Filhas de Vênus escrita por Phill Emmanuel


Capítulo 2
Vovó Nota 10!


Notas iniciais do capítulo

Contém cenas fortes rsrs



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Todo domingo era a mesma coisa: eles chegavam já fazendo barulho, gritando, pulando, quebrando coisas e deixavam-na com uma vontade louca de berrar: SEUS FILHOS DA MÃE! ESSA NÃO É A CASA DA MÃE JOANA, NÃO!! VÃO GRITAR ASSIM LÁ NA...

Mas ela simplesmente não podia.

Não, não era assim que as avós exemplares se comportavam. Por isso, D. Clotilde engolia tudo e atuava, como a antiga atriz que fora nas peças do municipal. Na verdade, só precisava fingir nos domingos, o que tornava este o pior dia da semana.

Eles, os demônios em forma de gente (artificialmente chamados de netos) chegavam logo de manhãzinha, por alguma razão que ela desconhecia. Acreditava estar pagando pelos tempos em que deixava os seus com os vizinhos enquanto saía para as noitadas em clubes por aí.

Os netos ao chegar enchiam-na de beijos molhados fedendo a vômito, e abraços grudentos, cheios de suor de moleque. Mas ela ignorava, é claro, inspirando-se nas mulheres perfeitas da década de 50, aquelas retardadas que ela odiara quando mais jovem.

Levava-os então primeiramente à cozinha, onde servia deliciosos biscoitos com leite, gelatinas, frutas frescas e jujubas do pote da vovó.

No almoço, eram somente elogios ao frango assado de forno, com rodelas de maçã ao molho madeira que ela servia, acompanhado por uma sobremesa especial: sorvete de amendoim e passas.

Em seguida, antes do sono da tarde, eles se sentavam na sala de estar e D. Clotilde lhes contava histórias (a maioria inventadas, porque sua vida fora cabeluda demais para aqueles ouvidos ingênuos) até que todos caíssem no sono.

Duas horas depois, porém, todos já estavam de pé, correndo pela sala, cortando os dedos acidentalmente em ratoeiras espalhadas pela casa, empanturrando-se de chocolate roubado da despensa e saciando suas sedes com o estranho suco de laranja mega adoçado da geladeira, escondido atrás das garrafas de chá.

D. Clotilde só conseguia respirar após as sete da noite, quando seus próprios filhos apareciam para pegar as crianças. Ao que ela era educada, beijando todo mundo e dizendo que morria de saudades de cada um e que eles também deveriam vir para passar um domingo com ela, porque, afinal, ela se sentia às vezes muito sozinha.

Então, despedia-se de suas abençoadas crias e dos netos maravilhosos e fechava a porta, não sem antes agradecer a eles por domingos tão maravilhosos.

Vão para o quinto dos infernos, abortos de gente!, era o que de fato ela pensava. Levem logo essas pestes daqui antes que eu perca a paciência e use minha espingarda de caça pra treinar neles! Ai, por que tive filhos?! É isso que dá pular carnaval e dormir com qualquer um!

E só então, finalmente sozinha em casa, D. Clotilde soltava os palavrões e os impropérios que não pudera usar com os netos ali, enquanto limpava os estragos feitos por eles.

Ai, se eles soubessem o que realmente ela os servia de verdade!, pensava Clotilde, jogando os biscoitos e as jujubas duras no lixo – biscoitos de cachorro e jujubas fora da validade. E gargalhava maquiavelicamente, sentindo-se mais o lobo mal que a vovozinha.

As frutas, roubadas da seção de estragados do mercado, e o leite, fervido depois de dois meses coalhado, eram aproveitados nos domingos, pois D. Clotilde nunca aprendera a cozinhar. Ela dava graças aos céus pela entrega à domicílio e ao restaurante que oferecia aquele delicioso frango assado, ao qual apenas acrescentava as maçãs.

E ela só dava gargalhadas histéricas depois que recebia as ligações dos filhos dizendo o quanto as crianças estavam doentes, certamente, diziam, “por terem curtido demais o domingo!”. Clotilde, é claro, como uma boa avó, conhecedora das artes medicinais que só os idosos podem deter, receitava ervas caseiras e remédios eficazes para os netos, tão preocupada ficava com essas notícias.

– A culpa é minha! – gritava ao telefone, teatralmente. – A culpa é minha, meu Deus, por deixa-los fazer o que querem! – E ria, na verdade, por dentro, ouvindo os filhos babacas tranquilizando-a.

D. Clotilde nunca se considerara uma boa mãe e não era agora, como avó, que se tornaria uma pessoa melhor! Ela admitia que muitas das coisas que fazia eram justamente para se vingar das pestes, como espalhar ratoeiras pela casa e fingir-se de caduca. Ou, ainda, colocar chocolate estragado na despensa propositalmente, sabendo que os filhos dos seus filhos não seriam os tais se não roubassem algo por aí.

É claro que sua melhor ideia fora fazer xixi em uma jarra e coloca-la na geladeira – com quase um quilo de açúcar para disfarçar o cheiro e o gosto ácido – atrás dos chás gelados, levando os meninos a pensarem que era suco escondido.

Se ela se arrependia? Ah, que nada! Afinal, a melhor parte do dia era sentar em sua poltrona para relaxar e relembrar do quanto maltratara das crianças sem elas saberem. E ria alto, vingada, debochando das vovós boazinhas que existiam por aí e do quanto eram idiotas. Ela sim curtia a vida em plena terceira idade. Pelo menos, fazia o que podia, com os meios dos quais dispunha.

E então, para finalizar a noite, tentando ainda salvar o resto de seu domingo, pegava aquela cervejinha gelada e ligava para o Gustavo, aquele garoto de programa que fazia um preço camarada para ela e sabia satisfazê-la como ninguém.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.. Quem, afinal, adoraria uma avó assim? hehe