One Shot - Noite De Sábado escrita por Camí Sander


Capítulo 1
Por uma noite




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            Era uma tarde chuvosa e fria. Já se passava das seis da tarde, o que significava que eu já estava em casa, envolta num grosso cobertor, deitada no sofá, assistindo alguma coisa na televisão há um tempo. Era rotina esse tipo de comportamento no meio do ano. Mas naquela casa ali, até os dias mais quentes da cidade eram como se você estivesse morando fixamente dentro da geladeira.

            Minha mãe estava no quarto, conversando no celular com o namorado, minha irmãzinha estava na casa do meu pai e era a vez da minha outra irmã ir ao computador, então eu ficava meio desconexa com o mundo, só prestando atenção ao incrível seriado dei investigação criminal, que, convenientemente, era todo legendado. Ou seja, o programa tinha que ser bom mesmo, por que eu não iria perder tempo com qualquer coisinha idiota ali, sendo que eu não entendi bulhufas do que eles diziam e não gostava muito da visão de cadáveres e assassinos. Mas esse era legal!

            Do lado de fora, minha cadela chorava. Bom, não faz sentido dizer que ela tem medo de qualquer chuva que exista. Porque, provavelmente isso se deu ao fato de ser abandonada com poucos dias de vida, junto com os irmãozinhos, dentro de uma caixa de papelão, na beira da estrada, quase dentro do mato que tem por aqui.

            A caixa foi achada por uma vizinha que, felizmente, é sogra da minha irmã, no dia 31 de dezembro do ano passado. Sim, fazia pouco tempo, mas estava tudo se ajeitando.

            Eu já estava me irritando com o choro da cadela, mas não tinha disposição alguma para abrir a porta e, além de me deparar com os pingos incessantes fazendo barulho no Eternit, ainda ser lavada por uma corrente de vento úmido. Mandei ela se calar do sofá mesmo.

            Minha casa é pequena, de madeira, atrás da casa da minha avó, no mesmo terreno. Isso é coisa de favela, é, eu sei, mas, desde que meus pais se separaram no final do ano retrasado e a gente teve que ficar na casa da minha avó, meu pai fez esse “barraco” para a gente morar.

            Barraco porque eu sempre morei com os meus dois pais numa casa de material com três quartos - sendo um uma suíte-, uma sala espaçosa, uma cozinha grande, um banheiro muito bom e um grande, absurdo e perfeito, terreno ao redor. Esse barraco tinha sala e cozinha no mesmo espaço, um banheiro e dois quartos. Como o terreno é compartilhado, não o considero grande coisa.

            Minha escola era uma bela porcaria, quando tinha aula não tinha professor devido à greve, quando era férias do meio do ano tinha que recuperar as aulas perdidas. Bem, nos feriados na metade da semana, nem preciso dizer que eles emendavam tudo o que dava. Tinha vezes que eu chegava a ir duas vezes por semana, em aulas normais.

            Entretanto, hoje, não. Eu já acabara de estudar, estava descansando muito bem. Lá fora estava bastante escuro e a chuva não parecia acabar nunca. Bem, pelo menos não havia raios e trovões estourando, senão eu iria sofrer consequências pesadas.

            Minha cadela parou de chorar, do nada, depois de mais uns quinze minutos. Minha mãe abriu a porta bem nesse instante e eu ouvi passos. Deve ser o meu tio, pensei. Sim meus tios moravam no mesmo terreno que eu. Ou seja, três casas - sendo que a maior era a da minha avó, obviamente – abrigando quatro famílias. Sim, havia mais uma casa, ao lado da minha que abrigava meu tio e suas quatro filhas. E meu outro tio morava num quarto na casa da minha avó com sua esposa e filha. Minha avó ainda acolhia a sua mãe em outro quarto.

            Alguém bateu na porta, calma e determinadamente. Não eram meus tios, pois eles quase arrombavam a porta com as batidas, claro com aquelas mãos gigantes deles! E não eram as outras pessoas da família, pois eles chamavam antes mesmo de chegar à porta. Então me lembrei de que não havia mais ninguém lá no terreno, pois todos tinham ido viajar cedo.

            -Quem é? - perguntei meio que gritando.

            Ninguém respondeu por um instante. Minha irmã, irritada como sempre, esticou o braço para trás e abriu a porta, já que era de madeira, precisava estar trancada para ficar “encostada”. Por um momento, não reconheci a forma da pessoa que arfava se segurando na parede ao lado. Só quando a minha mãe veio reclamar com a porta aberta, viu a pessoa e arregalou os olhos.

            -O que você está fazendo aí? - ela ralhou com ele e foi até a porta.

            Ah, ótimo, é o namorado dela! , pensei revirando os olhos e voltando minha atenção à TV.

            -Entra Johnn. - ela lhe deu passagem e praticamente o obrigou a entrar. - O que você estava fazendo na chuva?

            Paralisei. Espera um minuto; Johnn? O meu Johnnzinho? Aquele que eu não vejo há um ano e meio? Não, não pode ser. Quer dizer, ele na minha casa?! Só pode ser brincadeira!

            -Giovanna se ajeita e busca uma toalha para ele se secar, faz favor?! - minha mãe me ordenou.

            Respirei fundo, meio que bufando – ah, eu teria que sair do meu cantinho quente só para pegar uma toalha para ELE?! - e afastei o cobertor só para me lembrar de que eu já estava de pijama. Ah, ótimo. Bom, agora ele já tinha visto mesmo! Revirando os olhos, passei sem cumprimentar e fui direto n quarto da minha mãe, onde estavam as toalhas, peguei uma e voltei, quase marchando, para entregar-lhe a toalha com um “toma” bem brusco. Peguei minhas coisas e corri para o quarto.

            Eu estava sendo fria, distante e mal-educada. Sinto-lhe informar que eu andava chorando por aquele garoto desde a sétima série, quando o conheci, e eu já estava no segundo ano do ensino médio. Sim, eu não o via há quase dois anos, mas isso não significava que eu já me conformava em ter me apaixonado por aquela pessoa! O Johnn?! Todo lindo e galinha!

            -Bem, eu estava vindo da casa de um amigo, de bicicleta, quando a chuva começou a cair. Tentei ser mais rápido, mas, claro que isso não aconteceu. - eu o ouvi explicar.

            -Ah, mas é claro! A história mais mal contada que eu já tenha ouvido! - não consegui me conter. Quando dei por mim, eu já havia dito, e dito alto demais.

            A porta do quarto se abriu. Eu estava na minha cama, a de baixo num beliche, de bruços, lendo Crepúsculo de novo – era um livro que me acalmava bastante. A cabeça da minha mãe me fuzilou com os olhos e a dele estava perplexa e altiva ao mesmo tempo.

            -Deixei a bicicleta ali no muro da garagem, Mikaela. Pode ir lá e verificar – ele sorriu.

            -Não me importo – dei de ombros e voltei a ler.

            Realmente, eu não me importava. Eles poderiam ficar me vigiando pelo restante do dia que, no máximo, eu iria até a porta apagar a luz. Eu não me importava com olhares indesejados. Sinceramente eu já me acostumara de ser vista pelos outros como a garota nerd e desmiolada da escola. De qualquer escola. Eu ficava lendo, cantando, dançando, sendo eu, em qualquer lugar. Exceto quando eu estava muito envergonhada. Porque, comigo eu me entendia, no meu mundinho, mas a minha vida social estava baseada, principalmente, na falta de amigos dos outros. Eu podia me entreter com todo o mundo individualmente que, ainda assim, me sentiria acuada quando eles se agrupavam. Fazer o que? Minha natureza não é das mais sociáveis.

            -Johnn, por que não vai tomar um banho, você está todo molhado, e eu te empresto algumas roupas aqui – sugeriu minha mãe, ainda na porta do meu quarto, mas olhando para ele.

            -Obrigado, Luz – ele sorriu e beijou a bochecha dela.  - Oi, Mikaela, foi bom te ver.

            -Oi, igualmente – falei sem desviar a cabeça do livro. “Eu te amo. Eu sei que não é uma boa desculpa para o que eu estou fazendo, mas ainda assim é verdadeira.” sorri com a fala do Edward.

            Ele caminhou até o banheiro e minha mãe se virou para mim, fechou a porta e quase arrancou o livro da minha mão.

            -O que deu em você? - ela me censurou.

            -O que deu nele de aparecer aqui e estragar as minhas férias?! - murmurei.

            -Não me responda desse jeito, Mikaela. Você sabe que sou sua mãe e seu comportamento está muito descontrolado. Vai dizendo tchau para o computador e para as suas amigas que você não vai mais ficar com elas assim. Vai dizendo para a Marina que eu não quero mais que ela passe aqui antes do colégio. - ela não esperou minha resposta e ia saindo, quando... - Ah, e vai se despedindo do seu Edward, porque amanhã, há essa hora, ele já vai estar queimado.

            -Ah, não, mãe. Qualquer coisa menos os meus livros! Por favor! Caramba, eu paguei R$ 25,00 nessas coisas. Lembrando que foi do que você me deu o dinheiro. E o último foi a Marina que me deu de presente! - reclamei.

            -Então se comporte – e saiu.

            Ah, droga, Johnn, tinha que ter aparecido, seu merda? Reclamando mentalmente e revirando os olhos, arrumei minhas coisas e saí do quarto, emburrada e com outra roupa. Afinal, de pijama?!

            Quando ele saiu do banho, nem preciso dizer que estava muito engraçado com as roupas do Ramón, nem que estava muito lindo, pois aquele serzinho era lindo de morrer com qualquer coisa. Eu sorri com aquela visão. Ah, mas ele estava muito engraçado mesmo. O Edward humano.

            -Oi – sorri amistosamente para ele.

            Ele sorriu de volta. Ah, que sorriso lindo, pelo amor de Deus! Ele veio até mim e me deu um beijo no rosto. Oi. Ele queria dizer com aquilo. E depois olhou para minha mãe.

            -Posso ficar aqui até a chuva dar uma acalmada?

            -É claro – e ela estendeu o celular – Quer ligar para a sua mãe? Para avisar?

            Johnn pegou o celular, discou rapidamente e esperou. Logo deu um sorriso enorme e torto.

            -Oi, dona Shenna! - ele falou alegremente. - Mãe, eu quero dizer que não estou mais na casa do Benjamin, eu estava voltando para casa quando tomei um banho de chuva. - ele esperou um pouco, até fez careta e afastou um pouco o aparelho da orelha. - Sei, mãe. Eu já saí da chuva! - ele riu um pouco. - Ah, mãe, como eu te ligaria no meio desse temporal? Só se eu fosse louco, não? E, eu esqueci o celular na casa do Ben... Mãe, eu estou ligando da casa de uma amiga. - ele sorriu. Quando voltou a falar, seu tom de voz era resignado. - Sim, mãe. Sei... Não vou fazer besteiras, mãe, pelo amor de Deus! Que mente suja! - ele riu nervoso. - Eu estou na casa da Luz. Lembra-se dela?

            Não sei o que a mãe dele falou, só sei que ele virou a cabeça para me ver e, quando notou que eu olhava, sorriu e virou-se rapidamente para minha mãe. Respondendo com cansaço.

            -Sim, mãe. Está. Estão todas... Não, espere. Falta a menor, a implicante.

            -Posso falar com a sua mãe? - pediu a “dona” Luz, estendendo a mão para ele.

            -Mãe, vou passar o telefone, querem conversar com você – ele entregou o aparelho.

            -Oi, Shenna, como vai? - minha mãe sorria. - Ah, vou muito bem, obrigada. Bom, eu queria saber se o Johnnzinho pode dormir aqui esta noite. Porque está tão escuro lá fora e a chuva demora a passar... - minha mãe tentando convencer era muito boa. - Ah, sim, certo. Claro, sem problemas. Manda um beijo para a Lizza, está certo? Obrigada, novamente. Ok, boa noite, beijos. - e desligou.

            Não sei o que minha mãe tinha em mente, mas não era coisa boa. Ela olhou para Johnn e sorria, complacentemente. Olhei Johnn para constatar que ele estava com a mesma careta de choque do que a minha. Ele tentou argumentar, que não estava certo, pois não devia estar ali.

            -Bom, não mandei vir, mas agora que veio, não vai embora assim! - retruquei, levantando e o empurrando para o sofá. - Vai ficar aqui até que a chuva pare. Mãe, não é nem oito e meia ainda, então não é tarde demais, se ele quiser voltar. Você percebeu que nem perguntou para ele?

            Ela o fitou, assim como eu e minha irmã o fizemos. Todas na expectativa. Aposto que ele se sentiu envergonhado; ele sempre se sentia assim, quando pressionado. Foi por isso que parou de ser legal comigo. Sim, Johnn e eu já fomos, digamos, amigos de escola. Claro que depois das insinuações de nossas mães e nossas irmãs - todas viviam no colégio, praticamente – e também depois de eu reclamar tanto – ele vivia me irritando, mas confesso que eu gostava disso bastante – ele parou. Do nada, a gente se distanciou. Quer dizer, ele nunca foi grudado em mim e nem eu nele, mas todos os dias saber que ele já havia ficado com alguma garota – quase todas da escola – me deixava triste, e irritada.

            Tínhamos colegas em comum, mas não ficávamos juntos, andando por aí. Ele tinha a turma dele, eu a minha. A gente estudava em sala separada e todos se conheciam, de qualquer jeito. Mas me pegar no colo e ficar girando, quem não ficaria com vergonha? Ah, claro, as “gatas” que ele podia pegar. Mas não, ele fazia isso comigo. Motivo? Nunca soube. Eu só queria que ele parasse.

            -Não quero incomodar ninguém. Assim que a chuva der uma acalmada, eu volto para casa.

            Ele disse aquilo para minha mãe. E eu imaginei se ele estava tentando fingir que eu não existia para criar coragem ou se ele não estava mesmo me vendo. Na escola ele não me via.

            Era quase dez da noite. Óbvio que minha mãe não o deixaria sair a essa hora! Então ela arrumou um colchão no meu quarto para ele se deitar.

            Já falei que acho a minha mãe um pouco pirada? Pois é, onde já se viu colocar um garoto de dezesseis anos completos num quarto com as duas filhas? Certo, eu ainda tinha quinze anos e minha irmã quatorze, mas mesmo assim! Loucura do mesmo modo.

            Quando tudo ficou pronto, minha mãe mandou a gente ir dormir. Quer dizer, ela o mandou ir dormir porque eu estava acostumada às onze horas, se não mais tarde, e estava acordada.

            -Não vai para a cama? - ele estava de pé, me olhando preocupado. - Sua mãe pediu silêncio.

            Sorri para ele. Aqueles olhos verde-água estavam toldados de vermelho de cansaço.

            -É só abaixar o volume da televisão – dei de ombros. - Sempre vou dormir tarde. Acostumei e agora estou sem sono.

            Johnn se sentou novamente depois de colocar a televisão no nulo. Não me importei, era legendado mesmo. Ele estava um pouco roxo de frio. Bem, minha casa era um cubo de gelo! Arrumei meu cobertor para tampá-lo também e ele me deu um sorriso agradecido.

            Mais de uma hora mais tarde, eu me levantei e fui me arrumar para ir dormir. Bom, ele se levantou também, mas quando viu que eu pretendia me trocar, fingiu precisar do banheiro. Sim ele fingiu, pois a descarga faz um barulho terrível e ele não a puxou. Mas mesmo que ele tivesse ficado lá. Eu teria trocado a parte de cima numa boa e ele não teria visto nada, no máximo minha barriga. A parte de baixo eu me embasbaco toda, então eu o faria debaixo das cobertas.

            Então, abri a porta e ele me esperava do lado de fora, se segurando no armário. Rapidamente, me joguei na cama. Claro que eu tomava cuidado para não balançar muito, porque minha irmã estava na cama acima. Ele se deitou num colchão no chão.

            -Boa noite, Wholiver – falei. Esse era o segundo nome dele.

            -Boa noite, Miki. - ele disse bocejando.

            Virei-me para o lado, arrumei o celular para despertar às oito da manhã. Claro que já passava das onze. Fechei os olhos, rezei – eu sempre rezo antes de dormir – e tentei dormir. Juro que tentei. Mas algo me incomodava e não era o fato de ter um garoto no quarto. Era o fato de esse garoto estar com tanto frio que batia os dentes descontroladamente. Tentei ignorar.

            Já era quase meia-noite, quando eu o chamei e o pedi, encarecidamente que dormisse.

            -Tudo bem – ele voltou a cabeça para o guarda-roupas e respirou fundo, tentando se controlar. Entretanto, não obteve muito sucesso.

            Meia-noite e meia, Johnn ainda batia os dentes, e eu não conseguia dormir. Mesmo rolando e fechando os olhos com força, mesmo tentando me convencer que eu não podia fazer nada contra isso. Mas era mentira. Porque eu também estava com frio e sabia que estava mais quente do que ele.

            -Johnn, para de bater os dentes, por favor? - rosnei um pouquinho mais alto.

            -Me desculpe, Miki – ele conseguiu dizer enquanto tremia de frio.

            -Fala baixo, Mikaela! - a voz sonolenta de Lucina instou no quarto.

            -Vai dormir e me deixa!  - retruquei. Era a minha resposta de sempre.

            Ela ficou quieta. Johnn ainda tremia e eu ficava com mais frio enquanto ouvia os lindos dentes com atenção.

            -Johnn?

            -Desculpe-me – ele respondeu com dificuldade e muito sussurrado.

            -Ei, pode fazer um favor?

            -Parar de bater os dentes? - ele soltou uma risadinha baixa e muito linda.

            -Não – retruquei. - Pega essas cobertas, joga em cima de mim e vem deitar aqui comigo porque eu estou mesmo com vontade de dormir.

            -Você está falando sério? - ele até levantou a cabeça para tentar me ver.

            -Por acaso quer que eu me levante e deixe tudo frio aqui? - reclamei.

            Ele se levantou, colocou as cobertas esticadas em cima de mim e me perguntou como caberíamos em uma cama de solteiro, dei de ombros e mandei-o deitar para a parede.

            -Mas vou bater na cama de cima – contestou. - Isso vai acordar a sua irmã.

            -Você quer que eu te entregue o lugar quente, filho da mãe – bati fraquinho em seu braço. - e, ninguém mandou você ser alto. Passa por cima, nós somos magrinhos.

            Rindo, ele fez praticamente, questão de se deitar em cima de mim e se remexer, depois de rolar para o lado da parede. Bom, a parede era de madeira, e o burro, imbecil, parvo por demais, colou as costas ali. Nem preciso dizer que a parede dividia a casa como interior e exterior. Só sei que eu ri muito quando ele se grudou em mim, com um arfar de dor. Ah, coitadinho dele! Rá-rá-rá!

            -Ai! - reclamou. - A parede está mais fria do que o chão!                                  

            Com essa, eu tive que virar para encará-lo com o rosto retorcido de tanta vontade de rir.

            -Jura? - perguntei irônica. - Por que achou que eu não queria passar para lá?

            -Não vai me deixar ficar colado ali, não é? - ele tinha os olhos um pouco mais altos do que os meus. Ou seja, eu tinha contato direto com a respiração quente dele.

            -Pedi para grudar na parede? Eu só falei que você iria dormir ali ao lado! O que eu posso fazer se você é um loiro burrinho?

            -Não sou mais tão loiro – retrucou.

            -Verdade, você virou um monocromático. Mas os genes ainda pensam que você é bem loiro!

            -Eu não sou monocromático! - ele aumentou a voz um pouquinho.

            -Johnn, fala baixo, pelo amor de Deus!

            -Então não me chama de monocromático.

            -Ok, nem chamo mais – dei de ombros e virei para a porta.

            Minha respiração deu um tranco quando senti as mãos dele – que estavam bem frias, mas eu me acostumei com a sensação – na minha cintura. Ele encostou-se a mim e relaxou, praticamente. Senti sua respiração, no meu cabelo, ficar mais baixa e suas mãos me puxarem um pouquinho mais.

            -O que você está fazendo? - sussurrei.

            -Tentando dormir, por quê? - ele retrucou mais roucamente.

            -Precisa me apertar?

            -Desculpe-me. - ele afrouxou as mãos, mas não as tirou de mim.

            -Johnn? - instiguei.

            -Não. - ele tinha entendido exatamente o que eu queria. - Não tem espaço para me aquecer além daqui. Não vou te soltar, porque daí eu teria que arrancar meus braços fora para dormir bem.

            Dei de ombros e fechei os olhos para dormir – ele já estava voltando à temperatura normal. Até que... Senti algo meio que puxar, meio que fazer carinho, na minha barriga. Não dei bola. Bem ele podia ter dormido, afinal. Já tinham se passado uns minutinhos, não? Mas a mãozinha me soltou e afagou minhas costas, carinhosamente – como quando você vai consolar alguém – o único problema era que logo, ela foi fazer o carinho por dentro da blusa do pijama.

            -Onde está seu sutiã? - ele perguntou bem cara de pau.

            -Dizem que faz mal para o corpo, dormir de sutiã. Eu durmo sem. E, vai dormir vai.

            Sua mão desceu pelas minhas costas e foi parar na minha barriga novamente, mas agora sem o tecido para me fazer atrito estranho. Era só pele contra pele. Minha barriga contra a mão dele. Senti ele se erguer um pouco e depois abaixar mais perto do meu ouvido.

            -Hmm, dorme sem, é? - e beijou meu pescoço.

            -É, mas isso não quer dizer que você pode sair se aproveitando, não, está sabendo?

            -Posso saber por que não? - ele beijou no meu maxilar.

            -Simples – ergui seu braço de cima de mim e me afastei um pouco. Ele protestou, é claro. - Eu fiquei esperando que você me notasse por dois anos inteiros e depois fiquei um ano todo tentando esquecer-me do quanto você é galinha e nunca olharia para mim. Agora, não é só porque você está carente, querendo um corpo para te esquentar, que precisa abusar da solidariedade. Eu já superei a paixonite idiota que eu tinha por você, então, com licença, se quiser uma das tuas amigas, vai procurar por elas. Aposto que tem uma trouxa sonhando com você nesse exato momento.

            Minhas palavras o surpreenderam. Ele retirou o braço da minha mão e encolheu junto de seu próprio corpo. Além de sair completamente de cima de mim, me fazendo sentir frio.

            -Você gostou de mim? - seu sussurro trazia o choque pasmo dele. - Quando?

            -Não sei quando comecei, mas parei assim que você disse algo ruim sobre Edward Cullen.

            -Eu falei algo do tipo? - agora ele estava aturdido. - Você se lembra?

            Assenti. Meus olhos se enchiam d'água de tão claramente que eu lembrava. Ah, é claro que eu lembrava, ele praticamente fez com que a minha esperança de tê-lo se anulasse. Não que eu já não tivesse feito aquela promessa, mas, aquilo definitivamente me fez repensar o assunto de que homens são muito infantis para entenderem o que uma mulher quer.

            -Pode me dizer o que eu falei mal do personagem? E por que você parou de gostar de mim?

            -Personagem – bufei. - Edward é meu irmão. Se você mesmo não lembra, não serei eu a te recordar, ok? E eu parei porque sua resposta à pergunta simples da Monikky foi muito desencorajadora.

            Ele ficou apoiado no cotovelo, que estava apoiado no meu travesseiro, e tentou olhar para mim. Realmente, agora eu queria que a umidade que se encontrava em meus olhos fosse interpretada como sono e que ele deixasse o assunto passar em branco. Ele não precisava saber que eu ainda podia ouvir a voz da minha amiga ecoando com o “Ele não quer”.

            De longe, no pátio da escola, eu pude vê-la fazendo a pergunta, mas não era isso que me incomodava. Incomodava-me o fato de ele ter feito uma careta de nojo e desprezo ao assunto e ao olhar para ela se afastando. Quer dizer. Até parece que ela iria fazer o papel principal com ele, mesmo. Sim, eu a amo mais do que tudo, ela sabia tudo e mais um pouco de mim. Todo mundo comentava, mas eu sempre neguei. Mesmo assim, ela sabia. Ela e quase todos os outros. Menos ele, ao que parecia. Ou ele estava se fazendo para ficar mais convencido.

            -Já faz tempo, não quero lembrar – dei de ombros.

            -Ainda dói em você. - não era uma pergunta e eu não respondi. - Desculpe-me por isso.

            Ele abraçou minha cintura e beijou meu cabelo. Como eu não me prontificava mais, ele se deitou novamente, mas não se soltou de mim, apenas voltou a relaxar. Fechei os olhos e tentei dormir. Mas é claro que o silêncio não duraria muito.

            -Sabe o que eu acabo de pensar? - ele riu baixinho, sonolento.

            -Que você não consegue calar a boca por um minuto sequer?

            Ele riu mais.

            -Não. Eu quero só ver amanhã de manhã, quando as pessoas acordarem e verem que eu não dormi no chão, mas sim aqui – ele me apertou um pouco na última palavra, depois soltou.

            Gemi de frustração. Minha mãe e minha irmã. Duas loucas que viviam me incomodando por causa do Johnn. O que elas falariam na manhã seguinte? Torturante, de qualquer jeito. Argh, isso iria me dar problemas. Mas, se bem que é exatamente o que elas queriam. Há uns anos atrás.

            -Não sei, e elas não podem falar nada. Só vamos dormir mesmo – dei de ombros.

            Ele me virou para encará-lo. Não me pergunte como; ele só pode ser daqueles ninjas talentosos que conseguem o impossível. Com a mão livre – já que a outra ainda estava na minha cintura – ele puxou meu queixo para cima, para mais perto dele também.

            -Vamos? - ele sorriu torto. Argh, ele era tão Edward nisso!

            Fitei-o séria e baixei sua mão, liberando meu queixo e franzindo os lábios.

            -Sim, nós só vamos dormir – respondi um pouco rude.

            Quando eu estava prestes a me virar novamente, com um "boa noite" bem convincente, ele me olhou suplicante, segurando-me firme naquela posição.

            -Me abraça? Eu estou morrendo do frio nas costas.

            -É só virar ao contrário – revirei os olhos. Isso era tão óbvio!

            -Mas daí meus braços não cabem! - reclamou fazendo um beicinho.

            Revirei os olhos mais uma vez e passei o braço pela sua cintura. Sinceramente? Acho que nem Edward Cullen era tão gelado nas costas como ele estava. Puxei o cobertor mais para lá e tentei ajeitá-lo, mas para isso, tive que me aproximar um pouquinho mais e ele me prendeu ali. Depositou um beijo na minha testa – ou cabelo, não sei – e desejou-me boa noite.

            -De verdade, agora – ele acrescentou, respirando fundo.

            Pude, enfim, dormir. E dormi muito bem, por sinal. Só não me lembro de ter me mexido. Creio que nenhum dos dois se mexeu, pois, na manhã seguinte, eu me encontrava na mesma posição que havia dormido. E ele também. Sorri comigo mesma. Ah, era bom dormir nos braços de alguém. De alguém que se gosta, então!

            Tentei não pensar nisso, olhei para a janela e percebi que era dia. Não, era muito dia. Traduzindo: mesmo com a porta fechada, eu tinha certeza de que alguém já havia levantado e estava fazendo fofocas com outro alguém sobre o que vira.

            Com medo de acordá-lo, consegui me desvencilhar do abraço dele e sair da cama. De pé, constatei que Luciana não estava mais ali. Caramba, ela viu. Caramba ao quadrado, aposto que ela acordou minha mãe para ver também!

            Eu realmente tinha problemas. Olhei para Johnn tentando ver se eu teria mesmo que ir até o banheiro, passar pelas loucas, e me trocar lá. Respirei de alívio quando percebi que não. Mas por garantia, tentei ser o mais rápida possível. Portanto, em um minuto eu já estava vestida. Olhei de novo para ele. Um longo suspiro e uma aconchegada maior na cama o atravessou. Ele era tão fofo!

            Respirando fundo, dei meia volta e abri a porta com cuidado, tentando não fazer barulho. Como era previsto, minha irmã e minha mãe estavam com os olhos cheios de malícia e com aquele brilho de diversão e perversidade.

            Elas logo começaram com insinuações e brincadeirinhas que todo mundo odeia. Respirei fundo novamente e dei um passo para passar por elas. Até que elas pararam uns instantes. Então aproveitei para passar até o banheiro. Mas, antes disso, a porta atrás de mim foi aberta. E mais daquele som horrível. Como “apoio” senti uma mão em meu braço e aquele som aumentou.

            -A gente só dormiu – disse Johnn, atrás de mim.

            -Verdade – falei me soltando da sua mão e correndo para o banheiro.

            O que aconteceu depois? Bem, eu acordei e percebi que era domingo e tinha chuva. E o Johnn? Eu o vejo de vez em nunca. Mas é mais frequente do que antes. Tive que esperar até agosto deste ano para vê-lo novamente. Os sonhos com ele não cessaram naquele dia. Alguns são muito mais constrangedores. E, quer saber? É difícil esquecer um amor não correspondido. Hoje eu cansei de tentar. Só deixo que a vida siga seu curso. Pois o que é para ser, será. Invariavelmente.

Fim!


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Decepcionados? Sim? Não? Comentem!!!