposta, Neil deu mais um riso que saíra triste e engasgado. Sentiu seu rosto se retorcer em dor e seus olhos não aguentavam mais segurar aquilo. Não soube se o que lhe fizera perder o controle foi falar em voz alta ou ouvir de Matt. Mas foi quando sentiu-se ser abraçado com mais força que todas as suas defesas desabaram. E ao contrário do que esperava, lá estava ele: chorando tudo que tinha dentro de si, apertando a blusa às costas de Matt e não segurando um e outro soluço.

— Neil – chamou quando percebeu que ele começava a se acalmar – Vou ficar até seu pai chegar, tá?

— Obrigado...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Will You Remember?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.