Filhas de Vênus escrita por Phill Emmanuel


Capítulo 1
Miolos Refinados


Notas iniciais do capítulo

O humor negro mais curioso é aquele no qual observamos o triste cotidiano fútil de pessoas fúteis, sem que elas o saibam disso.



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Steffanny Jennifer era uma linda garota no ápice dos seus 18 anos. Alta, esguia, loira, de olhos azuis como diamantes, era uma rica menininha da capital, o estereótipo de uma burguesinha de verdade. Sua vida, porém, de longe não era nada fútil nem patética, pelo menos para ela: Steffanny acordava ao meio-dia, tomava seu requintado e dietético café da manhã e em seguida cumpria sua rotina atribulada de patricinha.

Ia, primeiramente, à manicure, afinal, seus delicados pés e mãos não podiam começar o dia com uma cutícula sequer ou com a unha mal pintada e horrível. Logo em seguida, passava cinco horas inteiras no cabeleireiro, mantendo seus ondulados e artificiais cabelos loiros impecáveis e retocando a maquiagem, pois, é óbvio, nenhuma imperfeição facial sua poderia aparecer nos jornais e na televisão.

Para sentir-se bem espiritualmente, visitava algumas instituições carentes e distribuía torrentes de generosidade na forma de cheques gordos e abraços afetuosos.

Um início de dia demasiado atribulado e importante!

Ela não almoçava, porque, em sua cabecinha refinada, quem almoça são aqueles desfavorecidos que não podem pagar pelo seu próprio nutricionista. Ela, por sua vez, digeria sua habitual porção de caviar, um pedaço de pão integral e duas porções de tofu com suco de laranja natural, sob o olhar crítico de seu personal alimentar.Não era nada fácil manter aquela aparência esquelética de uma modelo que se preze!

Para restituir o vigor de seu corpo pomposo, tirava uma soneca de meia hora em algum spa caro do centro, após ler sua revistinha semanal de fofocas e dicas de beleza.

O resto da tarde era dedicado aos shoppings e lojas chiques da cidade. Sempre voltava para o apartamento com sacolas e sacolas de roupas, todas de marcas estrangeiras, e sapatos mais caros do que o valor do salário de seu motorista. Era impossível, dizia ela, resistir àqueles couros e àqueles preços exorbitantes!!

Valentinos, Manolos, Versaces, Puccis e Halstons eram seus melhores amigos, e suas fieis bolsas Louis Vuitton, suas madrinhas.Pelo menos eles não falavam, pensava Steffanny, porque suas poucas amigas de verdade, tão ricas quanto ela, geralmente só sabiam falar sobre bobagens como faculdade ou o grau de gostosura dos namorados.

Entrementes, em sua árdua jornada, nem uma gota de suor brotava em seu rosto, tal era a tonelada de maquiagem ali envolvida. Afinal, toda vez que parava em uma loja, ela corria para o banheiro para retocar o pó francês, o batom inglês e o rímel holandês.

Steffanny Jennifer era o protótipo de estilo de vida que uma garota como ela devia viver. Dizia isso a si mesma todo dia, quando se sentava à noite diante do espelho para passar seu creme noturno ou quando seu pai vinha lhe reclamar do quanto andara gastando e indagar por que tantos cartões de créditos tinham o limite estourado.

Ela não ligava para os sermões do pai. Sabia que ele sempre a perdoaria, pois não resistia ao seu biquinho mimado combinado com sua frase estratégica habitual: “Mas o senhor nunca está presente! Eu tenho que me ocupar com algo, paizinho...”.

E ele cedia, devolvendo-lhe os cartões e aumentando sua mesada.

Antes de dormir, em sua cama de dossel e travesseiros de pena de ganso, ela rezava pelos gerentes de lojas, pelos estilistas mundiais, pelas empresas de cosméticos e pelo pai rico por lhe permitirem viver esse sonho.

Mas, mal sabia ela, naquela quarta-feira, que tudo seria diferente...

Ela caminhava sem pressa, sorridente, após cumprir rigorosamente mais uma difícil rotina de madame, em direção ao carro que lhe aguardava. A cacofonia do toc-toc de seu sapato quase não era ouvido devido ao barulho dos carros à sua direita. Seus cachos loiros esvoaçavam, os dedos apertavam as inúmeras sacolas, com medo de deixar uma sequer escapulir, e os seios pequenos se salientavam, pontudos, por baixo da blusa sem estampa. Alguns assobios rudes e cantadas grosseiras ela ouviu vindo dos carros ao lado, mas não ligou. Era preciso manter a pose.

Alguém gritou seu nome, alguns metros mais adiante. Ela ergueu os olhos e, para sua surpresa, viu ninguém menos que Celina Christinny, uma badalada socialite que não via há muito tempo e que, no passado, roubara seu namorado, indo para a cama com ele depois de uma noitada muito louca, movida a bebidas e alucinógenos. Como ela sabia disso tudo? Ah, Celina fizera questão de postar todas as fotos no Facebook e ainda marcar Steffanny nas quais ela, a vagabunda, e seu namorado apareciam pelados!

Então, sem pensar, sem refletir, nem calcular, ela se virou e correu na direção contrária, as sacolas sacolejando, os saltos tinindo pelo asfalto e os cabelos platinados esvoaçando. Preferia pular de uma ponte a encontrar com aquela vaca metida!

Saiu da calçada e correu pela rua, impensadamente, como um menino atrás de uma bola, sem se tocar que o sinal vermelho estava prestes a mudar, e esquecendo, por um segundo, de que ali ela não era nada menos do que humana...

Quando o semáforo permitiu, um motorista qualquer, atarefado, acelerou para seguir em frente, com pressa. Por isso, foi quase impossível, de fato, frear quando uma loira maluca surgiu do nada à sua frente... Ele apenas buzinou e previu o pior...

Ouviram-se berros, palavrões, um grito tolo e fraco como o de uma corça capturada... E o som horrível de algo sendo esmigalhado por pesadas rodas...

Steffanny Jennifer gritou quando seu salto de 15 centímetros quebrou, e ela caiu no chão, rodeada por suas preciosas sacolas de compras. Mas, é óbvio, não soltou um gemido quando uma das rodas de um caminhão esmagou seu crânio e espalhou pelo asfalto quente seus refinados miolos patéticos.


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Notas finais do capítulo

- O primeiro conto adulto já escrito na minha vida. Espero que gostem ;)