Penas De Um Corvo escrita por Nikolas Kolesnikov


Capítulo 1
Oneshot




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Sob lâmpadas fluorescentes, seus cabelos brilhavam num tom peculiar que pouco parecia pertencente ao espectro de cores cujo qual estamos acostumados nesta dimensão. A mistura de tintas era tão intensa que os fios desiguais assumiam a face de um prisma quase alienígena; algo próximo ao violeta perdido entre mechas negras, com as raízes avermelhadas naturais do sardento; o preto desbotado em certas áreas revelava um fundo do verde mais repugnante outrora exposto a olhos humanos.

Uns dedos finos se enfiaram entre os nós da cabeleira. Os dedos eram brancos como a fronte de um imaculado crânio.

O conjunto de ossos estreitos acariciou com delicadeza as madeixas, enquanto a lâmina de uma tesoura reluzia sob a luz.

O mais alto, o dono dos dedos de cal, sabia exatamente como Dylan gostava do corte. A franja deveria permanecer expessa, cobrindo parciamente um daqueles belos olhos esverdeados torneados pelo breu de fundas olheiras – era como se Dylan gostasse de ter o trabalho de, constantemente, varrer os fios do rosto com um gesto monótono de cabeça.

- Obrigado por se submeter a este trabalho o tempo todo, Evan.

- Nunca é um favor, Dy – o aspirante a cabelereiro respondeu, com um sorriso adornando os lábios pálidos.

Para um espectador desinformado, o arco no rosto do magricelo poderia soar banal ou desprovido de significado. Mas o sardento sabia o que significava, e mesmo sem fitar o garoto atrás de si, adivinhara com exatidão a extensão do sorriso do outro, e mais ainda, o que havia de oculto por trás dele.

A tesoura dançou em movimentos delicados pelas madeixas, derramando no chão os fios tingidos de cores desleixadas que, afastados da cabeça, pareciam todos cor de petróleo. Eram como penas de uma ave negra.

Dylan suspirou, sem desviar os olhos dos coturnos pesados que carregava nos pés. Suas faces enrusbecidas abaixaram-se de maneira quase abrupta, fazendo Evan exclamar em desaprovação. Evan se perguntou se o mais jovem tinha consciência que fazendo tais movimentos repentinos ele poderia tesourar de modo indevido, comprometendo o corte final?

Evan terminara rapidamente o trabalho; era apenas questão de aparar as pontas e evitar que o outro andasse por aí como um selvagem.

Ele tratava do penteado do mais baixo há dois anos.

Amigos desde os dez anos de idade, cresceram em conjunto com outras duas figuras, formando um quarteto peculiar bastante harmônico. Os transeuntes comentavam das quatro crianças-morcego, naquela cidade rural empesteada de neve; ambos os dois mais um exemplar garboso de aspirante a Siouxsie Sioux, Marilyn, e um garotinho franzino com lábios de piche em contraste com a pele clara.

Os dois últimos caíram fora daquele ninho de caipiras quando estavam com quinze anos, deixando a sós Dylan e Evan, de modo que acabaram fortalecendo ainda mais o vínculo que nutriam entre eles.

A relação se fortificava conforme as páginas do calendário eram arrancadas. Além do apego aumentar, o tempo os tornava mutuamente circunspectos no aspecto físico, frisava a maturidade, e finalmente, começou a atiçar desejos.

Se Dylan soubesse que apenas alguns anos mais tarde eles estariam dizendo seus votos e declarando juras sob o olhar penetrante um do outro, teria ele mesmo tratado de tirar do cenário a amiga rechonchuda e aquele pequenino duende, adiantando o tempo a sós com Evan.

- Dy, repare como suas madeixas no chão olham como as penas de uma ave negra – Evan o tirou dos devaneios com sua voz seca, apontando os fios sobre o solo, espalhados e escurecidos pelo contraste com o azulejo.

Dylan tomou a o ar de maneira profunda, rápida, e tentou processar tudo.

- Um corvo...

Evan se inclinou sobre a casca áspera do encosto da cadeira, e podia ouvir sua própria pulsação frenética quando deslizou as mãos pelo pescoço do outro. Ele podia cheirar a onda de calor emanada daquele corpo, já mostrando sinais de excitação.

Dylan sorriu, malicioso.

- Evy, o que acha de pintar meu cabelo mal-tingido amanhã?


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