Screaming escrita por caiquedelbuono


Capítulo 17
Missão suicida




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Logan não conseguia pensar em outra palavra que não fosse “estranho” para descrever aquela quinta-feira. Ele acordara repentinamente de um pesadelo e teve a sensação de que estava caindo de um precipício no exato momento em que abriu os olhos. A sensação gélida que sempre tomava conta de seu estômago já pôde ser sentida nos primeiros segundos da manhã e ele levantou da cama, bufando de insatisfação. A janela do quarto estava entreaberta e os raios douradas do sol iluminavam parcialmente o ambiente.

Tomou o primeiro susto daquele dia quando abriu a porta do banheiro e deu de cara com Ian. O rosto do garoto estava inchado, manchas roxas e grossas podiam ser vistas sob seus olhos e os lábios eram linhas finas que se tracejavam para baixo. Eles praticamente dançaram uma valsa de tantos passos para lá e para cá que deram, na tentativa desesperada de um sair da frente do outro para que Logan pudesse entrar e Ian pudesse sair. No final das contas, não trocaram uma palavra e Ian, que já estava totalmente vestido, saiu do quarto batendo bem forte com a porta.

O segundo susto do dia veio quando saiu do banheiro, depois de ter escovado os dentes, tomado uma chuveirada e substituído o pijama por uma roupa apresentável. Olhou para a parte de cima do beliche e Tommy estava dormindo completamente nu, sem nenhum edredom cobrindo suas partes desnudas. O garoto de cabelos negros estava roncando muito e virado de costas para Logan, de modo que ele conseguia ver perfeitamente seus glúteos pálidos. Logan enrubesceu instantaneamente e se perguntou se o excesso de álcool na noite anterior fizera com que ele perdesse completamente o juízo.

O resto do dia se arrastou de uma maneira irritantemente insuportável. Depois do encontro embaraçoso com Ian, não mais o vira. Achou estranho porque durante todos os períodos daquele dia Logan tinha aula com ele, e não era do costume do garoto faltar às aulas. Sophia, ao contrário, estava presente nas aulas, mas não lançou sequer um olhar para Logan. Ela parecia estar completamente sozinha, já que Helena, Tommy, Kelsey ou qualquer outra pessoa que pudesse fazer companhia a ela não tiveram as mesmas aulas que eles.

Mas o troféu de acontecimento mais estranho do dia foi entregue durante o horário de almoço. Sentado à mesa com Logan, Mel e Helena estava a última pessoa do mundo que ele pensou que veria ali: Paul. O garoto de cabelos loiros e olhos verdes que Helena tanto odiava. A garota ruiva não quis contar o motivo do aparente ódio ter desaparecido, ela apenas frisou que as coisas tinham mudado. Logan não pôde deixar de notar que ambos estavam com brilhos diferentes no olhar.

Apesar da estranheza daquele dia, tinha uma coisa que martelava na cabeça de Logan sem parar à medida que o tempo ia passando. Ia fazer uma loucura quando a noite caísse. Uma loucura que poderia custar a sua vida e ele estava tremendo de medo por dentro, coisa que não estava acontecendo com Mel. A garota manteve-se tranquila durante todo o dia e Logan a invejou muito por isso. Helena, ao contrário, mantinha-se indiferente, o que já era bastante usual.

Era por isso que os três adolescentes estavam parados em frente à porta de entrada do internato. Logan estava segurando uma lanterna completamente carregada em uma das mãos. Mel tinha cogitado a ideia de trazer para a missão suicida o lança-chamas que guardava no porão do colégio, mas Logan achou que chamaria muito a atenção, até porque o plano deles não envolvia atacar com unhas e dentes, era mais uma espionagem. Ela e Helena não estavam segurando nada, mas carregavam um olhar apreensivo. A ruiva quebrou o silêncio:

— Eu sabia que foi uma péssima ideia ter convocado Sophia para vir conosco. — ela revirou os olhos — Como ela espera combater zumbis assassinos sendo que não consegue nem ser pontual?

Fora Sophia quem achava que tinha visto zumbis andando pelo pomar duas noites atrás, então os garotos permitiram que ela os acompanhassem. Ela tinha o direito já que começara toda essa história.

— Tenha paciência — disse Mel, calmamente — A pontualidade não tem nada a ver com isso.

Logan percebeu que Helena fuzilou Mel com o olhar, mas ela ficou quieta, resmungando qualquer coisa sobre Sophia ser desleixada e preguiçosa.

O garoto olhou para a parte externa do colégio e sentiu um arrepio percorrendo a espinha. Estava um tanto quanto frio apesar de ser verão, parecia uma típica noite de outono. A brisa estava gélida e arrepiava os pelos dos braços de Logan. As luzes exteriores estavam acesas e ele conseguia enxergar o pomar, ao longe, logo atrás da grande piscina.

Voltou sua atenção para o portão e Sophia havia acabado de chegar. Os cabelos loiros estavam completamente lisos, descendo em seus ombros como se fossem uma cascata dourada. Ela tinha passado um batom vermelho na boca e rímel nos olhos, o que destacava ainda mais a palidez de sua pele. Assim como as meninas, não carregava nada nas mãos.

— Depois a fútil sou eu... — Helena resmungou, para ninguém em particular.

Sophia franziu o cenho.

— O que foi que disse?

— É sério que você passou maquiagem para espionar zumbis sanguinários? Francamente, é de se impressionar.

Sophia ia abrir a boca para responder, mas Mel deu um pigarro grosso. Seus olhos esbanjavam repreensão e ela não precisou dizer nada para que ambas as meninas se calassem — o olhar pesado foi mais do que o suficiente. Ela fez um sinal com a mão indicando que estavam prontos para partir e começaram a andar.

Mel estava à frente, liderando o pequeno grupo de pessoas. Helena estava logo atrás, com Logan e Sophia andando praticamente lado a lado. Eles se entreolharam por um mínimo segundo e a garota loira rapidamente voltou a olhar para frente. Logan suspirou. Aquele momento estaria sendo tão mais fácil se ele ainda tivesse o apoio da ex-namorada. Doía olhar para Sophia e ver aquele poço de ressentimentos no qual ela tinha se transformado. Sentia falta daquela menina dócil que sempre estava ao seu lado, que estaria naquele exato momento segurando em sua mão e lhe transmitindo toda a energia positiva que ela era capaz de encontrar.

Contornaram a piscina e finalmente chegaram ao início do gigantesco pomar. Aquela era uma área grande do internato onde qualquer árvore frutífera estava plantada, desde corriqueiros limoeiros e laranjeiras até pés de frutas que Logan jamais tinha visto na vida. A extrema quantidade de árvores fazia com que parecesse uma floresta densa.

A luz do exterior do colégio era suficiente para iluminar aquela região, mas à medida que iam adentrando por entre as árvores, tudo se tornava escuro. Tiveram sorte por naquela noite a lua cheia estar preponderante no céu e ela enviava generosos raios prateados que eram capazes de iluminar amplamente o lugar. Mesmo assim, Logan achou melhor ligar uma das lanternas, pelo menos até encontrarem algum rastro dos zumbis.

Ele lançou a luz dourada em direção ao chão e apenas encontrava folhas mortas e secas, que farfalhavam à medida que os pés dos garotos tocavam o chão. Estavam andando de fininho, tentando não fazer barulho, mas vez ou outra pisavam em um galho seco e quebrado e o barulho ecoava por entre as árvores. Mel ainda continuava a frente, abrindo caminho para os outros passarem. Ela andava com os braços meio abertos, como se fosse uma ave que levantava as asas para proteger seus filhotes.

Depois de alguns minutos andando, o desânimo preencheu o coração de Logan. Parecia não haver sinal nenhum dos zumbis, era como se eles nunca tivessem posto os pés imundos naquela região. Será que Sophia tinha se enganado? Será que a movimentação que vira não fora obra de uma brisa mais forte? Ou será que realmente tinham alunos inconsequentes naquela noite nas dependências do pomar? Podia sentir um leve alivio ao pensar naquilo, mas ao mesmo tempo um desespero muito grande tomava conta de seu interior. Queria muito pôr as mãos naquelas criaturas, acabar de uma vez por todas com o pânico que elas faziam questão de espalhar para todos os lados.

— Olhem. — sussurrou Mel e apontou para uma das folhas de um arbusto.

Logan iluminou-o com a lanterna e viu a que Mel estava se referindo. Uma das folhas estava impregnada com uma substância negra e viscosa. Sangue de zumbi. Logan percebeu que a folha parecia estar morta, como se o sangue escuro fosse capaz de retirar qualquer indício de vida.

Os garotos continuaram andando, dessa vez ainda mais devagar. Os pés pareciam mal se encostar ao chão, era quase como se estivessem flutuando. Logan olhou para Sophia e viu o nervosismo transbordando de seus olhos. Conteve o impulso de segurar em suas mãos e sussurrar que tudo ficaria bem. Ele sabia que estaria mentindo ao dizer aquilo.

Chegaram a uma parte do pomar em que a quantidade de árvores eram um pouco menor, o que permitia o surgimento de um espaço onde umas boas dez pessoas poderiam ficar sem se espremer. Era quase como uma clareira, pensou Logan, apesar de o chão não ser de terra batida, mas sim repleto com as usuais folhas mortas. Logan fungou e sentiu um cheiro podre de carnificina que fez suas narinas arderem. Naquele momento ele soube que os zumbis estavam a poucos metros de distância e Logan imediatamente desligou a lanterna. Mel esticou os braços, impedindo que os garotos continuassem avançando. Fez um sinal para recuarem alguns passos e se escondeu atrás de uma árvore. Logan, Sophia e Helena fizeram o mesmo, completamente em silêncio.

A luz da lua permitia que Logan enxergasse àquela cena com precisão. A mais ou menos dez metros de distância, quatro zumbis estavam em pé. Logan reconheceu Sheeva apenas pela mão decepada — ainda nunca tinha a visto pessoalmente. Ao lado dela estava Pierre. Logan sabia porque o zumbi, apesar de ter todas as características que incluíam a pele rasgada em cortes negros, os olhos escuros como túneis e os dentes pontiagudos, ainda mantinha a fisionomia do garoto, era quase como se ele estivesse apenas trajando uma fantasia. Entretanto, quando olhava para Sheeva, não via a fisionomia de ninguém. Ela era apenas um zumbi com rosto de zumbi, não um zumbi com rosto de uma pessoa. Também havia mais dois zumbis em pé, um do sexo masculino e outro do sexo feminino. Novamente a mesma sensação que teve ao olhar para Pierre, apesar de não conhecer aqueles rostos. Naquele espaço também havia uma árvore central de troncos grossos na qual quatro pessoas estavam amarradas por longas e robustas cordas: duas meninas que Logan nunca tinha visto na vida, um menino de cabelos negros que Logan reconheceu como Brent, o garoto que usava touca e que não tinha acreditado na existência dos zumbis quando convocaram a reunião com os estudantes no ano passado, e Ian.

Seu estômago revirou e se tivesse comido qualquer coisa antes disso teria vomitado tudo no chão. Agora entendia o sumiço de Ian durante todo aquele dia. Pensou em como deveria estar a cabeça dele, sofrendo pela rejeição de Logan e agora amarrado a uma árvore prestes a ser devorado por zumbis sanguinários. Não conseguia enxergar com precisão seus olhos, não dava para captar o que ele estava sentindo àquela distância, mas ele sabia que não era justo com Ian. Ele não conseguiu ficar quieto perante a sua indignação e sussurrou:

 — Ian está amarrado ali. Temos que salvá-lo!

Helena, Sophia e Mel aparentemente não tinham percebido que Ian estava amarrado. A garota ruiva arregalou os olhos quando notou, enquanto a garota de pele escura franziu a boca numa expressão de pavor. A única que não exprimiu nenhuma reação foi Sophia, ela pareceu até sorrir ao ver Ian naquela situação. A última coisa que ela poderia querer era salvá-lo, pensou Logan, já que ele era um dos motivos do término do relacionamento deles.

— Ouçam. — sussurrou Mel, tão baixo que Logan apenas conseguiu ver o movimento dos lábios.

Logan voltou sua atenção para os zumbis que estavam de pé e notou que Sheeva estava falando. Ela andava de um lado para o outro, com os braços atrás do corpo. Sua voz catarrenta machucou os ouvidos de Logan. Ela falava tão alto como se estivesse há quilômetros de distância de seus companheiros sanguinários. Entretanto, ele não conseguiu ouvir com precisão os sons que estavam saindo da boca dela, pareciam uivos guturais, mas soube que parecia estar explicando alguma coisa, quase como se estivesse contando para os prisioneiros como resolver equações matemáticas.

O garoto notou que a garota-zumbi que estava de pé se mantinha inquieta. Ela arreganhou os dentes e olhou para Sheeva com um olhar acusatório. Logan finalmente ouviu e a voz da criatura era tão cruel quanto à da zumbi veterana.

— Não entendo porque você os trouxe para cá. — ela sibilou — O que estamos esperando para matá-los de uma vez?

Logan percebeu os olhares aterrorizados das pessoas amarradas. Os olhos saltavam das órbitas e ele quase podia sentir o cheiro do medo exalando pelos poros da pele de todos eles.

— Você realmente não entendeu nada do que eu acabei de falar. Deve ser a recém-transformação, mexe com as células neuronais — a voz de Sheeva estava entediada — Não podemos matá-los. Eles estão aqui porque precisam ser transformados em zumbis, assim como vocês também foram. Acho que você ainda não foi esperta o suficiente para perceber que eu estou construindo um exército.

Logan podia sentir todo o rancor que havia naquela voz. Todos aqueles sentimentos ruins expelindo-se da boca podre da zumbi fizeram seus pelos do braço se eriçarem.

— Eu sei de tudo isso, não é como se você não falasse disso a cada cinco minutos — respondeu a garota zumbi, revirando os olhos negros — O que estou querendo saber é por que não os transformamos lá dentro? Por que não deixamos o caos e a destruição tomarem conta do internato como quando você e Pierre me morderam?

— Eu cometi um erro quando fiz toda aquela balbúrdia — revelou Sheeva, que tinha recomeçado a andar de um lado para o outro — Eu queria impressionar, mostrar para aqueles humanos nojentos quem é que mandava, mas acabei chamando muita atenção. Algumas pessoas lá dentro já sabem da minha existência e elas foram as responsáveis por me enfraquecer. Mas agora estou alerta e com o universo ao meu favor. — ela apontou a mão decepada para o céu — Como vocês podem ver, hoje é noite de lua cheia. Esse satélite maravilhoso tem uma enorme influência na transformação de um humano em um zumbi e quando ela está completamente cheia, permite que a transformação seja muito mais eficiente, quase que instantânea. Pretendo arrastar todos os humanos que serão transformados para cá, para fora do internato. Não quero causar mais sujeira lá dentro, tenho uma surpresinha bem mais eficiente para aqueles alunos deploráveis.

Os três zumbis que estavam de pé urraram em deleite. Logan viu que os dentes de Pierre se arreganharam, como se estivessem prontos para rasgar carne humana a qualquer instante. Não pôde deixar de se lembrar do olhar de desespero do garoto no momento de sua transformação, no quanto ele lutou para que sua humanidade não se esvaísse por completo. Agora ela via que fora tarde demais. Não havia nada humano ali.

Os zumbis começaram a avançar vagarosamente em direção às quatro pessoas amarradas. As meninas que Logan não conhecia começaram a gritar, enquanto Ian e Brent estavam mudos, pareciam paralisados pelo medo. Logan olhou para trás e fitou os olhos de Mel, perguntando silenciosamente o que deveriam fazer. Ela acenou com a cabeça, mas ele ouviu um barulho parecido com um zumbido no mesmo instante em que um besouro pousou nos cabelos de Sophia. A garota emitiu um gritinho e saiu de seu esconderijo, passando a mão pelos fios para afastá-lo, mas isso foi suficiente para chamar a atenção das criaturas repugnantes. Eles estavam a centímetros de distância dos prisioneiros quando automaticamente olharam para trás. A balbúrdia foi inevitável.

Rapidamente Logan, Helena e Mel também saíram dos esconderijos e se colocaram na frente de Sophia. O garoto notou que Helena lançou olhares repreensivos para a menina de cabelos loiros, mas ela não pareceu notar. Parecia envergonhada pelo seu erro. Os zumbis avançaram, mas Sheeva estava à frente e os impediu de atacar.

— Ora, ora, o que temos aqui? — ela olhou com desdém para os quatro adolescentes — Uma caçadorazinha de zumbis e aquele bando de crianças insolentes. Mas devo dizer que está faltando um de vocês. Onde está aquele garoto de cabelos negros? Não me diga que ele já morreu? Oh, que pena, mas confesso que seria um trabalho a menos para mim!

A raiva de Logan começou a crescer dentro dele. Sentiu o sangue ferver e correr mais rápido dentro de suas veias. Não conseguia suportar a arrogância que aquela raça maldita carregava dentro de suas palavras. Tudo que saía deles era podre e repugnante.

— Os únicos que morrerão nessa noite são você e esse seu exército ridículo. — a voz de Mel estava carregada de irritação.

Sheeva emitiu uma risada carregada de sarcasmo.

— Receio que sua última tentativa de matar não foi muito bem-sucedida. Mas não se preocupem, a morte de vocês será bem rápida, vocês nem irão sentir.

Logan não teve tempo de pensar em nada porque depois que Sheeva disse aquilo viu que ela fez um sinal com as mãos e todos os zumbis avançaram, emitindo sibilos horríveis. Sheeva foi em direção a Mel e praticamente pulou sobre ela. A menina caiu de costas e a zumbi ficou sobre ela, tentando enfiar as garras afiadas em seu peito. Ele conseguiu ver que a menina-zumbi atacou Sophia, enquanto o menino-zumbi escolheu Helena. Tentou correr para salvá-las, mas Pierre tinha enfiado as unhas em seu rosto. Logan cambaleou para trás e suas mãos se espalmaram em meio às folhas secas do chão. Ele ficou de quatro e a lanterna que segurava caiu e rolou para longe. Sentiu um chute nas costas e caiu de barriga para baixo, a dor se apoderando de seu corpo.

Olhou para cima enquanto ainda estava deitado. Agora Mel estava por cima de Sheeva e a paralisava prendendo ambos os braços contra o chão. Sophia tinha acabado de puxar os cabelos ensebados da garota-zumbi ao mesmo tempo em que ela enfiou as garras em suas bochechas rosadas. Helena estava se dando melhor, ainda não tinha nenhum arranhão em seu rosto e o menino-zumbi com o qual lutava estava agachado no chão, enquanto ela forçava o pescoço dele para frente e desferia palavrões.

Sentiu o hálito fétido de Pierre em seu pescoço e sentiu arrepios. Ele sussurrou algo em seu ouvido, mas ele não conseguiu entender. A voz estava catarrenta demais. Logan respirou fundo e tentou buscar todas as forças que existiam dentro dele. Virou o corpo rapidamente, bem a tempo de ver que Pierre ia enfiar as garras sujas em seu rosto mais uma vez. Ele rolou o corpo para o outro lado e o zumbi apenas arranhou o chão. Imediatamente, Logan se levantou e subiu sobre as costas de Pierre, segurando em seu pescoço como se ele fosse um touro que precisasse ser domado. O zumbi era tremendamente forte e levantou, fazendo com que Logan caísse e fosse arremessado para longe. Pierre correu até ele e puxou o colarinho de sua camiseta, fazendo com que ficasse em pé. Ele deu um soco em seu estômago e Logan começou a enxergar estrelas. O zumbi novamente enfiou as unhas em seu rosto. Sentiu um rastro de sangue descendo e quase pingando dentro de seus olhos. O líquido escorreu e ele sentiu o gosto metálico e salgado. Estava levantando a mão para tentar acertar um soco no zumbi, quando ele sofreu um espasmo e seus túneis infinitos se arregalaram. O aperto que fazia em seu corpo se afrouxou e ele caiu ao chão, completamente imóvel.

Sem entender nada, Logan olhou para frente e viu que Helena estava segurando uma faca prateada. Logan agradeceu mentalmente por Helena ter sido inteligente o suficiente para esconder uma faca dentro do bolso do casaco largo. A lâmina estava repleta de líquido preto e viscoso. O garoto sabia que zumbis eram imunes a cortes desse tipo, apenas ficavam desacordados até que o machucado se regenerasse sozinho, mas agora estavam em vantagem. Olhou para trás e viu que o menino-zumbi também estava caído ao chão, imóvel e esfaqueado.

Logan olhou calorosamente para a amiga e não precisou agradecer com palavras porque ela segurou firmemente em sua mão e o encorajou a seguir em frente. Ele olhou para trás e viu que Sheeva e Mel ainda duelavam, do mesmo jeito que Sophia e a menina-zumbi. A garota loira estava muito machucada, o rosto estava cheio de rotas vermelhas que se entrecruzavam a todo instante. Helena voltou para ajudá-la e enfiou a faca prateada nas costas da menina-zumbi, fazendo com que ela emitisse um ruído de horror e caísse dura no chão.

Logan correu para desamarrar as pobres pessoas que estavam presas. Ele foi correndo até Ian, que estava tremendo e chorando. Logan olhou nos olhos dele e eram um poço de tristeza. Estavam úmidos e lágrimas grossas escorriam. Lágrimas de dor. De desespero. Logan segurou em suas mãos e a apertou tão forte que Ian quase sorriu. Ele acenou com a cabeça e começou a desamarrá-lo. Por sorte, os nós não estavam assim tão apertados e ele conseguiu desatá-los. Afagou os braços que estavam frios e sussurrou em seus ouvidos:

— Fuja daqui. Corra o mais rápido que conseguir. Eu prometo que vai ficar tudo bem.

Ian rapidamente levantou o corpo e assentiu com a cabeça. Os olhos esbanjaram agradecimento, mas ele estava tão desorientado que quando começou a correr tropeçou nos próprios pés e caiu ao chão. Ele foi se arrastando por alguns centímetros, até que conseguiu levantar e acelerou o próprio corpo o mais longe que podia daquele lugar repugnante.

Logan transportou sua atenção para Brent. Ele estava tão aterrorizado como Ian, mas havia algo diferente em seus olhos. Logan notou que eles estavam quase suplicantes, como se ele quisesse dizer alguma coisa que há muito tempo estava entalada em sua garganta. Logan começou a desamarrar os nós, mas ele ouviu o garoto falando:

— Eu sinto muito. Deveria ter acreditado em vocês naquela época. Fui tão...

Logan nunca descobriu o que ele fora porque ouviu alguém gritando o seu nome e sentiu uma pancada muito forte na cabeça. Ele rapidamente caiu de costas no chão e enxergou tudo embaçado. O mundo parecia girar e ele não entendeu como não desmaiou automaticamente. Talvez fosse a vontade desesperada em salvar aquelas pessoas. Rastejou alguns centímetros para trás e, ainda deitado, ficou de barriga para o chão e olhou para entender o que tinha acontecido. Sheeva estava furiosa e mantinha-se em cima de Brent, com os dentes em seu pescoço. Ela estava mordendo e rasgando sua pele, mas parecia ao mesmo tempo estar sugando o seu sangue. Ela desceu mais e enfiou os dentes no peito do garoto, que emitiu um ruído de dor inconfundivelmente desesperador. Logan esticou as mãos para tentar ajudá-lo, mas ele não tinha forças, a cabeça estava girando e doendo.

Olhou para trás para ver o que tinha acontecido com as meninas e viu que Sophia estava caída no chão, completamente desmaiada. Helena e Mel estavam em cima dela, chacoalhando-a e gritando desesperadamente pelo seu nome. Ele rastejou até elas, enroscando-se em alguns galhos caídos que arranharam seu joelho e passando pelos corpos desacordados dos outros zumbis esfaqueados. Quando finalmente as alcançou, ele percebeu que o rosto de Sophia estava quase irreconhecível: vários hematomas roxos e inchados podiam ser visto ao lado de ambos os olhos e ao lado de sua boca. Sangue escorria em todas as direções e ela estava com os olhos fechados e os lábios contorcidos em uma expressão de completa dor.

— Ela não está... — Logan não conseguia nem completar a pergunta que povoou a sua mente. Não podia ser verdade. Não podia estar acontecendo.

Mel suspirou e sua voz estava triste. O rosto dela também estava machucado, mas não tanto quanto o de Sophia. A única que estava ilesa era Helena, apenas tinha um pequeno corte próximo à sobrancelha. Ela não segurava mais a faca, o objeto prateado estava caído em frente aos seus pés.

— Não. Ela está viva, mas seus batimentos cardíacos estão fracos. Ela está muito machucada e quando a zumbi a empurrou, ela caiu e bateu com a cabeça em uma pedra pontuda.

Naquele momento, Logan encontrou forças para se levantar e foi em direção à ex-namorada. Pensar que ela estava morta fez com que algo mudasse dentro dele. Fez com que enxergasse que não poderia viver sem ela, que essa possibilidade não existia dentro dele. Empurrou Helena para o lado e agarrou na mão frágil da menina de cabelos loiros. Conseguiu sentir sua pulsação fraca quando desceu os dedos até o pulso dela.

— Temos que levá-la para a enfermaria.

Helena olhou para trás. Sheeva estava sobre uma das meninas amarradas, que gritava desesperadamente. Brent estava desmaiado, com rasgos horripilantes em seu pescoço e em seu peito.

— Mas Sheeva...

— Não temos tempo para isso. — disse Logan, firme — Não podemos impedi-la. Não agora com Sophia tão fraca e vulnerável.

Helena e Mel se entreolharam e as meninas assentiram com a cabeça. Logan e Helena rapidamente levantaram Sophia e passaram os braços da garota desacordada sobre seus ombros. Uma última olhada para trás e Logan viu que Sheeva tinha acabado de morder a última das garotas. Ela estava banhada em sangue vermelho e ajoelhou no chão, esticando os braços como se estivesse rezando para algum tipo de divindade. Elevou a cabeça e um grito gutural saiu de sua garganta e percebeu que ela estava rindo, se deliciando em deleite, algo totalmente doentio que fez todos os pelos do corpo de Logan se arrepiarem.

Mel deu um tapinha nas costas de Logan e eles abandonaram aquele lugar insólito, mas não sem antes ouvirem Sheeva gritar que eles iriam se arrepender pelo que fizeram, tão alto que vários pássaros que dormiam tranquilamente em seus ninhos levantaram voo.

 

 

Helena não tinha conseguido dormir. Toda vez que fechava os olhos e quase adormecia aquelas imagens horrendas voltavam à sua mente e ela os abria assustada, achando que ainda estava no pomar, lutando com zumbis. O relógio do celular já marcava mais de meia-noite quando ela levantou de sua cama e decidiu dar um passeio pelo internato.

Um nó se formou em sua garganta quando pensou em Sophia. Não conseguia tirar a imagem do rosto dela cheio de feridas, todo aquele sangue jorrando de sua face que era tão delicada. Além dos machucados, a garota sofrera uma concussão quando batera a cabeça na pedra e teria que passar a noite na enfermaria. Quando ela, Logan e Mel a abandonaram, ainda estava desacordada e ela ficou morrendo de pena dos olhos tristes de Logan por ter que deixá-la sozinha. Jamais se esqueceria do pânico terrível que sentiu quando viu Sophia caída no chão, completamente inconsciente. Percebeu naquele momento que não estava sentindo ódio da amiga por tudo o que acontecera. O medo de perder alguém que se ama anula todo e qualquer sentimento ruim que possa existir dentro de você.

Uma lágrima rolou de seus olhos e ela tratou de enxugá-la rapidamente. Sophia já passara por tanta coisa e ela não iria sucumbir por causa disso. Era uma garota tão forte. Deixou de sentir tristeza para sentir raiva. Raiva de Sheeva. Raiva daqueles malditos zumbis. Raiva por estarem transformando pessoas inocentes em um poço de repugnância. Eles não tinham direito de estarem fazendo isso, era de um egoísmo tão grande, logo se percebia que não existia nenhum pingo de humanidade dentro daqueles corações negros e esfarrapados.

Helena queria ir para a sala de estar ver se alguma coisa estava passando na televisão, mas ela se conteve em um dos corredores quando ouviu sussurros. Estava tudo escuro e ela olhou para frente e viu que tinha duas pessoas ali. Escondeu-se na escuridão e prendeu a respiração para que não emitisse nenhum som. Percebeu que as duas silhuetas estavam sentadas encostadas à parede e pareciam entretidas em algum tipo agradável de conversa. Ela apurou os ouvidos para entender o que estavam sussurrando:

— Quer dizer que você acabou dormindo completamente nu? — era a voz de uma garota e Helena rapidamente a reconheceu. Kelsey. Aquela voz grossa era inconfundível. Percebeu que ela estava tentando segurar o riso.

Não precisou raciocinar para compreender que era Tommy quem estava sentado ao lado dela. Tudo se confirmou quando ouviu a voz dele:

— Pois é. — ele estava rindo — O álcool da noite passada realmente acabou comigo e eu esqueci completamente que eu divido meu dormitório com outras duas pessoas. Quando acordei, com a cabeça girando, percebi que estava nu, sem nenhum cobertor me cobrindo.

Helena poderia começar a se sentir irritada ao ver Kelsey e Tommy juntos, mas aquilo não foi o que aconteceu. Algo tinha mudado desde a sua conversa com Paul. Já tinha decidido parar de chorar pelos cantos por causa do término do namoro e ela tinha que seguir em frente. E era o que estava fazendo. Paul era um cara legal e ela estava gostando de se aproximar dele, estava lhe trazendo a paz interior que precisava. Foi por isso que ela não avançou, não começou a gritar e a xingá-los dos piores nomes possíveis. Ao invés disso, apenas ficou parada, observando-os à distância.

Percebeu que ambos estavam rindo. Não havia nenhuma luz alaranjada entre os dedos deles e não seguravam drinques alcoólicos. Pareciam apenas simples amigos conversando e aquilo acalmou o coração de Helena, que estava levemente acelerado.

— Uma vez eu já acordei completamente nua depois de uma noite de bebedeira, mas eu estava bem longe do meu quarto. — disse Kelsey, rindo tanto que ela levou a mão à barriga.

Tommy também começou a rir.

— Meu Deus! Você tem tantas histórias doidas para contar. Você realmente aproveitou a vida.

Com o comentário, Helena sentiu um pingo de tristeza na resposta de Kelsey:

— Não foi bem assim. Minha vida sempre foi tão conturbada que eu precisei fazer isso comigo mesma, sabe? Para não sucumbir à insanidade. Às vezes, você precisa aprender a esquecer. Precisa deixar para trás tudo aquilo que te fez sofrer para que possa começar a realmente aproveitar a vida.

Helena percebeu que Tommy ficou em silêncio. Ela não conseguia enxergar os olhos dele por causa da escuridão, mas enxergava nitidamente a sua silhueta. Ele mudou de posição e sentou de pernas cruzadas. Ele passou as mãos sobre as coxas e ela sabia que quando fazia isso significava que estava tentando disfarçar alguma coisa, tentando não pensar em algo que estava lhe incomodando. Ela ouviu um suspiro escapando da boca dele.

— Você ainda é apaixonado por Helena, não é? — a pergunta de Kelsey foi tão inocente e pareceu pegar Tommy de surpresa, porque ela viu que ele novamente mudou de posição, agora ficando com as costas eretas.

— Eu não sei. — ele respondeu tristemente — Às vezes acho que sim, às vezes acho que não. — ele fez uma pausa, mas logo em seguida acrescentou — Mas eu gosto de ficar com você. Você me faz esquecer.

Kelsey também parecia triste e Helena se surpreendeu. Havia tristeza dentro daquela pessoa odiosa, afinal.

— Também gosto de ficar com você. Mas não quero ser a responsável por fazer você esquecer. Não quero fazer com que se sinta triste. Você sabe que eu odeio Helena, mas se você ainda gosta dela...

Tommy a interrompeu.

— Kelsey, você não precisa fazer isso. Helena não está aqui agora. Não precisamos falar dela.

— Mas você quer falar. — ela olhou para baixo — Vejo em seus olhos.

Tommy suspirou e Helena enxergou quando ele pegou na mão dela. Uma pequena fagulha de ciúme se acendeu dentro dela. Seu coração ficou alguns milímetros menor e uma gotícula minúscula de lágrima ousou escapar de seus olhos. Ela prestou atenção.

— Helena ainda mexe comigo, não vou negar, mas ela me fez sofrer muito. Ela sequer conseguia admitir que me amava, sempre me tratava como se eu fosse inferior a ela e eu acabei percebendo que isso me deixava muito mal. Mas quando eu te conheci tudo mudou, você me libertou de toda a tristeza que eu estava sentindo, você me mostrou um mundo que Helena jamais foi capaz de me mostrar.

Ela não queria mais ouvir. Não queria mais presenciar aquela cena. Se ela realmente estava seguindo em frente, tentando outras experiências, não deveria estar ali, ouvindo conversas alheias e voltando novamente a sentir aquilo que sentia alguns dias atrás, quando não conseguia fazer outra coisa além de chorar pelos cantos. Ela concentrou seus pensamentos em Paul, pensou naqueles olhos verdes e pidões, implorando para que ela a entendesse, suplicando para que ela ficasse ao seu lado. Algo se acendeu dentro dela e percebeu que queria estar ao lado dele e não ao lado de Tommy e Kelsey. Tommy tinha o direito de ser feliz com outra pessoa, assim como ela também tinha...

Quando ela começou a virar o corpo, percebeu que Kelsey tinha acabado de dizer algo que não ouvira e que eles se aproximaram em um beijo suave. Foi mais um selinho, como se eles não fossem nadas além de amigos. Talvez fosse isso. Talvez tudo aquilo que eles tinham não passasse de uma amizade com certos interesses. Uma amizade colorida.

Algo mudara naquela noite. Helena viu coisas que ela jamais pensou que poderia ter visto, mas o que mais a assustou foi o fato de seu ódio por Kelsey ter diminuído um pouco. Estava enganada ao pensar que ela era um poço de rancor e sentimentos ruins. Ela era capaz de amar e Helena enxergou que a garota estava começando a sentir amor por Tommy. E todos mereciam amar, até mesmo Kelsey. Não soube exatamente o porquê, mas ela voltou para o dormitório sorrindo e pela primeira vez em muito tempo ela estava em paz.


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