Sabe o que é dormir rezando? Rezando para que, quando acordar, descubra que tudo isso não passou de um pesadelo.

Pois é nisso que minhas noites podem ser resumidas.

Tento, em vão, caminhar. Mas o exercício não ocupa a mente. Não o suficiente. Então penso em nós. Em como teria sido... Penso em seu sorriso, seus olhos. Tudo o que quero é ignorar. Porque sei que nunca serei capaz de esquecer. Afinal, Luke seria sempre o meu maior “E se...”.

Ou não...

Abri os olhos, aliviada. Eu estava novamente no chalé oito, e de repente pareceu-me que ao menos uma vez estar no acampamento era reconfortante. Sentei-me na cama, olhando janela afora.

As copas das árvores já começavam a mudar suas cores, antes de um verde radiante para um tom mais dourado, anunciando o fim do verão. Alguns pássaros já se moviam para o sul e de repente quis me tornar um deles. Mudar completamente a vida a cada seis meses. Como se tudo o que acontecera ante não tivesse mais importância; deixar tudo pra trás.

“Você não poderia. Ou se esqueceu do seu medo de altura?” a voz de Luke ecoava em minha cabeça. Mesmo depois de tudo o que eu fizera, ela continuara lá. Talvez depois de anos como pinheiro, ouvindo a suave voz do filho de Hermes, esta se tornara minha consciência, meus momentos de mais pura tristeza. Porque era isso que o loiro sempre representou para mim.

Uma tentativa de fugir da triste realidade que me cercava.

Deixei com que a água morna do chuveiro caísse por sobre meus ombros, relaxando os músculos. Antes de fechar completamente o registro, fiz com que uma rajada de água fria caísse momentaneamente em meu corpo. Acordar para a realidade. Era isso o que a água fria fazia.

Coloquei minhas vestes de caçadora e olhei-me uma última vez no espelho. Eu mudara muito, afinal. O cabelo mais comprido, um palmo abaixo dos ombros. Nada de mechas azuis. Nada de mil e um brincos, pulseiras e anéis. O único resquício da antiga Thalia estava no delineador negro que envolvia meus olhos azuis-raio. “Uma tentativa falha de adaptar-se” a voz em minha cabeça voltou a deixar-me nauseada. “A antiga Thalia nunca se fora, não é?”

Sentia-me prestes a explodir. Queria arrancar aquilo de mim. Luke era um traidor, repetia a mim mesma. Mas a quem eu queria enganar afinal? Uma mentira repetida diversas vezes nunca se torna verdade, por mais que queira. Duas batidas na porta tiraram-me do devaneio e saí do chalé de Lady Ártemis.

- Ah, Nico – suspirei e sentei-me dos degraus da escada. – O que você quer?

Ele havia mudado muito do garoto que conheci seis anos atrás. Os cabelos pretos caiam sobre os olhos castanhos. Ele estava centímetros e centímetros mais alto do que eu agora, em seu metro e setenta e seis. Estava mais forte, mais bonito, mais educado e mais adulto. Parecia até mesmo ser bem mais velho do que eu agora. Até mais experiente. O que eu abandonara da antiga Thalia, Nicholas tinha tomado para si. Enquanto em sua orelha direita um brinco transversal prata chamava minha atenção, o lóbulo de sua orelha esquerda estava preenchido por um pequeno e discreto alargador – tão discreto quanto eles possam ser.

- Preciso falar com você. – seus olhos fitavam o chão e um leve rubor tomou conta de suas bochechas.

- Eu não tenho tempo – retruquei – Agora, de me dei...

Nunca terminei aquela sentença. Sua mão estava firme na minha.

- É importante – seus olhos cor de chocolate fitavam os meus e pude notar a urgência em seu olhar. – Muito.

- Então me conte. – cruzei os braços em meu peito, jogando o peso do corpo para a outra perna.

- Aconselho que se sente. – suas mãos se cerraram em punho e ele levou os dedos até os cabelos, bagunçando-os um pouco.

- Estou bem. Fale logo – resmunguei.

- É sobre Luke. – ao ouvir o nome dele senti a vontade de sair correndo, ignorando-o completamente, mas algo em sua expressão me fez recuar.

- O que houve? – suspirei.

- Ele está de volta. Luke voltou.

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