O Outro Lado Da Lua escrita por Marie Caroline


Capítulo 42
Verdade




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Eu não sabia onde estava. Eu apenas caminhava tentando enxergar em meio à névoa branca. Não era frio nem quente. Só o nada. E apesar disso não senti medo. No fundo eu sabia que tinha um propósito aqui. Era só continuar caminhando que eu o encontraria.

De repente encontrei uma janela. Ela não parecia estar fixada em algo específico como uma parede. Ela apenas existia ali, no meio do nada, desafiando as leis da física. Havia uma cortina fina e branca que esvoaçava em torno dela.

Estiquei a mão e abri a cortina para saber o que havia do outro lado. Quando a abri uma série de imagens apareceram, como se fosse uma TV. Eram lembranças da minha infância e adolescência. Vi minha família numa festa de aniversário que há muito esquecera, vi meu primeiro dia de aula, o dia em que conheci Ariane e Bernardo... Vi também todas as confusões que eu arranjara com Bernardo. As fugas de casa. A gente roubando o carro do pai dele...

As imagens continuaram até num ponto onde eu não reconhecia o que estava acontecendo. Eu não lembrava de ter caminhado numa floresta escura... Instintivamente toquei as imagens com a ponta dos dedos e me assustei quando elas me puxaram para dentro. Eu caí, caí por um tempo interminável, sem nunca atingir o chão... Eu continuava a ver as lembranças da minha vida, só que dessa vez não era como uma TV. Eu via tudo como se estivesse realmente lá, só que de outra perspectiva.

Eu via a mim mesma caindo num buraco e gritando.

Mais um rodopio e o cenário mudou.

-Encontrei a garota na floresta – Leah dizia – E ela me viu... Bem, ela me viu transformada.

Rodopio.

-Oi, eu sou Seth. – um garoto sorridente me cumprimentava. – Você conheceu minha irmã.

-Ah, prazer Seth. – eu estendia a mão sorrindo também.

Rodopio.

Eu estava na praia e via Jacob Black se aproximando de mim. Nós trocávamos algumas palavras e de repente eu saía de perto dele parecendo magoada.

A lembrança girou, dando lugar a mais outras. Quando uma acabava a outra a sucedia no mesmo instante.

Eu via a mim mesma sentada num balanço com Jacob ao meu lado... Seth, Jacob e eu jogando bola na praia... Carlisle Cullen fazendo um curativo em minha testa... Jacob e eu em sua garagem... Uma história antiga sobre uma garota chamada Soyala...

Agora as imagens se misturavam de um modo confuso, porém eu entendia o significado de cada uma delas. Todas envolviam Jacob. Brincadeiras; risadas; conversas; brigas; lágrimas... E a última foi a mais dolorosa.

Eu me soltava do abraço apertado dele e dizia:

-Adeus, Jacob.

Borrões verdes passavam por mim. Um túnel de árvores se estendia à minha frente e eu corria para o final dele. Para o final de tudo. O precipício se estendeu abaixo de mim e a última sensação que me ocorreu foi a água invadindo meus pulmões impiedosamente.

Abri os olhos. Eu não enxergava muito bem, mas parecia que alguém estava me olhando fixamente.

-Jacob... – sussurrei.

-O que você disse? Quer saber deixar pra lá...

Eu não tinha muita ciência de onde estava, mas sentia um chacoalhar e ouvia uma sirene estridente ao fundo. Eu sabia que havia sofrido um acidente, que o carro capotara e que não sabia se Ariane e Kevin estavam bem. Porém nada disso teve tanta importância quando a verdade finalmente surgira. A verdade que estava espreitando à minha volta esse tempo todo. Ela era impossível e insana, mas sentia sua veracidade em cada pedaço do meu ser.

Eu lembrava de tudo.

De tudo o que passei a partir do momento que caí no buraco atrás daquele brilho estranho. De tudo que realmente importava, das minhas origens, do meu lugar. Eu lembrava de Jacob Black.

E o pior de tudo é que com a verdade também veio a dor. Os cantos de meus olhos arderam quando as lágrimas caíram e escorreram pelos meus cabelos. Eu ofegava e tentava respirar através do pânico, uma dor cruciante atingiu meu peito.

-Ela está com falta de ar! – uma voz masculina gritou. Dedos frios checavam a pulsação em meu pescoço.

-Ela está bem fisicamente. Deve ser pânico, vamos sedá-la no hospital. – disse uma mulher.

-Agatha, você vai ficar bem. Acalma-se... – a voz masculina tentava me acalmar. Tentei focalizar quem havia dito aquilo. Era Bernardo. Perguntei-me o que ele fazia aqui. Depois me perguntei se a resposta realmente importava.

O chacoalhar cessou e rapidamente fui carregada numa maca. O negror da noite foi substituído pelas luzes fortes do hospital quando me carregaram para dentro. Via os rostos das pessoas de relance ao passarmos rapidamente pelos corredores. Eles me levaram até um quarto e uma enfermeira começou a cortar minha calça. Senti uma pontada dolorosa e aguda em minha perna esquerda.

-Podem sedá-la. – ela disse. Eu não queria apagar, não agora com tantas coisas importantes para pensar. Comecei a me mexer nervosamente. – Pare! Está tudo bem, você está no hospital!

Finalmente consegui achar minha voz.

-Me deixa em paz, eu quero ir embora!

-Anda, dê um sedativo a ela! – ela gritou a alguém. A próxima coisa que senti foi uma pequena picada seguida de uma sonolência terrível. Tentei manter meus os olhos abertos em vão enquanto o líquido se espalhava pelas minhas veias.

Acordei ofegando. Olhei para os lados, apavorada. Não havia ninguém no quarto escuro.

Minha perna doía muito, tirei o lençol e vi um curativo com bandagens. Resolvi checar o resto dos estragos; havia um curativo em minha testa e minha mão estava enfaixada. Não parecia haver nada quebrado.

Girei minhas pernas para fora da cama, tentei apoiar o peso somente na perna direita.

-O que você está fazendo? – minha mãe entrou no quarto gritando. – Volte para a cama! – ela me empurrou para a cama novamente. – Você está bem? Eu nem acredito que se envolveu em outro acidente! Vou trancá-la em casa a partir de agora, entendeu? – ela tagarelava cada vez mais alto, tapei os ouvidos tentando abafar sua voz aguda. – Chega de dar sustos, ouviu?

-Mãe, para com isso. Eu estou bem. Onde estão Ariane e Kevin? Eles estão bem? – alteei a voz.

-Sim. Eles estão bem. – ela se acalmou e sentou-se na cama aos meus pés. – Não tiveram muitos ferimentos, assim como você. Já foram liberados, mas eles ficaram para ver como você estava.

Suspirei aliviada. Achei que algo pior havia acontecido com eles.

-Espere aí, então eu vou ser liberada também? – eu já estava ansiosa para sair daqui. Precisava pensar a respeito do que lembrara...

-Não, não vai. – ela respondeu séria.

-Mas, eu tive ferimentos leves. – protestei.

-É só que você bateu a cabeça e isso não é nada bom para quem acabou de sofrer um trauma.

-Talvez esse acidente tenha sido o melhor remédio. – soltei sem pensar.

-Do que está falando? – sua voz subiu duas oitavas.

-Nada, mãe. – disse impaciente. – Olhe, eu estou bem. Pode chamar o médico que ele mesmo vai dizer isso. – eu tinha certeza de que estava bem. Bom, fisicamente pelo menos.

Antes que ela pudesse responder alguém bateu à porta.

-Pode entrar. – ela disse. Bernardo atravessou o quarto sorrindo para mim. Olhei para mamãe esperando ver sua reação típica ao meu ex namorado e ela sorriu também! Que droga é essa? Eu devo ter mesmo batido a cabeça!

-Posso conversar com ela? – ele pediu com a voz macia.

-Claro que sim. – ela disse. – Vou dizer ao seu pai que você acordou. – ela piscou o olho e saiu do quarto com um sorriso no rosto me deixando completamente aturdida. Olhei furtivamente para Bernardo.

-O que foi que você fez?

Ele sorriu presunçosamente sentando-se numa poltrona ao lado da cama.

-Ninguém consegue ficar bravo comigo por muito tempo. Você está bem? – ele perguntou mais seriamente. – Me deu um grande susto. Quando eu vi o carro de vocês capotando, achei que o pior pudesse ter acontecido. Ainda bem que...

-Espere aí. – interrompi-o. – Você viu o carro capotar?

-Claro. Fui eu quem tirou vocês do carro.

Fiquei muda por um momento, tentando absorver os fatos.

-Então... Você viu por que capotamos? – eu não sabia o que havia acontecido, só lembrava de Ariane gritando e no segundo seguinte estávamos rolando pela estrada.

-Vi. – seu olhar se perdeu na lembrança. – Foi meio estranho. Um caminhão apareceu do nada fazendo o carro desviar de mau jeito. Corri que nem um louco para chegar até onde o carro havia parado. – ele me analisou com os olhos em brasa. – Você devia ter vindo comigo.

-Isso não muda nada. – discordei. – Kevin e Ariane teriam sofrido o acidente de qualquer jeito.

-É, mas você não! Agatha você sofreu um trauma sério há menos de um mês, se tiver mais alguma complicação...

-Eu agradeço a sua preocupação, mas estou bem.  – eu ficava repetindo isso para os outros, mas sabia que teria de enfrentar a situação em breve. E era algo que estava além da minha capacidade. – E agradeço por nos tirar do carro. – disse sinceramente. – Eu te devo não só por mim, mas também pelos meus amigos. Obrigada.

Ele sorriu e se aproximou de mim, dando-me um beijo na testa.

-Eu faria tudo por você. – ele sussurrou.

***

O médico acabou me liberando pela manhã. Ariane e Kevin foram me ver quando saí. Kevin não parou de se desculpar por ter perdido o controle no volante. Eu disse que nada daquilo tinha sido sua culpa e foi preciso algum tempo para convencê-lo disso.

Como previ, não demorou muito para eu ser obrigada a pensar nos últimos fatos que me foram apresentados. Eles me engolfaram assim que toda a confusão havia passado.

Ao chegar a casa, fui direto para meu quarto pegar o meu – não tão fictício – livro da Saga Crepúsculo. Ao abri-lo, uma corrente de ar bateu a janela com força me dando um susto.

-Isso foi estranho... – sussurrei olhando a janela fixamente. Recuperei-me do susto e abri o livro novamente e li a passagem de Edna St. Vincent Millay. Aquele era o livro de Bella, portanto não havia nada ali de que eu pudesse ter vivenciado.

Vivenciado. Eu devia estar louca... Pulei para o livro de Jacob.

No entanto, para dizer a verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos.

William Shakespeare,

Sonho de Uma Noite de Verão: Ato III, Cena I.

Não podia deixar de concordar com Shakespeare.

Pulei algumas páginas e lá estava... Quil e Claire brincando na praia; ela puxava seus cabelos... Eu definitivamente estive lá.

Folheei as páginas febrilmente. Parei na parte em que Jacob acorda e vê Seth tomando café com os Cullen. Fechei os olhos e a lembrança veio leve como uma pluma. Bella imensa de grávida; a dor no rosto de Edward; a dor no rosto de Jacob...

Deixei o livro cair com um baque surdo. Sentei no chão tentando respirar. Eu não sabia o que pensar, nem o que sentir... Eu nem poderia usar a loucura como desculpa, por que eu tinha certeza que aquilo era real... Ou talvez todos os loucos tivessem plena certeza de suas próprias ilusões...

O choro desafinado escapou da minha garganta. Como eu poderia conviver com isso agora? Eu havia o deixado, e me pareceu a decisão certa, mas agora... tudo havia ido embora. Eu perdera minha uma única chance de felicidade.

E eu não poderia voltar atrás.


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