Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 33
Capítulo 33 - Habitada




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Todos eles ficaram encarando-me como se eu fosse o ser mais anormal daquela sala. O que foi muito irônico.
– Querida, acho que não expliquei muito bem o que somos. - Donatella segurou meu cotovelo.
– Eu sei, vocês são feiticeros do submundo que vieram me ajudar a pedido da tia Deborah... - respondi impaciente.
– Feiticeiro é quem faz feitiçaria. - uma voz profunda veio do topo da escada.
Todos olhamos e pude sentir a atmosfera mudar. As mãos de Donna baixaram, soltando meu cotovelo, então ela, Antonella e Cesar baixaram as cabeças ligeiramente. Fiquei olhando em volta, pensando se deveria fazer a mesma coisa, mas me mantive completamente ereta. Aos poucos sentia-me como uma estranha, naquela casa onde tudo era tão meu. Naquele lugar que, fora Abby, era a única coisa que me fazia sentir perto da mamãe.
Ele descia os degraus lentamente, era quase como se flutuasse sob suas vestimentas longas. Uma capa azul turmalina o cobria quase por completo. Apenas era possível ver seu nariz e queixo proeminentes. Seus lábios fechados, sem nenhuma emoção.
– Tellor, esta é a prometida. - Donna anunciou-me.
"Tellor", então esse era o nome dele, tão incomum quanto a figura. Ele era a expressão perfeita de ser do submundo.
O homem chegou ao fim da escada, então pude ver que por baixo do manto turmalina havia uma roupa branca e longa. Um colar grande ostentava pedras brilhantes de diversas cores, enquanto sua mão direita tinha um anel em cada dedo -porém sem nenhuma pedra neles-.
– Obviamente. - ele prosseguia com a cabeça baixa, meia coberta pelo capuz. A voz grave ajudava a tornar sua figura ainda mais intimidadora - Ousei imaginar que as pedras sucubiriam-se em pequenos grãos que desapareceriam em pleno ar, tamanha a energia. Graças á chegada da criança... - ele passou a mão levemente pelas pedras em seu imenso colar.
Criança? Pelo silêncio, imaginei que ele referia-se á mim.
– Eu estava explicando á ela o que realmente somos. - Donna colocou a mão em minhas costas - E o por quê de não podermos livrar um filho das sombras.
– O Enzo não é como os outros, já lhe disse! Mais de uma vez pude ver que ele pode ser bom... Ele tenta ser bom, quer ser diferente. - expliquei com urgência.
Cesar soltou uma risada debochada, então Antonella o seguiu como um cãozinho até que Tellor ergueu sua mão fazendo-os parar. Naquele breve instante pude ver as tatuagens que cobriam as costas de sua mão, um emaranhado de linhas formando desenhos que eu não compreendia.
– Este ser, Enzo, significa algo para você, criança? - ele perguntou, apontando seu dado que parecia mais o graveto de uma árvore em minha direção.
– Sim... - tentei não pensar em como ele mexia comigo de uma forma mais sobrenatural do que todo esse mundo sobrenatural que me cercava - Estou viva por causa dele.
– Então...É apenas uma dívida. - ele concluiu.
– Não. - suspirei - Olha só, ele teve incontáveis chances de me matar e não o fez, pelo contrário. Não é só gratidão, eu não teria como agradecer o que ele fez.
– Nunca se perguntou o porque de tamanha necessidade em mantê-la viva? - desta vez foi Tellor que soltou um riso - Este ser foi criado para ser uma cobra em forma de homem, um demônio com aparência de anjo. Não se engane, criança. Ele não tem sentimentos por você. - tranquei o maxilar. Aquelas palavras haviam me atingido de uma forma inesperada e aparentemente meus sentimentos eram visíveis - Oh, o que digo lhe fere? - ele indagou-me com uma voz languida. Fiquei em silêncio, com a coluna ereta e o queixo erguido - Não te preocupes. Para onde iremos não há espaço para sentimentos, ou como queira chamar.
Senti Donna afagar minhas costas enquanto Tellor dava-me as costas.
– Se não me ajudarem, não ajudo vocês. - anunciei fazendo com que Tellor se voltasse para mim novamente - Sei que precisam de mim.
– E para que? - Tellor indagou aproximando-se novamente.
– Parar de migrar, ter suas terras novamente, livrar todos os que estão á sombra dos Alexandrinos. Posso ter sido criada como... como vocês dizem? Uma comum. Mas nós, os comuns, aprendemos desde cedo a ver quando alguém precisa de ajuda e, dessa vez, o alguém que me refiro não sou eu. São vocês.
– Como ousa? - Tellor ergueu o rosto e pude ver seus olhos brilharem de baixo do capuz.
– Tellor, ela apenas... - Donna tentou intervir, mas ele ergueu uma mão exigindo que ela se calasse.
- Como ousa duvidar de nossas intenções aqui? Estamos há anos acolhendo nômades e livramos diversos deles da escuridão eterna. Migramos até este plano, onde os comuns habitam, somente para livra-los da destruição, sendo que estes nem mesmo sabem de nossa existência. Sem nós, criança, se não nos rebelássemos e contássemos com uma bravura infinita, este mundo que mesmo não sendo teu, tu chamas de "lar", deixaria de existir. Somos invocadores de luz, mesmo que vivamos no ocultismo. Somos a esperança do amanhã.
Antonella balançava a cabeça com um sorriso convencido no rosto, assentindo com as belas palavras de Tellor. Cesar apenas olhava para o outro lado com uma expressão desinteressada e Donna parecia uma mãe quando seu filho faz malcriação em um local público.
– Palavras lindas, incríveis mesmo. - respondi - Mais incrível ainda é como um "invocador de luz", a "esperança do amanhã" e um grupo tão revolucionário pode não dar se quer uma chance á um "ser" que já demonstrou bondade diversas vezes. Rebelaram-se contra os outros clãs pelas coisas ruins que eles fazem, por que não tenta ser diferente deles mais uma vez e acredita que um filho das sombras pode mudar? Donna me contou sobre todos vocês. Me contou sobre como a maioria veio de outros clãs depois de passarem por coisas terríveis lá. Ele não é um invocador de sombra ou de luz, é um filho das sombras, mas o aceite como fez com os outros. Ao menos tentem. - pedi.
O silêncio instalou-se por alguns segundos, até que Tellor voltou com sua voz serena.
– Esta é sua exigência? Que acolhamos um filho das sombras?
– Também quero que protejam minha irmã, meu pai e meus amigos.
– Espero então que você seja anti social. - Cesar deu um sorriso - Menos gente para perder tempo.
– Chega Cesar! - Donna perdeu a paciência.
– Que assim seja. - Tellor deu um sorriso fazendo seus dentes reluzirem.
Em uma fração de segundo seu dedo indicador e médio tocaram minha testa. Fiquei imóvel enquanto sentia meu corpo ficando gelado. Fiz mensão de bater em sua mão, mas não foi necessário pois ele retirou os dedos. Fiquei um tanto tonta, então senti as mãos de Donna apoiando-me.
– O que fez comigo? - perguntei já com a visão falhando.
– Sua iniciação começou. - Tellor avisou enquanto meus olhos fechavam-se.

Quando abri os olhos dei de cara com um garotinho encarando-me. Ele não pareceu assustado quando deu de cara com meus olhos encarando-me.
– Você deve ficar aqui. - ele ordenou como um pequeno general - Meu pai quem disse.
O garotinho tia cabelos pretos que iam até pouco antes dos ombros, assim como os de seu pai. Usava roupas em um tom marrom e casaco alinhado azul. Eu já havia aprendido que aquela era a core dos Feri, então aquilo deveria ser o tipo de uma farda.
Sentei-me na cama e olhei em volta. Estávamos em um cômodo que eu jamais vira antes. Era um quarto de hotel, com janelas grandes cobertas por cortinas florais. Um sofá de três lugares estava em frente á uma TV pequena. Matteo, o garoto, segurava firmemente seu arco e flecha na mão. Fiquei me perguntando se ele tinha medo de mim, até que tive certeza quando vi sua mão esquerda tremendo enquanto ele erguia um copo d'água em minha direção.
– Obrigada. - peguei o copo - Seu pai é o August, não é? - perguntei tentando ser carismática. O ver me fazia lembrar de Abby, eu precisava tê-la comigo o mais breve possível, mas como faria isso sem gerar suspeitas em Rick?
– Sim - ele pareceu um tanto sem graça, não deveria ter mais de 8 anos - Você é ela mesmo?
"Ela". Parecia que todos me conheciam e aguardavam há tempos. A esperança na voz daquela criança me fez sentir o peso disso.
– Acho que sim. - respondi por fim.
– Você vai lutar com a gente? - ele perguntou.
Ele parecia ter muitas perguntas, assim como qualquer criança comum.
– Acredite, você deve saber muito mais do que eu. - deu um sorriso.
– É - ele torceu a boca - Mas mesmo assim não me deixam lutar.
– Quando crescer terá muitas chances. Tenho certeza de que vai ser um dos melhores arqueiros que já viram.
Ele deu um sorriso enorme e satisfeito, mesmo que um tanto tímido.
– A Abgail não gosta de lutar, nem quis segurar o arco. Acho que ela ia preferir lutar com as escrituras.
– Abgail? - levantei-me - Minha irmã?
– Sim. - ele respondeu assustado enquanto me via ir até a porta que ligava o cômodo onde estavamos á um anexo no quarto do hotel. Lá no fim havia apenas uma pequena cozinha, e nada de Abby - Você não pode sair daqui! - dei de cara com Matteo que me segurava pelas pernas - Por favor, vão brigar comigo.
– Eu preciso ver minha irmã, Matteo. Preciso saber como ela está.
– Ela está bem, está com a mamãe. Elas foram buscar comida. Voltam já. - ele falava rápido tentando me convencer.
– Tudo bem. - suspirei, não havia opções.

Fiquei andando de um lado para o outro com Matteo me observando atentamente. Até mesmo quando fui ao banheiro ele ficou do lado de fora aguardando-me. Era como um mini guarda-costas.
Sentada no sofá vinte minutos depois, eu já não aguentava mais. Matteo estava com a cabeça recostada no sofá e quase caía no sono quando sem querer derrubei meu copo. Ele acordou e levantou-se num salto com o arco á postos. Encarei a flecha mirada direto em meu rosto.
– Está tudo bem! - avisei - Foi só o copo. - abaixei-me para pegar os cacos enquanto Matteo tentava controlar a respiração assustada - Não precisa ter medo de mim, não seria capaz de fazer nada contra você. Acredite.
Matteo primeiro tentou negar, então assumiu:
– Tenho medo dela.
– De quem? Só tem eu e você aqui.
– Da Lucera, dizem que...
– O que?
– Ela está dentro de você, não é? - ele indagou receoso.
– É o que me disseram.
– Nossa. Então é verdade mesmo! - ele ficou me encarando com uma mistura de admiração e pavor - Você não tem medo?
– Tenho... Muito, mas não tem por que ter medo dela. Lucera se foi faz tempo, não é? Restou apenas esse pedaço de alma preso aqui e outros sabe-se lá onde.
– E se ela quiser voltar?
– Não tem como, o corpo dela não existe. Apenas a alma.
– E se ela quiser usar o seu corpo? - ele arregalou os olhos.
Fiquei sem palavras. Eu nunca havia me perguntado aquilo e imaginar a possibilidade de isso acontecer causou-me um arrepio na espinha.


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Notas finais do capítulo

Meu Deuuuuuss que saudade daqui :
Voltei gente!
Saudades millllll.
Tinha parado pela queda nos reviews, mas decidi terminar a fic pq é injusto com quem sempre acompanhou!

Beijos ♥
Quem quiser, estou postando na fic Estranhos.



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