Prostituta Do Governo escrita por Leticia, Lari Rezende


Capítulo 40
Pendências do passado


Notas iniciais do capítulo

Com esse capítulo eu quito minha divida por atraso com vocês.
Gente agora sim está chegando na reta final da história. Acho que em mais ou menos uma semana eu acabo de postar tudo!
Boa leitura :3



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Chovia consecutivamente por dois dias. Todas as ruas estavam alagadas, o nosso pequeno quintal parecia uma piscina e todo aquele cheiro de cachorro molhado me enjoava.
Eu estava sentada no sofá de pano marrom da minha antiga casa tomando uma xícara de chá de morango.
Sabrina estava sentada no sofá a minha frente, Giovane ao meu lado e Silvana estava escorada na parede com uma xícara de café com leite nas mãos.
A sala da minha casa continuava praticamente a mesma. Percorri meus olhos pela estante e notei que a foto em que eu tinha me rasgado estava remendada com fita adesiva. Pensei em fazer algum comentário, porem qualquer palavra que trouxesse a tona o sofrimento de meu pai novamente me machucava.
–O que pretende fazer? – perguntou Sabrina.
Ela usava uma calça jeans preta e uma camisa branca. Seus cabelos louros estavam mais curtos desde a última vez que eu a havia visto. Ela estava mais gorda e o sorriso que sempre estampava seu rosto era triste e borrado.
Tomei mais um gole do meu chá, que não tinha um gosto dos melhores, e respondi.
–Vou voltar para Canoá, mas pretendo ir para Porto Alegre.
Ela me olhava pensativa.
–Era para lá que você deveria ter ido desde o inicio de toda essa historia.
Assenti. Ela de certa forma tinha razão, mas eu não ia discutir a essa altura.
–Porque você não fica? – perguntou uma voz vinda do meu lado.
Olhei para Giovane ainda abatido com a morte do papai.
–Não posso – respondi carinhosamente para ele – eu tenho alguns afazeres.
Giovane. A ideia de deixá-lo de novo me partia o coração.
Olhei para Sabrina e ela respondeu como se lesse meus pensamentos.
–Tudo bem – disse ela com sua voz aguda e estridente – ele ficará bem aqui com a gente.
Silvana que estava calada o tempo todo tomo parte na conversa.
–Quando você pretende ir embora? – perguntou ela.

Terminei meu chá e fitei seus olhos que mais pareciam lentes de contato.
–Hoje – respondi – assim que a chuva passar pretendo ir para a rodoviária.
Ela pareceu sorrir.
Silvana estava diferente. Não parecia mais a Barbie chata e fútil de três anos atrás. Bem ao contrario, ela estava com um físico diferente e com uma maturidade assustadora.
Usava um jeans justo e uma blusa rosa de babados discretos. Seus cabelos estavam na altura do pescoço e o sapato de salto médio que usava era extremamente elegante.
Fiquei pensando nela e em Ricardo, nas noites quentes e os dois olhando as estrelas aos beijos do mesmo jeito que ele e eu fazíamos quando mais jovens. Pensei nos dois na cama entrelaçados em cima de lençóis brancos com os corpos nus em chamas.
Controlei minha raiva e desviei meus pensamentos.
O resto daquela tarde passou de vagar.
Era absolutamente estranho estar de volta a um lugar tão familiar e ao mesmo tempo tão distante. Era como acordar de um sonho e descobrir que era um pesadelo. Cada parte daquela casa me mostrava uma cena do passado ou uma lembrança de meu pai.
Passei a maior parte do tempo na área de serviço da casa, olhando a chuva inundar o pátio enquanto os cigarros da minha carteira sumiam lentamente um a um.
Tomei um banho e aproveitei o momento para derrubar um milhão de lagrimas que se misturavam com as gotas de água que caiam do chuveiro, escorriam pelo meu corpo, caiam ao chão e deslizavam para o ralo. Era exatamente daquele jeito que eu me sentia, escorrendo pelo ralo.
Minha mala não havia sido desfeita e talvez por misericórdia da minha alma, Sabrina resolveu me levar até a rodoviária de carro.
Despedi-me de Giovane. Não preciso descrever o quanto aquilo foi difícil para mim.
Ela pegou um gol azul escuro de quatro portas emprestado do vizinho, já que o que ela usava era o carro em que meu pai havia sofrido o acidente e que se encontrava na oficina mecânica em reforma.
Os pingos que batiam no vidro do carro eram fortes.

Enquanto seguíamos pelas ruas alagadas Sabrina quebrou o silencio que existia entre nós desde o momento em que eu havia levantado do sofá dela e colocado a xícara na pia.
–Jessica – disse ela – me responde uma coisa?
Fiquei em silencio aguardando a pergunta dela.
–O que você fazia para sobreviver? – ela não tirava os olhos da pista molhada – Na carta que você deixou antes de partir falava sobre algo como prostituta do governo.
Respirei fundo.
–Eu era prostituta lá – respondi passando a mão pelo vidro embaçado ao meu lado.
Sua expressão era de desaprovação.
–Porque fez isso? – perguntou ela – Porque largou a sua vida aqui para virar uma...
Ela não completou a frase.
–Eu não me encaixava na família de vocês – respondi – naquele tempo vocês não percebiam, mas minha vida estava absolutamente insuportável. Tão insuportável que eu decidi tomar raticida para dar um fim a ela.
Sabrina dirigia devagar por causa da chuva.
–Eu cresci – continuei falando – minha mente cresceu lentamente e só agora eu posso perceber isso – fiz uma pausa e mordi o lábio – eu aprendi que na vida todos nós somos prostitutas de um governo.
Sabrina estava confusa.
–Talvez você não saiba – continuei – mas quando se é uma prostituta e quando você esta em um programa com um homem, você é obrigada a fazer tudo o que ele pedir, ele é seu governo ali naquele momento. E isso se repete na vida, existem diverso governos, o amor, o ódio, a dor, a alegria, a misericórdia, a caridade...
–O que quer dizer? – perguntou Sabrina.
–Quando você ama – respondi – você faz tudo por esse amor. Quando você odeia você alimenta o ódio de diversas maneiras, tramando contra alguém ou quebrando qualquer coisa que vem a sua frente. Você faz isso porque é dominado por esse governo, se tornando assim uma prostituta desse governo. Se o amor te domina é porque ele te governa, se ele te governa você faz tudo pelos impulsos do amor, se você é impulsiva por ele, logo se torna uma prostituta do governo. Uma prostituta do amor.

Sabrina parecia pensativa.
–Faz sentido – respondeu ela.
Paramos em frente à rodoviária.
–Chegamos – disse ela.
Um nó se formava em minha garganta.
–Obrigada – respondi olhando em seus olhos – obrigada por tudo que você fez por mim nesses três anos em que eu estive ausente.
–Mas eu não fiz nada – indagou ela.
Sorri.
–Você sabe que fez.
Peguei a mala que estava aos meus pés e abri a porta do carro.
Corri da chuva e atravessei o saguão.
Quando olhei pra trás o carro já estava em movimento.
Respirei fundo.
A pequena rodoviária estava vazia.
E de certo modo eu também me sentia vazia. Vazia, porem feliz por ter resolvido algumas pendências do passado.
Respirei fundo.
Era hora de voltar a ser uma prostituta de um novo governo: o recomeço.


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Notas finais do capítulo

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