Contos Mirabolescos escrita por Phill Emmanuel


Capítulo 1
Post Scriptum


Notas iniciais do capítulo

Quis escrever algo de início que buscasse uma visão profunda de alguém que já viu muito da vida...



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Sento diante de minha antiga escrivaninha e paro para pensar. Talvez esta seja a última vez que eu escreva para meus adoráveis leitores; e, pela primeira vez, não sei o que pôr no papel. Pelo menos, não sei o que pôr primeiro, pois, naqueles meus últimos dias, milhões de coisas têm passado pela minha cabeça, desordenadamente, em um turbilhão de pensamentos confusos, desfocados, deprimentes, frios.

Rabisco um título, mas o apago logo depois. Era pouco conciso. E coisas pouco concisas foram o que mais aconteceram durante toda minha vida...

Passo as mãos delicadamente pela mesa rústica, cheia de farpas e marcas de bebida. Lembrei-me dos muitos dias em que adormeci ali, enquanto escrevia algum romance clichê. Lembrei-me de quando minha filha derrubou uma xícara de café em cima de meu mais novo livro e eu a esbofeteei, com raiva. Lembrei-me também da vez em que possui nossa empregada gostosa sobre esta mesma mesa, enquanto meus filhos brincavam no jardim e minha esposa fazia as compras. Lembrei-me, porém, de que fora justamente ali que minha mulher dera o troco, transando com nosso vizinho, em cima de meus originais e meus livros já publicados.

Mas isso já não me perturbava. Todos haviam tido seu fim. Exceto eu...

Olhei para minhas mãos calejadas, após tantos anos escrevendo compulsivamente para me manter na carreira, e me dei conta de que foram essas mesmas mãos que trouxeram minha infelicidade... Mãos benditas ou amaldiçoadas? Não sei... Mas foram elas que esmurraram o marido de minha filha quando ele quis dar uma de arrogante para cima de mim. Foram elas que estapearam minha segunda mulher quando ela me deixou por um cara mais novo. E foram elas que me fizeram perder tudo o que eu conquistara,em um maldito jogo de cartas...

Sobraram-me as ideias e a mesa antiquada. Ninguém quis compra-la... Ainda bem, visto que ultimamente tem sido minha melhor amiga... A família se foi, os amigos já morreram, e a memória teima em pouco registrar, e em muito apagar.

Os mesmos olhos, que desejaram inúmeras mulheres, já não veem mais perfeitamente. Minha cabeça, outrora brilhante, já não produz nenhum best seller. E a virilidade, que tanto desvirginou meninas – mesmo enquanto eu era casado –, já não se ergue mais. O que sobrou de mim foram apenas sombras e lembranças difusas.

Percebo de repente que não preciso mais escrever nada. Pois, enquanto rabiscava estes pensamentos, inconscientemente, redigira uma carta. Uma carta de despedida... Levanto-me então, dou um último afago em minha querida escrivaninha, e pego a arma calibre 32 que herdara de meu avô, e que felizmente não vendera.

Agora, a mão que me dera tudo precisava encerrar seu destino, e tirar o pouco e miserável resto que sobrara de mim.


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