E o Amargo Vira Doce escrita por Iulia


Capítulo 22
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Essa treta que deu aqui realmente atrasou meu cronograma, então vou ter que acelerar as postagens pra conseguir acabar com isso até novembro. Então... É isso. Eu só quis botar banca, esse capítulo não está tão fodão assim. Só um pouco, pra não desvalorizar meu trabalho. Confiem e vão. Vocês podem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/303984/chapter/22

No outro dia, depois do café da manhã, somos chamados para uma outra reunião. Eu contribuía no início, mas todas as minhas ideias estão acabadas, então só deprecio as sugestões de pessoas que eu não gosto. A ideia vale pra Cato também.

Mas decido ir dessa vez, dado a minha recente decisão de tentar ser menos inútil. Katniss já ocupou o parapeito da janela com vista pra Montanha, então sou obrigada a me sentar no único lugar vago, entre Gale e Cato, porque ele é muito espertinho e deixa o pior pra quem chega por último.

A coisa é extensa. Passa-se o almoço, chega a tarde e estamos sentados nos mesmos lugares, falando sobre as mesmas tentativas que deram errado e sobre planos sem fundamento. Já deve ser a décima sétima vez que falam de ataques às entradas só agora de tarde.

– A próxima pessoa que sugerir que a gente ataque as entradas vai ter de apresentar uma maneira brilhante de fazer isso porque vai ser ela mesma a líder dessa missão! - Lyme grita, quando teimam e apresentam de novo uma pequena variação da ideia. Estou louca para Gale abrir a boca e fazer exatamente isso que ela quer, para que haja bastante discórdia e gritos dirigidos a ele.

Bom, não há. Gale simplesmente vai até a janela e diz:

– É realmente necessário a gente tomar a Noz? Será que não seria suficiente se a gente apenas a incapacitasse?

– Lá vem – Cato sussurra, revirando os olhos. Sorrio e olho venenosamente o desenrolar da cena, incapaz de não querer rir.

– Isso seria um passo na direção certa – Beetee fala, arrumando os óculos. – O que você tem em mente?

– Pense na coisa como um covil de cães selvagens. Você não vai entrar lá lutando contra eles. Então você tem duas chances. Prender os cães no local ou obrigá-los a sair de lá.

– Nós já tentamos bombardear as entradas. Elas estão colocadas muito profundamente na pedra para sofrer qualquer estrago – Lyme fala cansadamente.

– Eu não estava pensando nisso. Estava pensando em usar a montanha – Gale responde, enquanto Beetee se junta a eles.

– É, tem trilhas de avalanche aí – Cato diz com voz de tédio, olhando tudo com os olhos quase se fechando.

– Pode ser complicado. Teríamos de desenhar a sequência da detonação com muito cuidado e, uma vez começada, não teríamos esperança de controlá-la.

– Impossível – digo, me curvando na mesa. – Não vão conseguir controlar uma avalanche aí. Eu sei como é. Não têm a menor chance.

– Não vamos precisar controlar nada se abandonarmos a ideia de tomar posse da Noz. Só vamos precisar fechar o local – Gale retruca. Sorrio antipaticamente, franzindo o nariz. Idiota.

– Quer desencadear avalanches pra bloquear a entrada? – Cato pergunta, com ar de incredulidade.

– É isso aí. A gente prende o inimigo lá dentro, impedimos a entrada de qualquer suprimento. Tornamos impossível a decolagem dos aerodeslizadores.

– Não dá. O sistema de ventilação não é muito bom – Enobaria fala, olhando uns papéis. – Precisam do ar sendo bombeado das encostas, você vai matar todo mundo sufocado se bloquear os dutos.

– Eles poderiam escapar através do túnel do trem até a praça – Beetee contesta.

– Não se a gente explodir o túnel.

Empurro a mesa como impulso para me levantar.

– Perdão, mas me pareceu estar contido nas suas entrelinhas que está planejando matar essas pessoas? – digo cinicamente, erguida, com as mãos em cima da mesa.

– Os trabalhadores são, em sua maioria, cidadãos do 2 – Beetee interfere, enquanto Gale gira nos calcanhares para me encarar.

– E daí? Nós nunca mais vamos poder voltar a confiar neles mesmo.

– Ah e você acha que eles se importam com a confiança que você dá pra eles? Ninguém tem nada a ver com isso, estão fazendo o que têm ordens para fazer – Cato diz, sacudindo a cabeça com desprezo.

– Eles deveriam ter, pelo menos, uma chance de rendição – Lyme fala, aparentemente tão perplexa quanto todos nós.

– Bom, isso é um luxo que ninguém nos deu quando bombardearam o 12, mas vocês todos são muito mais simpáticos com a Capital aqui.

Então ele está mirando um por um, todas as pessoas do 2 aqui nessa sala. Nossas expressões assassinas de raiva extrema o fazem querer parecer mais seguro e confiante quando berra defensivamente:

– Nós assistimos a nossas crianças queimando até a morte e não havia nada que a gente pudesse fazer!

– Ninguém liga! – eu berro de repente, batendo as mãos na mesa e me encaminhando até ele. – Ninguém do 2 vai morrer por causa de uma droga de complô de revolução que envolvia uma garotinha do 12! A culpa é de vocês! Se sabem que a Capital faz isso, lidem com as consequências diretamente! Não tente se vingar no lugar errado, Gale, ninguém aqui quis atear fogo nas suas criancinhas. Talvez a Garota em Chamas tenha acabado incendiando o lugar errado, não é?

Gale me empurra raivosamente e quando estou puxando uma faca da minha bota, Cato o empurra de volta, o fazendo bater no parapeito da janela.

– Cato! – Katniss berra, num átimo de segundo, se agarrando ao braço dele como se de algum modo fosse melhorar as coisas para Gale. O resto continua estático, apreensivos. Enobaria dá uns passos antes que ele comece a falar.

– Não se atreva – ele sibila, o apertando mais entre seus braços e o vidro. – Já basta você dizer que quer matar milhares de pessoas do meu distrito por causa de um punhado que foi incendiado no seu. A maioria paga por um que sai da linha, Caçador, amplie seu o conhecimento sobre como a Capital funciona pra além de injustiças com a Everdeen e com o 12. E não volte a encostar na Clove. Ou eu vou ser obrigado a complicar as coisas na sua vidinha. Se é que você vai ter uma.

– Solta, Cato – falo, chegando bem perto deles – Ele acha que tudo o que é ruim em Panem morava no 12. Deve ser só lá que crianças morrem e que pessoas são coagidas pela Capital. Gale não sabe de nada. Deixe ele matar mais uns e transbordar com a justiça nojenta dele.

Cato o solta e se encaminha para a porta. O sigo, mas antes paro para dizer:

– Ah. Nos comuniquem sobre a decisão, porque se vocês deixarem esse protótipo de rebelde fingir que mais uma pessoa do 2 é um cachorro da Capital ou agir como se tudo não passasse de uma caçada no 12, a gente está fora. Porque eu tenho certeza de que uma pessoa que vem de um distrito mineiro e sugere uma avalanche mortal é tão insubstituível quanto uns vencedores nativos que ganharam juntos os Jogos.

E batemos a porta. Caminhamos em silêncio até a floresta e nos sentamos encostados no tronco de uma árvore, ambos ainda vermelhos de raiva, fumegando com a memória das palavras de Gale.

– Doeu? – Cato pergunta de repente.

– O quê?

– O empurrão do Gale?

Me viro sorrindo pra ele, sacudindo a cabeça.

– Qual é, Cato, é só um caçador do 12, claro que não doeu.

Ele ri também.

– O que vamos fazer? Se eles realmente forem usar a ideia dele? – pergunto.

– Sei lá.

– Vamos matar o Gale. Se ele mexer com mais alguém daqui de casa, vamos fingir que somos os inimigos da Capital e meter uma bala na testa dele – decido, sem ter certeza se estou brincando ou não. Cato também não ri, então também não sabe.

– Pode ser.

Assim que Cato diz isso, Gale e Katniss aparecem. Fazemos contato visual com ele até que pareça que os olhos de todo mundo estão queimando. Gale sustenta, franzindo as sobrancelhas. Cato estala os dedos ao meu lado, em um claro sinal de ameaça. Sorrio cinicamente e eles saem de nosso campo de visão, adentrando na floresta certamente para caçarem uns coelhos.

– Ele não merecia estar aqui – Cato rosna. – Até hoje não entendo por que ele não se voluntariou pra ir com a Everdeen pros Jogos. Ficou assistindo a menina quase morrer sentado na sala e agora aparece com todo esse amor rebeldezinho.

– Devia estar com medo – respondo, dando de ombros.

– Tão covarde assim? Se ele é “valente” desse jeito e gosta mesmo dela, não devia usar o medo como desculpa pra não tentar salvar a vida dela.

– Ah, então eu não sei. Vai que ele não gosta. Vai que ele é mais covarde do que achamos. Talvez ele tenha ficado pra cuidar da família dos dois.

– Eu me voluntariaria. Por você – ele diz, em mais um de seus estranhos ataques de espontaneidade e amor. Me viro para ele e sorrio.

– Eu sei. Se voluntariaria de novo. Eu também. Mesmo que eu não fosse poder fazer nada. Só pra não te ver quase morrer sentada na sala.

– É – ele diz, sacudindo a cabeça. – E no fim a gente morreria se odiando. Por termos nos voluntariado mesmo que só um voltasse vivo. A gente ia morrer.

– Eu sei.

Não demora para que saibamos da decisão deles. Mais tarde, Katniss está enfiada em seu traje de tordo e eles começam a bombardear as partes mais altas da Montanha. Lyme nos convence a aguardarmos com os outros no terraço do Edifício, já que ela terá que combater diretamente e não tem certeza sobre a natureza da nossa escolha.

Tudo isso é horrível. Estar aqui, no gelado e imponente Edifício da Justiça, onde toda essa droga começou pra mim, observando de modo apático as baterias antiaéreas da Capital tentarem agir, sendo inúteis frente às explosões de Gale.

Repetidamente viram o pescoço para nós, ansiosos por nossas reações, de modo que sou obrigada a fechar os olhos para não ver mais nada do fluído que um dia foi a encosta da Montanha desabando, enfeitada com imagens delirantes de Gale se parabenizando, tendo sua vingança.

Parece que uma parte de mim está desabando junto com essa montanha, sendo soterrada por todas essas pedras destroçadas. Não consigo figurar o 2 sem a Montanha, olhar pro alto e não ver mais nada além de pedra agindo como se fosse líquido.

Então eu estou imaginando minha família presa lá dentro, notando os dutos de ventilação bloqueados, correndo em direção a qualquer saída inexistente, tropeçando no escuro. Fecho minhas mãos em punhos e só o que eu quero é que Gale morra. Só o que eu preciso agora é de que ele dê de cara com algum cidadão que saiba que foi ele quem ordenou todo esse inferno e o mate.

Acho que as lágrimas descendo pelo meu rosto são de ódio. Não me preocupo em secá-las. Eles ordenam que todos nós entremos de novo, com exceção dos soldados nas metralhadoras. Enquanto descemos as escadas, Katniss me lança um olhar esguelhado cheio de culpa. Sacudo a cabeça quase imperceptivelmente, porque a nossa aliança é frágil demais pra suportar Gale e suas mortes tortuosas e esmagadoras. De um jeito cruelmente literal.

Ela se senta abaixo de uns pilares e eu me encaminho exatamente para o outro lado, me encostando na parede de mármore frio e branco como neve. Grito, soco as paredes, deslizo até acabar me sentando no chão, apertando a jaqueta contra minha pele. Em meio às sombras, soluço e sinto o sabor de minhas próprias lágrimas.

Boggs aparece pra falar com Katniss e decide vir até aqui, me ouvindo, mas Cato o intercepta, descendo as escadas só agora.

– Pode deixar, obrigado – ele diz polidamente ao tocar no ombro dele, caminhando até mim e se sentando ao meu lado. Instintivamente enterro meu rosto em seu ombro, envolvendo meus braços em seu pescoço.

– Cato... Eles vão acabar com a nossa casa... – murmuro, trêmula.

– Já vai acabar, Clove – ele responde de modo tranquilizador, passando a mão no meu cabelo. Mais canhões começam a soar e eu estou convencida de que isso está longe de acabar. – Quer ir ver? Não fica com medo, vai ficar tudo bem. Eles não bombardearam o túnel do trem. Vem.

Cato age como se eu fosse um coelhinho assustado.

– Tá bem – sussurro, me levantando. Ele agarra minha mão e me leva até as portas de vidro. Vejo tudo o que parecia ser imutável ser engolido pela guerra. Tiros de canhões aumentam assustadoramente e penso que os Pacificadores devem estar tentando salvar umas vítimas. Porque querendo ou não, essas pessoas, do lado da Capital ou dos distritos, foram vítimas. Como todos nós, nativos de Panem.

De noite os holofotes são acesos na praça, tornando ainda mais impossível deixarmos de ver alguém saindo da estação de trem. Gale passa correndo com uns rebeldes, armado, pronto para matar algumas pessoas, me fazendo cerrar os dentes e respirar ruidosamente, acuada com a ameaça certa que ele representa. Com o passar infinito das horas, começo a aceitar a ideia de que ninguém vai sobreviver. Quem quer que tenha estado lá embaixo vai ter que aguentar seus últimos minutos enterrado no pó. Continuo a observar friamente a noite lá fora, a praça vazia, encostando minha testa no vidro, manchando as portas com as marcas de minhas mãos. Simplesmente observo, parada como uma estátua.

– Ei. Vocês não querem ir lá fora e dizer alguma coisa para o povo de vocês? – Cressida pergunta.

– “Sentimos muito por termos permitido que um cara do 12 decidisse o destino de vocês, então vamos pedir desculpas e dizer que vocês devem vir pro nosso lado. Mesmo que nós tenhamos nos unido a todas essas pessoas que os abandonaram desde o começo da nação, agindo como se vocês fossem simplesmente mais uma versão da Capital” soa bem? – falo causticamente, sem sequer me virar para ela.

– Eles pensaram que vocês podiam aparecer e falar que a presença da Capital no 2 estava acabada.

– É, e mais a presença de um monte de cidadãos daqui, não é? Por que querem a gente? Nós somos os antagonistas da história da Katniss. E ela não serve pra isso, pra repetir o que os outros falam? Ela não é um tordo?

– Acho que levar dois vitoriosos para discursar para o seu próprio povo seria mais convincente.

– Sinto muito, não vou falar nada pra eles. Ainda tenho um pouco de dignidade.

– Cato? – ela diz esperançosamente, se curvando para trás do vidro para vê-lo.

– Não, obrigado. Katniss pode fazer o que estão mandando e repetir o que alguém está dizendo de novo. Não faz mal – ele consegue ser mais arrogante que eu.

Então Cressida sai, prepara Katniss, e logo elas estão lá fora, Cressida gravando com sua equipe e Everdeen parada na escada, se preparando para discursar para o nada.

– Não quer ir ver? Tem uma porta no começo da escada. A gente pode ver de lá e voltar se der alguma coisa errada. Ninguém vai nos ver – Cato diz discretamente. Me viro para ele e faço que sim com a cabeça. O sigo por um labirinto de mármore e chegamos na porta. Podemos ver Katniss e a estação de trem daqui, mas realmente duvido que eles possam nos ver. Cato me coloca atrás dele, de modo que tenho que me esforçar um pouco pra ver tudo.

– Povo do Distrito 2, quem se dirige a vocês é Katniss Everdeen – ela começa, claramente repetindo as palavras de alguém, bizarramente parecendo falar com o ar. – Estou falando da escada do Edifício da Justiça, onde...

As palavras de Katniss somem quando finalmente a estação ganha movimento. Dois trens aparecem em linhas simultâneas, as portas são abertas e os sobreviventes ao ataque saem trôpegos, tossindo e gemendo, uma fumaça espessa os cercando.

– Eles estão vivos – balbucio, sorrindo um pouco. Cato se vira pra mim e sorri de volta, ainda que pareça um pouco apreensivo.

– Vai um pouco pra trás, Clove. Olha como eles chegaram – chegaram armados, tentando parecer valentes, como se isso fosse um ataque deles. Mesmo que grande parte esteja se jogando no chão, sucumbindo à fumaça.

– E olha como estão sendo recebidos. Gale só os deu mais uma chance de pensarem que estão à salvo – respondo, quando alguém atira de dentro da estação, apagando as luzes.

No exato instante em que nos parece que um dos trens está em chamas, apagam a luz da escada. Cato recua, me obrigando a fazer o mesmo. Conseguimos ouvir nossas próprias respirações entrecortadas.

Por conta de mais esse ataque de fumaça, eles são obrigados a vir à praça, desesperados e sufocados, segurando suas armas como se delas dependessem suas vidas. E, claro, dependem mesmo. Tem metralhadoras exclusivas pra eles.

Eu estava impotente, apenas esperando a ação de um dos dois grupos quando eu o vejo. O garoto chega até o centro da praça, segurando um pano encharcado de sangue apertado contra seu rosto e a outra mão ocupada com uma arma. Ele cai no chão e posso ver as queimaduras em sua pele, mal sendo tapadas pela camisa fina demais. Subitamente desvio de Cato e corro até ele, arfando desesperadamente. Para minha surpresa, Katniss também está fazendo isso. Chego primeiro que ela. Mas paro uns metros antes, incapaz de continuar.

– Clove? – ele balbucia quase incompreensivelmente, erguendo a cabeça. Fico em choque, simplesmente sustentando seu olhar. O que ele está fazendo aqui? O que ele estava fazendo lá?

– Parem! Parem de atirar! Parem! – Katniss está berrando, se aproximando dele. Chego para trás, observando ela se ajoelhar para ajudá-lo. Quando Dayo finalmente tira os olhos de mim, ele se esforça para ficar de joelhos e aponta a arma para a cabeça de Katniss.

Ofego e congelo no mesmo lugar. Ouço sons de alguém correndo atrás de mim, mas não ouso me virar pra ver quem é. Dayo o faz, mas logo volta para Katniss.

– Me dê um motivo para eu não atirar em você agora mesmo! – ele fala de modo enrolado, se dirigindo a Katniss.

– Não, não faz isso – peço, fixando meu olhar no dele, clamando.

– Eu não consigo – Katniss sussurra uns segundos depois. Tudo fica em silêncio até ela continuar. - Eu não consigo. Esse é o problema não é? A gente explodiu a sua mina. Vocês transformaram o meu distrito num monte de cinzas. Temos todos motivos para nos matarmos. Então vá em frente. Faça a felicidade da Capital. Eu parei de lutar contra os escravos deles.

Katniss chuta o arco até o joelho dele. Fecho minhas mãos em punhos, temendo o desfecho de tudo isso.

– Eu não sou escravo deles – Dayo diz, olhando pra mim. Faço que sim com a cabeça imediatamente, temendo que qualquer outra ação além de concordar possa ocasionar mais tragédias.

– Eu sou. Foi por isso que tentei matar o Cato... e ele matou o Tresh... e ele tentou matar a Clove... e ela tentou me matar. E por aí vai, e por aí vai, e quem é que vence? – ele olha pra mim agora, como se quisesse confirmar o que ela está dizendo. Não faço nada além de encará-lo de novo. Peço desculpas silenciosamente agora. – Com certeza não somos nós. Não os distritos. Sempre a Capital. Mas estou cansada de ser uma pecinha nos Jogos deles.

No curto espaço de tempo, Dayo desvia o olhar de Katniss e olha para algo atrás de nós duas. Me viro rapidamente e lá está Cato, segurando um revólver, de imediato atrás de mim. “Não atira. Ainda está tudo bem”, falo silenciosamente, movendo os lábios. Peço desculpas pra ele também, mas há uma determinação cinzenta nos seus olhos quando me faz um sinal para voltar a cabeça para frente, para não desviar os olhos do “inimigo”, porque que é o que nos ensinam aqui no 2. Devo ter desobedecido a essa regra em algum lugar do meu passado para estar olhando agora para o inimigo errado.

– Quando vi a montanha caindo hoje à noite, pensei... eles fizeram isso mais uma vez. Mandaram-me matar vocês: o povo dos distritos. Mas por que será que fiz isso? – porque Gale quis. – O Distrito 12 e o Distrito 2 não têm por que lutar um contra o outro, isso é uma invenção da Capital.

Da Capital e de Gale. Sinto muito, mas mesmo com essa arma apontada pra uns centímetros à minha direita e esse belo discurso parando um combate feroz, não vou conseguir tirar da minha cabeça que Gale é a representação da Capital aqui. Ele está representando tão claramente a Capital com seus fins e meios que me faz querer vomitar.

E é exatamente esse tipo de pensamento, originado do tipo de pessoa que Gale é, que separou o Distrito 2 do resto de Panem. Que nos deixou sozinhos, tolerando a militarização da Capital, fingindo que nós não existíamos simplesmente porque viam nossas crianças vencendo os Jogos ano após ano. Eles não ligaram para as circunstâncias que fizeram aquelas crianças serem bem alimentadas. Não ligaram para a lavagem cerebral, para as mães entregando seus filhos para servirem uma causa inútil em nome de honra. Ignoraram justamente o que essa palavra quer dizer no 2. A honra rege o 2. Você se doa no 2 de qualquer modo, porque você precisa disso. Pedreiras, Pacificadores, Jogos Vorazes; isso é uma questão de tempo. Você se doa e você não tem escolha e não há exceção. Porque não há vida, mas há a honra.

E de repente ver uma criança morrer de fome não seja tão indigno e deplorável e nojento quanto ver outra apanhando em público, sendo humilhada porque não foi capaz de recitar qualquer lema que envolva amor à Capital, matança e orgulho, sendo encoberta pelas sombras de um adulto violento.

Então, depois de tudo isso, perguntam por que o 2 não se juntou aos distritos. Talvez ele não devesse mesmo. Porque se ele sempre esteve sozinho quando precisava do resto, qual é a razão pela qual ele iria até eles quando necessitaram?

Katniss se joga de joelhos na frente de Dayo.

– E por que vocês estão enfrentando os rebeldes nos terraços dos prédios? Por que vocês estão lutando contra os vencedores de vocês, obrigando eles a se esconderem no 13 quando a casa deles é aqui? Com pessoas que foram seus vizinhos, de repente até a família de vocês?

– Eu não sei – Dayo diz novamente, girando os olhos momentaneamente para Cato e eu, parados diretamente na sua frente.

– E vocês aí em cima? Eu nasci numa cidade mineira. Desde quando mineiros condenam outros mineiros a esse tipo de morte e depois ficam em alerta para matar quem quer que consiga rastejar com vida do meio dos escombros?

Desde que Gale decidiu que seria assim.

– Essas pessoas. Elas não são nossas inimigas! Os rebeldes não são seus inimigos! Nós todos temos um único inimigo, e é a Capital! Esta é a nossa chance de pôr um fim ao poder deles, mas precisamos de todas as pessoas de todos os distritos para conseguir isso! Por favor! Juntem-se a nós!

Desço os olhos para Dayo novamente, encarando a mão estendida do Tordo. É quando um objeto sobrenaturalmente rápido corta o ar até Katniss.

Cato de joga em cima de mim e um barulho enorme de troca de tiros ressoa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O próximo capítulo já é o início do casamento e tals, então eu estou sentindo como se isso já estivesse no fim. Completamente devastada, em suma, mas um pouco satisfeita comigo mesma. Porque mereço uns créditos, né. Enfim. Até o próximo, lhes desejo comida, dinheiro, brilho e poder. O resto é fácil rs



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "E o Amargo Vira Doce" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.