A porta dos fundos certamente estava trancada.

Quero dizer, não trancada, exatamente. Emperrada. Galhos quebrados, teias de aranhas, e sacos pretos com sabe-se lá o que dentro, impediam que eu a abrisse.

–Ah, que ótimo. - Resmunguei.

Eu conhecia no mínimo dez feitiços diferentes que poderiam resolver aquilo em segundos. Todos fariam barulho suficiente para que a grã-betanha inteira ouvisse. Era o mesmo que explodir a porta da frente e entrar pedindo licença.

–E agora? - Draco perguntou ao meu lado. Via-se que eu era a parte criativa dessa dupla.

–Hmm.. Talvez alguma janela aberta?

Ele sacudiu a cabeça.

–Interditaram essa casa quando prenderam meus pais. Todas estão lacradas com tábuas, ou iriam fazer um barulho enorme para abrir.

–Genial. Somos duas pessoas com poderes mágicos quase infinitos, e não podemos entrar numa casa abandonada.

–Poderes mágicos... - Ele pensou um pouco, e então olhou pra cima. - Você ainda acredita no papai Noel?

* * *

–Sinceramente. Eu nunca imaginei que algum dia chegaria à esse ponto. - Falei.

–Pare de resmungar, Granger. Tem alguma outra ideia?

–Sim, porque não colocamos uma música motivadora, tipo, eye of the tiger? - Revirei os olhos.

–Porque Isso é música pra malhar, o que não é o caso. Apesar de você estar precisando um pouquinho...- Eu fuzilei com o olhar. Ele se atrevia a me chamar de gorda? - Ei, estou brincando. - Riu. Segurou o cabo da vassoura antiga e empoeirada. -Que sorte minha vassoura ainda estar guardada aqui.

–Pra mim não é sorte. Odeio voar.

–Relaxa, o Malfoy aqui cuida de tudo. - Ele se gabou.

–Vai cuidar de tudo se eu vomitar? - Ergui as sobrancelhas.

–Hm... Fique com a boca virada pro outro lado, só por precaução, Granger. Agora vamos.

Eu segurei em sua cintura, e o senti dar um impulso com os pés. Logo estávamos voando em direção à chaminé, o vento batendo no meu rosto.

Tomei o cuidado de fechar os olhos antes de começar, mas até agora, até que não fora tão ruim. Podia sentir o cheiro da jaqueta dele, sem falar de me sentir muito mais segura abraçando-o, mesmo que por segurança.

Antes que eu pudesse aproveitar um pouco, o passeio acabou.

–Pronto. Pode abrir os olhos. - Disse.

Coloquei os pés no chão, pisando sobre as telhas do telhado. Assim que eu o soltei, meu estômago se revirou novamente, ao eu ter a brilhante ideia de olhar pra baixo.

Ele deve ter percebido, porque me envolveu com seus braços novamente.

–Certo. Essa chaminé vai dar lá no porão, é a saída do aquecimento. - Ele se sentou na beira da estrutura, colocando os pés dentro do túnel escuro. - Tente não gritar ok?

–O-ok. - Concordei.

Me sentei ao lado dele, e tive o cuidado de morder os lábios para não gritar antes de pular.

Draco deu um impulso e despencamos chaminé abaixo. Coloquei uma das mãos na boca, como outra precaução. Eu não gostava de voar, muito menos de cair.

Poucos segundo antes de despencarmos no chão, ouvi-o sussurrar "Aresto Momentum", paralisando-nos a centímetros do solo.

Me agachei e passei pela abertura baixa da chaminé, examinando o porão.

A chaminé ficava em um dos lados da escada que levava para o térreo. No outro lado da escadaria, grades de ferro separavam uma área grande e escura do porão, provavelmente onde meus amigos tinham ficado aprisionados da última vez. Um arrepio percorreu a minha espinha, ao lembrar da dor que eu havia sentido naquele lugar. Por mais que eu tentasse, eu nunca iria esquecer aquele dia.

Antes de subir as escadas, segurei minha varinha em uma mão, e a arma na outra.

Felizmente, quando olhei em volta, a sala estava vazia.

–Pode vir. - Sussurrei para ele.

Atravessamos a sala em passos silenciosos.

Na cozinha ela não estaria, não fazia o mínimo sentido. Na sala de jantar? Estava escura, e não havia sinal algum de alguém lá.

O que nos fazia concluir que ela não estava no térreo.

Acenei com a cabeça em direção às escadas, e Draco entendeu. Ele andou silenciosamente nessa direção, e ergueu a varinha.

–Lumos. - sussurrou.

Ganhamos uma claridade extra, e agora podíamos ver um tapete vermelho muito manchado, se estendendo pelos degraus.

Certo. Se essa escada fizer algum barulho, há uma boa probabilidade de morrermos. Sem pressão, Hermione.

O tempo parecia correr muito mais lentamente que o normal. Eu subia de degrau em degrau, segurando no corrimão.

E foi então, parada no meio da escada, que eu comecei a ouvir.

"Na, na, na, na.... Na, na...na..."

Era uma lenta canção de ninar.

Meu coração começou a bater muito rápido. Eu estava no escuro, no meio de uma mansão abandonada, subindo escadas escuras que rangiam, e ouvindo uma canção de ninar cantada num tom calmo que me deixava mais nervosa ainda.

Quase dei um berro quando senti alguém pegar a minha mão, o que estragaria completamente os planos. Felizmente era só o Draco.

Continuamos a subir as escadas, chegando no primeiro andar.

Assim que pisei no corredor de madeira, a música parou.

* * *

No primeiro quarto, o mais próximo à escada, via-se a luz acesa, pela porta entre-aberta. A música havia parado, e a casa estava tão silenciosa agora, que se podia ouvir o vento uivando pelas frestas na madeira.

Dessa vez, deixei Draco tomar a liberdade de ir na frente.

Sem fazer barulho algum, ele se aproximou e olhou pela fresta aberta na porta.

Vi-o se retesar, como se tivesse visto algo que não fosse nada bom. Ele fez um sinal para que eu me aproximasse.

Quando olhei pela fresta, vi uma cena que apareceria em qualquer filme "b" de terror.

O quarto era grande, e estava assustadoramente vazio. A luz vinha de um lampião, em cima de uma velha mesa de cabeceira, e ao lado dela, uma mulher, com um vestido longo e preto, assim como o cabelo, parecendo intensamente concentrada na atividade de balançar lentamente um berço escuro, ninando um bebê que chorava incessantemente.

Ali estava Bellatriz Lestrange.