Ele estava no hospital como todo mundo. Havia entrado no meu quarto mais vezes que os outros assim como Jeniffer. Ele ficou sentado ao meu lado segurando minha mão enquanto eu fingia dormir. Eu o ouvi chorar baixinho, pela primeira vez.

Pela primeira vez eu o vi chorar.

Ele murmurava pedidos de desculpas por ter me abandonado, ele confessou que não estava chateado comigo, mas preferiu se manter longe para controlar seus sentimentos por mim que parecia cada vez mais difícil pra ele fazer isso. Ele se afastou para tentar me tirar da cabeça.

Eu não gostei disso. Agora que me lembro do sufoco que passei trancada naquele quarto sofrendo por causas das coisas que estavam acontecendo comigo, me lembro de precisar de ajuda, precisar da ajuda dele. E ele me abandonou. Eu me culpava e dizia a mim mesma que entendia porque eu havia ofendido ele, havia lhe dito coisas horríveis que me arrependia. Mas agora sei que nada do que eu disse ele havia levado a sério (o que é bom), mas se afastou de mim por querer me esquecer, pra tentar me tirar da sua cabeça. Pra tentar deixar de me amar.

Ele dizia tudo isso em um sussurro e de cabeça baixa. Eu fingia que dormia porque se eu acordasse, os médicos me dariam mais remédios para dormi. Não teve um dia dentre esses cinco dias que fiquei no hospital, que eu conseguir ficar acordada por mais de meia hora. Sempre que eu acordava me espetavam com uma agulha e eu rapidamente voltava a dormir sonhando com uma luz violeta (que agora eu sabia que eram os olhos do homem me encarando enquanto dormia).

De meia em meia hora cada um da minha família ficava no meu quarto do hospital. Eu vi até mesmo John sentado ao lado da minha cama e sorrindo pra mim quando abri os olhos. Mas logo fui sedada novamente.

Cruzei os braços.

__ Você vai me impedir? __ Ri mais uma vez sem humor algum. Uma risada seca. Uma risada de raiva. __ Eu acho que não.

Me virei para a porta e a destranquei. Sai pra varanda e sentir o ar gelado do outono em meu rosto. Coloquei o gorro na cabeça e envolvi o cachecol no meu pescoço.

Antes que eu pudesse dar mais um passo e descer os degrais da varanda, uma mão apertou meu antebraço com força e me puxou pra dentro.

Jackson me colocou para dentro e trancou a porta novamente.

__ Ai! __ Protestei. __ Me solta! Ta me machucando...

__ Eu disse que você não vai sair. __ Falou em tom baixo e frio. __ Ouviu?

Minha raiva cresceu e eu tive que piscar os olhos com força para me livrar da ardência que começou a dar. Cruzei os braços e o encarei. Ouvi o bater de pratos e copos na cozinha e sabia que Jeniffer estava lá. Jackson continuou me encarando. Eu não estava gostando nada disso.

__ Você não vai me impedir! __ Disse minha voz banhada de raiva. __ Não podem me prender pra sempre. O que passou, passou. __ Falei. __ Não sou um animal para que me deixem presa na gaiola. __ Dei um passo para ficar a centímetros de Jackson. Minha mente estava sendo ocupada pela raiva, e uma súbita vontade de jogá-lo na parede com força para machucá-lo me domou. Fique a centímetros de seu rosto, e quanto mais perto eu chegava mais meus olhos ardiam loucos para mudarem de cor. Eu podia ouvir seu coração... Bombeando sangue e batendo rápido. __ Eu vou sair. __ Falei com firmeza e com uma voz bem baixa e ameaçadora. __ Ouviu?

Levantei uma sobrancelha o desafiando.

Ele me encarou sem se deixar abalar. Ele me encarou por mais alguns longos minutos estreitando os olhos como Jeniffer fez.

__ O que ta acontecendo? __ Perguntou ele por fim.

Afastei-me dele e olhei pro chão.

__ Nada. Ta tudo normal. __ Falei. Suspirei. Eu precisava sair daqui, tinha que ir a um lugar. Agora. __ Olha, eu só vou ver as minhas amigas. __ Dei uma desculpa. __ Quero saber se elas estão bem.

Ele me estudou por uns segundos antes de destrancar a porta.

__ Eu levo você.

__ Não. __ Disse impaciente. __ Eu sei dirigir. Eu vou sozinha. __ Falei passando por ele e esbarrando em seu ombro. __ Não preciso de baba.

Andei apressada até o estábulo. Como eu já sabia, a caminhonete do vovô estava lá. Normalmente eu pediria permissão para pegá-la emprestado... Mas não dessa vez.

Peguei as chaves penduradas na porta do estábulo e verifiquei se a porta do escritório do vovô estava fechada. A luz saia por baixo da porta indicando que ele estava lá dentro.

Na ponta dos pés andei até a porta do motorista e abri-la devagar.

Alguns cavalos se agitaram e rincharam.

__ Você não passa despercebida, sabia? __ Uma voz masculina e aveludada me fez da um pulo e quase cair no chão.

Olhei para trás e vi Derek enxugando as mãos sujas em um pano branco. Ele me olhava curioso.

__ Não pedi sua opinião. __ Disse subindo na caminhonete e me sentando no banco. Coloquei as chaves. A caminhonete ligaria com um barulho do motor um pouco alto e eu sabia que vovô ouviria e viria me impedir como Jeniffer e Jackson. Eu teria que ligar o motor e tirar o carro dali bem rápido dando a ré com toda a velocidade.

__ Ta se escondendo gatinha? __ Perguntou me chamando do mesmo jeito que me chamou na primeira vez que nos vimos. Gatinha. Minhas mãos agarrarão o volante com força. Essa estranha raiva que estava dentro de mim se dava ao fato das pessoas estarem chegando perto demais de mim. Elas ficavam perto e eu me sentia presa, como se elas fossem os predadores e eu a caça, eu precisava me manter afastada deles.

A sensação de que eu o conhecia estava mais forte agora, como se estivesse confirmando de que eu já o vi sim, mas eu não lembrava.

__ Não é da sua conta. __ Disse friamente e virando a cabeça lentamente para encará-lo. __ O que você quer? Vai me dedurar?

Ele deu um sorriso travesso e andou até chegar à porta da caminhonete aberta. Sua energia era tão forte que quase perdi o ar só de sentir a intensidade. Mas ela também me dava muito medo, mais medo do que antes.

__ Eu poderia. __ Disse jogando o pano branco de lado.

Encostei-me no banco e joguei a cabeça pra trás. Meus olhos arderam com mais força e meu estomago deu voltas. Fome.

__ Pro seu bem, acho melhor não fazer isso. __ Falei. Não sabia por que e não conseguia entender, mas uma estranha sensação de que ele estava em perigo perto de mim, me fez segurar o volante com mais força. Como se eu estivesse me segurando para não atacá-lo. __ Você não quer me ver com raiva. __ Sussurrei. Eu não sabia o que estava dizendo, as palavras simplesmente saiam de minha boca sem que eu pudesse entendê-las.

__ Isso é uma ameaça? __ Seu sorriso se aumentou e ele encostou uma das mãos na caminhonete se apoiando ali. __ Isso é bem estranho vindo de você...

__ Você não me conhece! __ Disse brava.

Ele me olhou nos olhos com o rosto sério e sombrio, como se eu estivesse enganada do que dissera. Depois seu rosto ficou mais tranquilo.

__ Eu sei. Mas seus irmãos te conhecem. Justin fala de você, assim como Shofy e a pequena Bridgit. __ Ele sorriu, mas seu sorriso era forçado, sem humor, sem animo. __ Eles falam de todos na verdade, e quando falam de você sempre diz que você é doce, inocente, legal, tímida, e não machucaria uma mosca. __ Ele riu um pouco. __ Eu chamaria você de Sem Grassa. E pelo visto seus irmãos se enganaram... Ameaças, isso não parece coisa da Any doce e meiga que me contaram.

__ Não me interessa... Você não me conhece. __ Repeti entre dentes. __ Me deixe ir! __ Falei sem paciência. Eu já tava cansada disso.

Eu sentia meus olhos mudarem de cor enquanto a raiva crescia mais forte dentro de mim.

__ Claro. __ Disse ele se afastando da caminhonete com um sorriso de deboche no rosto. __ Pode ir gatinha...

__ Não me chame de gatinha. __ Disse friamente.

Ele sorriu novamente.

__ Vou abri as portas pra você. __ Ele se encaminhou para as portas duplas e grandes do estábulo e as abriu. __ De nada. __ Disse ele voltando pra perto da caminhonete. __ Ah Any, sugiro que fique longe de Meygo dessa vez. Pra sua segurança... Não vai ser nem um pouco bom pra você voltar lá. __ Ele piscou pra mim e entrou para dentro de uma das baias dos cavalos.

Liguei a caminhonete rapidamente e dei ré com toda velocidade.

Como ele pode achar que eu vou voltar lá?

Como se algum dia eu fosse ir pra lá de pura e espontânea vontade.