Capítulo XV

POV Ju

Foi uma noite longa. O sono já havia ido embora, mas eu continuei deitada na minha cama. Tinha medo de acordar e perceber que tudo era apenas um sonho. Os últimos dias haviam sido maravilhosos. Não dava pra negar mais, eu estava apaixonada.

E não sei se é impressão minha, ou se a paixão faz isso, mas parecia que os dias eram mais bonitos e as noites mais estreladas. E as aulas não pareciam tão chatas. Tudo parecia ficar melhor e mais cheio de graça.

Levantei assim que uma luz fraca entrou pela janela. Vesti-me mecanicamente para a escola esperando que o tempo clareasse, e depois que comi uma tigela de cereal e escovei os dentes concluí que era hora de ir embora.

Não demorou muito para chegar ao quadrante, e assim que adentrei o colégio avistei o Gil sentando na arquibancada. Sorri e fui em direção a ele.

No mesmo momento em que me viu, ele abriu um sorriso. Cheguei perto dele e sentei no seu colo, enlaçando meus braços em volta do seu pescoço.

— Oi — eu digo animada.

— Bom dia, Linda — disse me dando um beijo —Animada logo de manhã?

— Ei, eu sempre to animada de manhã — digo parecendo que aquilo fosse óbvio — Você que tem mau-humor matinal.

— Pois é. To super de mau-humor hoje — ele brinca.

— Ah bobo, você entendeu — eu digo fazendo uma careta.

— Eu sei — ele ri — Faço isso de propósito. Adoro essa careta fofa que você faz — diz e depois rouba-me um beijo.

— Pois agora eu já sei e não vou fazer mais — faço uma cara emburrada.

— Continua linda — fala.

Em seguida ele dá um beijo no meu pescoço e eu fico arrepiada.

— Gil, para — digo enquanto sinto meu rosto ficar corado.

— O que? — ele faz cara de desentendido.

Alguns pensamentos impróprios e estranhos para se ter na escola passam pela minha cabeça.

— Não se faz de desentendido — eu digo tentando esquecer os pensamentos.

Ele apenas ri de maneira divertida.

— Então, queria te convidar pra ir no Misturama hoje a tarde comigo. Eu vou ensaiar com o Nando e queria que você fosse assistir.

— Claro — faço uma pausa — Mas, você não acha que a gente tá muito grudado?

— E isso é ruim?

— Não sei. Mas, vai que a gente acaba enjoando um da cara do outro — dou de ombros.

— Boba — ele me dá um selinho.

— Tá bom — eu arqueio uma sobrancelha — Posso convidar a Lia? Acho que tocar guitarra vai fazer bem pra ela. E ela tá precisando de companhia.

— Claro.

— Agora, eu preciso ir ao banheiro retocar a maquiagem.

— Não precisa. Você tá linda assim — ele diz prendendo-me no seu abraço.

— Claro que precisa — eu me levanto.

— Ai, como é fresquinha.

— Fresca nada — eu me despeço dele com um beijo.

…

POV Lia

Eu estava vivendo um dia de cada vez. E eu me esforçava para parecer bem, mas quando estava sozinha não precisava segurar as lágrimas, e elas jorravam sem muito esforço.

Do outro lado da quadra vejo a Ju e o Gil abraçados, e uma pontinha de felicidade parece melhorar o meu dia, eles estavam apaixonados e mereciam isso. Eu sabia que não estava sendo boa companhia durante esse período, então preferi me isolar em uma mesa pra esperar o sinal tocar.

E mais uma vez me pego pensando no Dinho. Droga, até pensar no nome dele doía.

Lembro de cada abraço, cada sorriso, cada beijo. Lembro das palavras que me disse, que de certo modo me assustaram. Mas que mexiam comigo, a ponto de fazer com que duvidasse das minhas próprias regras.

Eu cheguei ao ponto de dizer: “eu te amo”. Só não sabia que isso doeria tanto. As palavras que antes eram difíceis de dizer de repente saíram sem medidas. Insultos, injúrias, Mentiras.

E o que me restou foram apenas as lembranças, que a cada dia me assombram mais, e fazem com que eu não consiga dormir.

O coração antes ocupado, agora estava vazio. Oco a tal ponto, que nem dor consigo mais sentir. Estávamos separados, e a cada vez que nos olhamos, parece que estamos nos torturando.

E em seguida vem o baque e eu me pergunto: como deixei que isso acontecesse? Como pude abrir o meu coração, para alguém que não o queria?

E eu estava prestes a chorar se alguém não tivesse aparecido ao meu lado.

— Oi, posso te fazer companhia — reconheci a voz de Vitor.

— Desculpa, eu não to muito a fim de conversar — eu não queria ser rude, mas sei que a resposta soou grosseira do mesmo jeito.

— Não precisa conversar, posso só sentar do seu lado? — ele estava tentando ser gentil.

Eu apenas concordei com a cabeça. Os minutos se passaram e uma conversa entre nós surgiu de forma natural. Estávamos nos conhecendo de forma superficial, mantendo um distanciamento natural para dois estranhos. Mas, de certa forma sinto que minha defesa havia baixado a guarda. E aqueles minutos de conversa boba, jogada ao vento, de certa maneira me fizeram bem.

Nesse momento, vejo a Ju se afastando do Gil. Estava precisando falar com ele e aquela era a oportunidade perfeita. Rapidamente, despeço-me do Vitor e vou até a sua direção.

— E aí, Gil. Posso falar um minutinho contigo — ele parecia surpreso.

— Claro, Lia. Fala aí.

…

Era hora do recreio e Orelha estava sentado numa mesa mais afastada com os seus amigos: Fera e Pilha. O garoto mostrava um vídeo para os dois no seu celular.

— Eu ainda não entendi. Você vai colocar esse vídeo na TV Orelha? — Fera questionou o nerd.

— Não. Mas, esse vídeo me deu uma idéia — o garoto de óculos deu um olhar maldoso — Peguei muito no pé do Rafa-Girl durante um tempo, que acabei esquecendo dos meus outros inimigos.

— Não sei não, hein Orelha. Acho que você tá doido pra levar uma coça — Pilha tentou aconselhar o amigo.

— Eu sei o que eu to fazendo Pilha.

Fatinha se aproximou deles e Pilha foi o primeiro a se pronunciar.

— E aí minha musa — o garoto levantou-se da cadeira e ofereceu o lugar pra ela.

— Brigada, Pilha — ela sorriu e sentou-se — Mas, nada de cantadinhas de quinta, por que agora eu to namorando.

— Tá bom. Mas, olhar não tira pedaço minha deusa — Pilha continuou.

— Tudo bem. Mas, diz aí, o que vocês tão aprontando?

…

POV Ju

Já estava anoitecendo, e fazia um bom tempo em que eu, Gil e Lia estávamos no Misturama. Eles estavam no palco tirando um som com o Nando, enquanto eu assistia.

— Tá aqui seu suco, lindinha — Rosa colocou o copo no balcão.

— Brigada, Rosa — eu sorri em agradecimento.

— Qualquer coisa é só chamar — disse ela voltando pra cozinha

No palco, eles haviam terminado de tocar a música. Lia se levantou, deixou a guitarra de lado e pegou um dos violões do Nando. Olhou para os dois e perguntou cuidadosamente.

— Posso escolher a próxima música?

— Claro — Nando respondeu fracamente.

— Tá. Vamos tocar: The only exception do Paramore — a resposta soou mais como uma pergunta.

— Tem certeza, Lia? — Gil perguntou.

Ela afirmou com a cabeça.

— Você sabe a melodia? — ela perguntou e no mesmo instante ele afirmou positivamente com a cabeça.

— Eu vou pegando o ritmo com vocês aos poucos — Nando falou por alto.

Lia respirou fundo e começou a dedilhar os primeiros acordes. Gil acompanhou o ritmo tocando sua guitarra um pouco mais baixo. Ela começou a cantar os primeiros versos.

“♪ When I was younger

..Quando eu era jovem.

I saw my daddy cry

..Eu vi meu pai chorar..

And curse at the wind

..E amaldiçoar o vento..

He broke his own heart

..Ele partiu seu próprio coração..

And I watched

..E eu assisti..

As he tried to reassemble it

.. Enquanto ele tentava o recompor..

And my momma swore that

..E a minha mãe jurou que..

She would never let herself forget

..Ela nunca mais se deixaria esquecer..

And that was the day that I promised

..E foi nesse dia que eu prometi..

I’d never sing of love

..Que eu nunca cantaria sobre amor..

If it does not exist

..Se ele não existisse ♫..

Gil se juntou a ela no refrão.

♪ But darling, Mas querido

You are the only exception [4x] Você é a única exceção [4x]

Maybe I know, somewher

.. Talvez eu saiba, em algum lugar..

Deep in my soul

..No fundo da minha alma..

That love never lasts

..Que o amor nunca dura..

And we’ve got to find other ways

..E temos que arranjar outros meios..

To make it alone

..De seguir em frente sozinhos..

Or keep a straight face

..Ou ficar com uma cara boa ♫..

Neste momento, Nando já havia aprendido a melodia e se juntou aos dois.

♪ And I’ve always lived like this

..E eu sempre vivi assim..

Keeping a comfortable, distance

..Mantendo uma distância confortável..

And up until now

..Até agora..

I had sworn to myself that I’m content

..Eu tinha jurado a mim mesma que eu estava contente..

With loneliness

..Com a solidão ♫..

♪ Because none of it was ever worth the risk

..Porque nada disso algum dia valeu o risco, mas..

You are the only exception [4x]

..Você é a única exceção [4x]..

Lia já não conseguia segurar as lágrimas e sua voz estava um pouco embargada.

♪ I’ve got a tight grip on reality

..Eu tenho uma forte noção de realidade..

But I can’t

..Mas eu não consigo..

Let go of what’s in front of me here

..Deixar o que está na minha frente..

I know you’re leaving

..Eu sei que você está partindo..

In the morning, when you wake up

..Quando você acordar de manhã..

Leave me with some kind of proof it`s not a dream

..Me deixe uma prova de que não é um sonho..

Ohh... Ohh

You are the only exception [8x] Você é a única exceção [8x]

And I’m on my way to believing

..E eu estou a caminho de acreditar..

Oh, And I’m on my way to believing

..Oh, e eu estou a caminho de acreditar ♫”..

Assim que terminou, ela enxugou as lágrimas e esperou que alguém se pronunciasse.

— Posso escolher a próxima música? — Gil perguntou de maneira leve.

— Por que não? — Nando deu de ombros — Direitos iguais, ora.

E o clima ficou mais leve. Lia sorriu para os dois, eu conhecia a minha amiga e sabia que ela estava agradecida por ambos não tocarem no assunto.

— Então tá. Vamos tocar Snow Patrol: Open your eyes — ele sorriu pra mim.

Gil começou a tocar os acordes na guitarra, e um pouco antes de começar a cantar, ele piscou pra mim, indicando que aquela música era dedicada pra mim. Eu apenas sorri e dei um gole no suco, tentando evitar ficar corada.

Com um tom suave ele começou.

“♪All this feels strange and untrue

..Tudo isto parece estranho e irreal..

And I won't waste a minute without you

..E eu não vou perder um só momento sem você..

My bones ache, my skin feels cold

..Meus ossos doem, minha pele está fria..

And I'm getting so tired and so old

..E eu estou ficando tão cansado e tão velho..

The anger swells in my guts

..A raiva me corrói por dentro..

And I won't feel these slices and cuts

..E eu não vou sentir os pedaços e os cortes..

I want so much to open your eyes

..Eu quero tanto abrir seus olhos..

Cause I need you to look into mine

..Porque eu preciso que você olhe nos meus..

Tell me that you'll open your eyes [x4]

..Me diga que você abrirá seus olhos [x4] ♫..

E neste momento me lembro do dia da praça e não consigo deixar de sorrir feito uma boba.

♪Get up, get out, get away from these liars

..Levante, vá embora, saia de perto desses mentirosos..

Cause they don't get your soul or your fire

..Porque eles não entendem sua alma ou seu fogo..

Take my hand, knot your fingers through mine

..Pegue minha mão, entrelace seus dedos entre os meus..

And we'll walk from this dark room for the last time

..E nós sairemos deste quarto escuro pela última vez..

Vitor adentrou o Misturama e eu percebi que ele estava admirando a Lia, enquanto ela tocava.

Every minute from this minute now

..Cada minuto a partir deste agora..

We can do what we like anywhere

..Podemos fazer o que gostamos em qualquer lugar..

I want so much to open your eyes

..Eu quero tanto abrir seus olhos..

Cause I need you to look into mine

..Porque eu preciso que você olhe nos meus..

Tell me that you'll open your eyes [x8]

..Me diga que você abrirá seus olhos [x8] ♫..

♪ All this feels strange and untrue

..Tudo isto parece estranho e irreal..

And I won't waste a minute without you

..E eu não vou perder um só momento sem você ♫”..

Eles terminaram de tocar a música e uma platéia animada os aplaudiu.

— Uhul, lindo — eu gritei entre os aplausos.

Gil desceu do palco e veio até mim, enquanto Lia surpreendentemente foi em direção ao Vitor.

— E aí, gostou? — perguntou enquanto me abraçava.

— Amei — eu digo e lhe dou um beijo.

Assim que nossos lábios se separam, Nando de cima do palco fala por alto.

— E aí, grafiteiro tá mandando bem.

— Valeu — diz Gil se virando e colocando o braço em volta da minha cintura — Tenho treinado um pouco em casa.

— Não, não to falando da guitarra — ele riu — To dizendo, por você estar namorando a maior gata.

— Qual foi, Nando. Tá azarando a minha namorada?

— Relaxa, grafiteiro. Não vou entrar no páreo não. Mas, saiba que se eu fosse alguns anos mais novos tirava ela de você num piscar de olhos — Nando brincou.

Eu e Gil apenas sorrimos e Nando voltou a falar.

— Fiquem a vontade. Eu vou preparar um rango pra mim — disse e em seguida seguiu para a cozinha.

— Esse Nando é uma figura — eu sorrio pro Gil.

— É mesmo. Mas, numa coisa ele tá certo. Deve ter um monte de cara babando por você — ele disse um pouco enciumado.

— Até pode ser. Mas, eu só me importo com um — digo dando-o um selinho.

— Poxa, esse cara é um sortudo — ele sorri.

— Ai, como você é bobo.. — seguro seu rosto entre as minhas mãos. Ele sorri e eu puxo-o para um beijo.

Apenas somos interrompidos por uma discussão que acontece à poucos metros de nós. Olho pra trás e vejo que Lia e Dinho estavam discutindo, enquanto Vitor estava parado sem entender nada.

— Lia, por que você e esse cara tavam conversando? — Dinho estava com ciúmes.

— O que foi Adriano? Eu não sou nada pra você. Ou seja, não te devo satisfações — Lia disse áspera.

— Lia, a gente precisa conversar — ele falou um pouco mais calmo — Você sabe que eu te amo…

Dinho não conseguiu nem terminar a frase, pois Lia já estava correndo em direção ao seu prédio.

— Preciso falar com a minha amiga — eu disse pro Gil.

— Claro, qualquer coisa me liga — ele disse e eu me despedi.

Dinho fez menção de ir atrás dela, mas eu o detive.

— Calma, você ir lá só vai piorar a situação. Dá um tempo pra ela — eu falei e em seguida fui até a casa da minha amiga.

…

Lia estava com a cabeça deitada em cima de uma almofada apoiada no colo de Ju, a morena acariciava o cabelo da loira, tentando consolá-la. As duas haviam conversado, mas Lia agora preferia ficar apenas calada. Suas lágrimas já haviam praticamente ensopado a almofada.

— Ju, como ele se acha no direito de querer mandar na minha vida? — Lia se levantou e sentou em frente à amiga.

— Ele ainda te ama Lia — Ju falou por alto, sabia que Lia não aceitaria as palavras.

— Não Ju. Quem ama, não tem coragem de fazer o que ele fez comigo — Lia se levantou e foi até seu computador.

— Lia, você sabe como o Dinho ás vezes é inconseqüente — a garota falou — Mas, todo mundo percebe que ele ama você.

— Se ele amasse… — Lia não conseguiu terminar a frase, surpresa com algo que via no computador.

— O que foi Lia?

— Vish, espero que o Gil não tenha visto isso — disse deixando Ju alarmada.

…