Sams Town escrita por Rennan Oliveira


Capítulo 8
Onde os Garotos Brancos Dançam




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/298097/chapter/8

- Que lugar é esse que você planeja me levar, Sam? – Quinn perguntou e sorria enquanto Sam a puxava pela mão.

Acabavam de sair da pensão em que estavam hospedados e o vento frio daquela noite engolfou os dois corpos que a enfrentavam. Quinn sentiu arrepios, assim como Sam, e ela pôde perceber isso justamente porque estava segurando uma das mãos do rapaz. Não era de se admirar que aquilo tivesse acontecido. Depois de uma noite tão quente – em todos os sentidos -, qualquer vento mais gelado causava certo impacto.

Quinn sorria, mas não por conta de algum desses motivos. Estava nervosa. No mesmo instante em que considerara a ideia de Sam muito boa, repensara a hipótese e de repente percebera-se a achando ridícula. Quer dizer, ela até gostava de festas à noite – Lima, apesar de ser uma cidade não muito famosa, tinha lá os seus lugares legais de frequentar quando o sol deixava o céu -, mas Sam’s Town não parecia ter qualquer galpão em que um atrativo como esse fosse possível. Sam só podia estar maluco.

- Não sei bem dizer, Q., mas tenho um amigo que sabe – ele respondeu um tempo depois. Agora caminhavam pelo chão de cascalho em uma direção que Quinn não fazia a menor ideia de onde ia dar.

- E você espera que eu fique tranquila sobre ir a um lugar que nem sei quais são os precedentes?

- E você vive uma vida de descobrir os precedentes de algo antes de conhecê-lo?

Quinn suspirou fatigada. Sam a havia vencido naquela discussão.

- Mas será que posso pelo menos saber que amigo é esse?

- Isso você pode. Eu o conheci durante o dia quando...

- Quando...?

- Quando fui a um bar bem tradicional daqui.

- Alguém anda se divertindo.

- Você devia experimentar.

Caminharam por muitos minutos, ou talvez fosse Quinn que, por estar tão apreensiva, não conseguisse ver o tempo passar. Chegaram a uma casa que parecia pertencer a mesma rua em que eles estavam ficando – o que não era uma surpresa, levando em conta a semelhança das ruas -, mas a diferença era que, em frente a ela, havia um carro, objeto que parecia ser um artigo de luxo entre os moradores de Sam’s Town. Havia uma lamparina, acesa à mão, ao lado de uma porta de madeira na sacada da casa, a única luz presente nela. Quinn imaginou que o lugar estivesse vazio, mas Sam não devia ter pensado o mesmo, porque logo correu escada acima e, nem meio segundo depois, já batia um punho fechado na porta, aguardando alguma resposta.

Quinn esfregou os braços, sentindo-se novamente arrepiada. Devia ter escolhido uma roupa mais apropriada para enfrentar uma noite fria como aquela.

- Sr. Throwman! – Sam exclamou assim que a porta se abriu.

Quinn não sabia o que esperar de um amigo que Sam pudesse ter feito naquele dia e naquela cidade, mas certamente imaginava que fosse alguém tão jovem quanto ele, alguém que fosse parecido com ele. Estava enganada, e, mais uma vez, não estava surpresa por isso. Sam agora abraçava um senhor que devia ter pelo menos mais de trinta anos do que ele e um rosto já cheio de marcas de idade. Um idoso. Sam’s Town era feita de gente como ele. Quinn devia ter previsto que o amigo de Sam era um deles também.

- Estão prontos para a farra? – o homem disse e finalmente encontrou Quinn na rua.

- Sempre prontos! – Sam respondeu.

Os dois caminharam em direção ao carro. Quinn permaneceu imóvel onde Sam a havia abandonado.

- Ah, perdão, deixe-me apresentá-lo a mulher com quem vou me casar! – Sam se apressou em dizer enquanto corria para abraçá-la. – Essa é Quinn Fabray, a mulher que eu amo.

- Sr. Throwman – disse o homem e ofereceu uma mão na direção de Quinn. Ela a agarrou e procurou sorrir tanto quanto ele, que parecia estar bem contente sobre aquela apresentação. – Uma mulher muito linda. Você é um homem sortudo, meu garoto!

- Obrigada – disse Quinn.

- Feitas as apresentações, acho que podemos ir, não? – disse Sam.

- E para onde vamos exatamente? – Quinn tornou a perguntar. Imaginava que pelo menos Throwman pudesse dar a resposta que ela procurava.

- Você não disse a ela, meu jovem? – A essa altura, o homem se voltava na direção do carro. Quando Sam puxou Quinn pela cintura, levando-a na mesma direção, foi que ela percebeu que iriam de carona para onde quer que fossem.

- Leve-nos para o lugar onde os homens brancos dançam, Sr. Throwman! – disse Sam.

E essa foi a informação mais próxima de uma dica que Quinn conseguiu ter.

~//~

O carro correu por não muitos minutos. Se houve algum atraso, foi porque havia muitos outros carros indo na mesma direção. Quinn se perguntou de onde havia surgido tanta gente, já que não se lembrava de ter visto tantas pessoas em Sam’s Town quanto naquele instante. Quando todos aqueles carros chegaram ao seu destino, pela janela, ela viu um amplo espaço de chão pedregoso onde algum tipo de festa acontecia. Teve que deixar o automóvel, na companhia de Sam e Throwman, para descobrir melhor do que aquilo se tratava.

Em frente a todos aqueles carros, havia aquele amplo espaço circular onde pessoas barulhentas circulavam aparentemente sem rumo. Havia tendas ao redor, todas cheias de gente por perto, e a iluminação vinha de algumas tochas, altas como postes, posicionadas estrategicamente aqui e ali. As pessoas eram jovens. Quinn esperava encontrar gente que nem Throwman, mas arregalou os olhos, surpresa, ao perceber tantos nativos de Sam’s Town, da mesma idade que ela, reunidos em um só lugar. Uma música tocava ao fundo, algo que envolvia sanfona e alguns tambores – uma música dançante. Concluiu que estava prestes a entrar num festival ou algo do tipo.

- Não é bem um festival... É mais uma festa, mesmo – Throwman informou.

Uma balada ao estilo de Sam’s Town, Quinn observou e sorriu. Talvez fosse divertido, no final das contas.

Assim que ela e Sam tomaram o perímetro de onde a festa acontecia, Throwman sumiu, em busca de interesses próprios. Se aquilo era alguma espécie de balada, era bem provável que ele estivesse atrás de uma mulher para beijar. Uma mulher bem mais nova que ele. Não que os jovens fossem a maioria absoluta – havia também gente de certa idade -, mas eram eles os principais responsáveis por chamar tanta atenção.

Os dois dançaram ao som da música que tocava ao fundo, mas Sam nunca foi um bom dançarino. Quinn tentava ser cautelosa, guiando-o no ritmo que julgava que fosse o certo, observando como os outros dançarinos ao redor faziam, e procurou não ousar tanto, pois isso provavelmente faria o homem tropeçar nos próprios pés. Estava se divertindo, pois não se lembrava de ter dançado tanto em outra ocasião – pelo menos não a céu aberto e numa noite tão cheia de estrelas quanto aquela. Sorria mais do que achava possível em uma comemoração numa cidade tão remota como era Sam’s Town.

Mais uma vez, aquele era Sam fazendo as escolhas certas, fazendo com que ela se sentisse feliz por estar ao seu lado.

- Quer uma bebida? – Sam perguntou depois de um beijo demorado que ele dera em Quinn. A música estava lenta, o que propiciou esse momento de tão grande ternura.

- Não sei... – ela respondeu ao olhar para as tendas. Todas pareciam ter filas intermináveis.

- Não se preocupe com filas – ele disse, como se lesse seus pensamentos. – Elas duram pouco, acredite em mim.

- Tudo bem. Já que você diz... – ela disse e voltou a beijá-lo. Sorria maliciosamente quando o deixou partir.

Não vendo mais razão para dançar, uma vez que não queria dançar sozinha, Quinn tomou um canto no lugar. Encostou-se em uma cerca onde muitas outras pessoas já estavam encostadas e passou a apenas observar o movimento, se sentindo inspirada por toda aquela comemoração. Não sabia que cidades pequenas como aquelas eram capazes de produzir uma festa tão grandiosa e interessante como aquela. Sam’s Town era, de fato, uma caixinha de surpresas.

- Você é a turista, não é? – perguntou uma voz feminina ao lado de Quinn.

Quinn virou-se para encarar quem lhe dirigia a palavra. Havia três mulheres, jovens como ela, a observá-la, então ela não soube dizer qual delas tinha dito a frase. Respondeu de forma a abranger cada uma.

- Sim, eu sou turista.

- Você e aquele homem lindo, não é? – disse a mulher mais distante. Todas elas eram muito bonitas e muito parecidas em suas formas de vestir, de se comportar e de ser, então Quinn não sabia como diferenciá-las muito bem.

- Aquele é o meu noivo – ela tornou a responder, defensiva.

- Noivo? – repetiram as três, surpresas.

- Sim, vamos nos casar em breve. Muito em breve.

As três cabeças que olhavam Quinn assentiram de maneira desconfiada. Seus olhares circulavam pelo chão como se houvesse a possibilidade de ele, em algum momento, ceder e engolir as três para o seu interior.

Quinn percebeu que havia algo mais correndo o ar e, curiosa como era, quis logo saber o que era.

- O que há de errado?

- Vocês vão se casar e ele trouxe você aqui? – a segunda mulher perguntou.

- Sim. Qual é o problema?

- Você não sabe onde estamos, não é mesmo?

- As pessoas parecem ter medo de falar. Que tal se alguma de vocês me disser?

- Esse é o lugar onde os homens brancos dançam – disse a primeira mulher.

Quinn franziu o cenho, confusa.

- E o que isso significa? Por que “lugar onde os homens brancos dançam”?

- Tem algo a ver com uma história antiga de Sam’s Town, quando os homens brancos fugiam para esse lugar e festejavam longe dos olhares dos que eram negros e que, por causa disso, não eram convidados. Não que ainda sustentemos esse preconceito, mas o nome pegou e é usado até hoje.

- Hum... Me parece que está tudo bem sobre esse lugar, então.

- Nem tanto – voltou a dizer a terceira mulher. – Essa era a região onde as mulheres, negras ou brancas, costumavam se encontrar ao anoitecer, onde podiam conversar sem serem ouvidas. Assim que esse costume foi descoberto, esses homens começaram a vir para cá como forma de assediá-las e levar alguma delas para a cama.

- O lugar ficou conhecido como o ponto onde várias relações amorosas nasciam – disse a segunda.

- É uma história linda – Quinn observou.

- Mas esse costume não mudou.

- O que vocês querem dizer com isso?

- Solteiros e solteiras ainda aparecem aqui em grande quantidade nos fins de semana, ao anoitecer, em busca de uma noitada da boa.

- Vocês não estão querendo dizer que...?

- Há uma música que eles cantam por esses lados, enquanto fazem o caminho até aqui.

A terceira mulher pigarreou antes de entoar a canção:

Take me to the place where the white boys dance

Take me to the place where they run and play

My baby is gone, you might have a chance

Just take me to the place where the white boys dance*

Quinn sentiu as narinas arderem. Ouvira o Sr. Throwman cantar a mesma canção no carro enquanto iam à festa.

- Onde está o seu noivo agora? – perguntou a primeira mulher.

- Ele foi... – Quinn olhou em volta, mas, em meio a toda aquela multidão, nunca conseguiria encontrar Sam. – Eu não sei dizer aonde ele foi.

As três mulheres deram de ombros, novamente desconfiadas.

- Se eu fosse você, ou se fosse compromissada, tiraria o meu homem daqui o mais rápido possível – disse a primeira mulher.

- Há muitas mulheres sedentas por carne fresca e estrangeira andando ao redor – disse a segunda.

- E o seu noivo não é um homem que se pode abandonar no meio delas – disse a terceira.

Quinn estancou no lugar. Quinze minutos depois, sob a desculpa de que estava passando mal e que achava melhor voltar para a casa antes que piorasse, ela e Sam novamente tomaram carona com Throwman em direção à pensão em que estavam hospedados.

Quinn não estava passando mal de verdade, mas temia que, se continuasse por mais um minuto que fosse naquele lugar, talvez passasse.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Quinn... Toma cuidado, hein? rs
---------
*Leve-me ao lugar onde os garotos brancos dançam
Leve-me ao lugar onde eles correm e brincam
Minha querida se foi, você pode ter uma chance
Apenas me leve ao lugar onde os garotos brancos dançam