Perigosa União escrita por Izu Chan


Capítulo 2
Capítulo 2 - Atropelada


Notas iniciais do capítulo

Reescrito



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Saí pela rua em disparada e quando faltavam duas quadras para a loja de perfumes em que trabalhava diminuí a velocidade. Entrei numa loja de cafés e pedi um café expresso, já estava atrasada mesmo, ao menos chegaria ao trabalho com alguma coisa no estômago. Comi uns bolinhos com o café, mas o gosto era horrível e caiu com um baque no fundo do estômago, ou talvez fosse apenas por eu estar enojada demais de mim mesma para conseguir comer.

Quando terminei de comer, recompus-me emocionalmente. Logo aquela tortura ia acabar e eu poderia estar com minha irmã. Tentei imaginar como ela estaria agora após quase 8 anos, provavelmente ela seria uma réplica em miniatura da minha mãe. Sorri com tristeza ao lembrar-me dela, não passava de uma bebê quando havia vindo para os EUA. Mal entrei na loja, quando ouvi me chamarem. Will normalmente tinha um sorriso bonito e alegre, mas seu rosto estava extremamente sério quando ela pediu que eu a acompanhasse até a sua sala

-Izayoi, você tem se atrasado demais esse ano e quando chega não se justifica. Olha apesar de sermos muito amigas e de você ser uma das minhas melhores vendedoras eu estou sendo pressionada quanto à questão do horário. Realmente sinto muito, mas terei de demiti-la.

Como se já não fosse problema suficiente os que eu tinha quando saía à noite, ainda tinha isso. Mantive a expressão neutra quando levantei

-Entendo. – ela me fez assinar uma carta para confirmar minha demissão e disse que eu poderia pegar meu dinheiro no outro dia

Saio da loja pelos fundos, como de costume, e não pude deixar de evitar um suspiro cansado. Teria trabalho demais para explicar isso a Takemaru. Movia-me pelas ruas sem saber exatamente para onde ia ou no que pensar, até que ao ver um banco de madeira não muito distante, sento-me. Eu estava numa praça, não muito movimentada devido ao horário, as folhas amareladas cobriam todo o espaço que lhes era disponível quando arrastadas pelo vento enquanto um homem tentava agrupá-las num monte.

Talvez por algum motivo irônico e completamente desconhecido, havia uma pequena igreja do outro lado da rua após atravessar a praça. Havia alguns moradores de rua nos poucos degraus pedindo dinheiro as pessoas que passavam sem os notar; pensei ter visto um coroinha andar de um lado a outra da igreja, talvez limpando alguma coisa. Não pude evitar que algumas lágrimas caíssem ao olhar para a diminuta igreja entre os prédios. Há muito sentia-me sem motivo para continuar em frente, exceto talvez a minha irmã, e creio que se não fosse por ela teria cometido suicídio. Por piores que fossem essas pessoas, ainda eram vidas e completamente contra meus princípios eu as matava

A sensação de podridão intensificou-se em 10 enquanto eu chorava silenciosamente. Tudo que eu queria no momento era deixar estes olhos eternamente fechados enquanto era deixada num buraco de terra. Encolho-me ao sentir uma brisa gelada de outono atingir-me em cheio abraçando a mim mesma numa tentativa de espantar o frio; a blusa era de um tecido confortável, mas não era útil com climas frios. Uma mão pequena toca meu rosto e ao abrir os olhos, vejo um garotinho. Ele não devia ter mais que 2 anos, tinha cabelos claríssimos e olhos lindamente dourados, parecia até uma visão de um anjo em miniatura

-Você se machucou? – pergunta com sua vozinha infantil

-Sim, me machuquei muito anjinho – ele estende os braços pra mim e antes que percebesse, já estava com ele no colo

-Você não devia chorar. Daqui a pouco vai passar

-Nunca vai passar – respondo triste deixando mais lágrimas caírem

-Sesshoumaru! – chama uma voz não muito longe e um homem corre em minha direção. O menino, Sesshoumaru, estende os braços e ele o abraça – Você não devia estar incomodando essa moça - ele censura o menino que fez um biquinho

-Ela estava chorando. – quase imediatamente passo a mão pelo rosto para tirar o vestígio das lágrimas – Ela caiu também, ela tá machucada. Tá doendo? – pergunta ele olhando novamente para mim

-Não, estou bem, obrigado. – só então havia notado que o homem que eu vira juntar as folhas teimosamente levadas pelo vento era ele; também possuía cabelos claros, branco-prateados, e longos presos em um rabo de cavalo, os olhos eram de um dourado mais profundo que o do garoto

-Sinto muito ele ter incomodado você – fala dirigindo-se a mim, sua voz tinha uma suavidade fora do comum

-Não tem problema

-E você moço, dá próxima vez que se esconder debaixo das folhas não saia antes de eu lhe achar

-Descupa – ele encosta a cabeça na curva do pescoço do homem

-Vamos pra casa antes que eu perca você de vista novamente. – ele vira-se pra mim novamente e dá um sorriso mínimo – Tchau. – retribuo com um sorriso leve, ele vira-se e começa a andar na direção de um dos prédios

-Xau – fala o menino acenando a mãozinha enquanto olhava pra mim ainda preocupado

Fiquei por lá durante muito tempo, apenas notei o quanto era tarde quando o céu mudou de um azul-cinzento para um rosa-perolado. Levantei-me e comecei a caminhar, sem realmente pensar no que fazia, levantando os olhos para ver se eu estava realmente no caminho correto uma vez ou outra. Faltavam 3 quadras para chegar ao apartamento, eu atravessava a rua quando um barulho alto de pneus bruscamente parados cortou o ar. O metal choca-se contra a lateral do meu corpo, o que me faz ter uma queda extremamente dolorosa no asfalto, deito de costas no mesmo e respiro aos arquejos

-Ai minha nossa! Você está bem? – pergunta uma voz, não era possível ver quem estava vindo a meu auxílio devido aos faróis ligados

-É claro que não estou bem! Você me atropelou! – grito histérica e ele se posta a meu lado tapando a claridade dos faróis; finalmente podia ver seu rosto e a surpresa transparece completamente tanto em meu rosto quanto em minha voz – Você! – era o homem que eu havia visto no parque com o garotinho

-Está machucada? – havia uma preocupação em sua voz que seria comovente se eu não estivesse com tanta raiva

-Machucada! Eu fui atropelada! Como espera que eu esteja bem?!

-Não grite sua histérica! Minha audição é perfeitamente saudável – ele tinha a testa ligeiramente franzida

-Parece que é o único sentido que está num estado aceitável! – tento sentar-me, mas uma dor atinge meu braço direito – Ai – deixo escapar um gemido quando toca meu pulso, sem o mínimo de esforço ele segura-me nos braços e levanta-se; o pânico atinge no fundo do meu estômago fazendo lembranças terríveis aflorarem – Para onde está me levando? – parecia que minha voz estava morta, o volume diminuía aos poucos até não passar de um sussurro

-Para o hospital é claro, aonde mais?

-Eu não quero ir para o hospital – ele me instalou no banco do carona e prendeu o cinto ao redor da minha cintura

-Então sinto muito, mas você vai para um. No mínimo seu pulso está deslocado – ele dá a volta no carro e ocupa o assento do motorista, o carro deu um ronco suave quando ele o liga

Era completamente absurdo andar pelas ruas a quase 120 km/h especialmente em Nova York e àquela hora, mas parecia que os carros se abriam para dar passagem ao carro desse estranho. Não demorou mais que 8 minutos para chegar ao hospital. Ele parecia preocupado durante o caminho e só então aquilo me afetou, o rosto levemente franzido de concentração não combinava com o rosto angelical e despreocupado que eu vira mais cedo. Ele parou em frente à emergência e saiu do carro com tamanha velocidade que mal tive tempo de piscar quando ele abriu a porta ao meu lado, em outros segundos ele tirou o cinto e me segurou nos braços, não havia notado talvez pela raiva ou pelo pânico, mas ele tinha um cheiro gostoso

Uma das enfermeiras apareceu para perguntar o ocorrido e quase sem parar pra pensar ele respondeu tranquilamente que havia me atropelado e achava que eu havia machucado o braço com a queda. Ela saiu para chamar uma médica que me examinaria, o silêncio que se abateu sobre nós foi constrangedor, mas eu não pensava nele ou em sua culpa. Olhava fixamente o relógio que marcava 18h, era tarde demais para uma fuga fenomenal; Takemaru já teria chegado e não adiantaria em nada sair agora

-Está apenas com o pulso dolorido pela queda – fala a médica após examinar-me – Não quebrou nada, um pouco de gelo e descanso por algumas horas e você vai estar novinha em folha – ela sorri levemente – Mas quer que eu ponha algumas ataduras por garantia?

-Seria bom. Sempre ouvi falar que havia alguns loucos dirigindo perigosamente, mas não achei que tão cedo – olho para ele, acomodado numa cadeira ao lado do catre, deixando transparecer toda a raiva, mas ele apenas sorriu o sorriso mais lindo do mundo e voltou a atenção a alguns papéis

-Ficaria surpresa com a quantidade de acidentes que ocorre a essa hora no trânsito – comenta enquanto colocava atadura do pulso até o polegar; estava dolorido, mas era apenas por que eu havia deixado a mão fechada em punho e ela tinha que ficar estendida – Prontinho, se deixar a mão quietinha amanhã nem lembrará que sofreu um acidente

-Por que ainda está aqui? – pergunto quando a médica foi examinar um homem que havia acabado de chegar

-Devo garantir que você não acabe machucada por, como disse mesmo? Ah, sim. Por loucos que dirigem perigosamente... Você devia ter olhado para os lados antes de atravessar – comenta com tranquilidade

-Não vou ser atropelado novamente, acho que você é o único que dirige dessa maneira então estarei segura enquanto você estiver bem longe e eu olhei para os lados sim – era uma mentira, mas ele não precisava saber disso para dizer que a culpa do atropelamento foi minha e não de sua direção perigosa

-Vamos – ele levanta-se e ficando frente a mim, ao levantar senti minha perna fraquejar, mas antes que pudesse me segurar ele tinha um dos braços ao meu redor – Sua perna ainda dói?

-Não – menti novamente, mas dessa vez ele não acreditou e segurou-me nos braços novamente me levando para a saída. Era extremamente constrangedor, alguns apontavam sorrindo provavelmente perguntando entre si se éramos namorados ou coisa do tipo – Faça o favor de me por no chão! Estou perfeitamente bem! – a essa altura já estávamos na entrada de emergência do hospital e começou a esmurrar seu peito com o braço bom, mas ele apenas fez algumas caretas e deixou-me de pé ao lado do carro e postou do lado do motorista abrindo a porta

-Não vai entrar?

-Por que deveria?

-Vejamos. A essa hora os ônibus estão cheios e provavelmente ninguém lhe concederia lugar e isso se houvesse espaço no ônibus, o metrô seria viável mas como por onde você estava ele não passa perto você teria que andar muito e os táxis... Bom, se você conseguir um vai ser sorte

Por mais que minha vontade fosse dizer que daria um jeito, ele tinha razão e alguma coisa dizia que eu não agüentaria andar por muito tempo. Soltando um suspiro resignado entrei no carro e coloquei o cinto, ele entrou logo em seguida. O que não me conformava era que ele transmitia segurança demais, eu estava confortável demais em companhia desse estranho

-Onde você mora? – pergunta tranquilamente ligando o motor

-Pra que quer saber? – pergunto com a voz engasgada, só o pensamento de ele aparecer no apartamento do Takemaru me carregando me fez sentir um calafrio

-Por que se não souber vou ter que deixar no meio da rua

-Me deixe perto de onde você quase me matou que já será o suficiente – viro o rosto para a janela, ele andou numa velocidade menor dessa vez, mal passou dos 60 km/h, o que sinceramente indicava algum avanço

Após algum tempo, que parecia arrastar-se lentamente para adiar minha chegada ao apartamento ou mesmo a saída do carro, ele me deixou na rua em que estava antes dessa confusão e estacionou

-Está bom aqui?

-Está ótimo, obrigado – saio do carro o mais rápido que pude, mas antes de fechar voltei o olhar para ele – Você se verá com meu advogado

-Tudo bem – ele dá de ombros como se fosse uma ameaça tola

Começo a andar, mancando levemente devido a dor, e tentava de todas as maneiras lembrar de como afrouxar o maxilar. Olho de relance para trás e vejo o carro ainda estacionado na rua, apresso o passo e viro numa das ruas, encostando-me a parede. Ouço um barulho baixo de motor e quando arrisco uma espiadela, vejo o carro voltar na direção do centro. Atravesso a última quadra que faltava com uma mescla de alívio e desespero, sentimentos tão opostos, mas que no momento faziam completo sentido

-Você demorou Izayoi – fala Takemaru no momento em que abro a porta, dei alguns passos vacilantes e vejo-o assistindo TV, estava de costas para mim, mas mesmo assim pude imaginar o vislumbre de um sorriso em seu rosto

-Desculpe-me. Fui atropelada quando estava vindo pra cá e o louco fez questão de me levar ao hospital

-Você foi demitida – não era uma pergunta, mas o que me paralisou no caminho para o quarto era o fato de ele saber tão cedo – Poupou-me o trabalho de fazer você pedir demissão

-Boa noite – falo baixo e vou para o quarto

Tomei um banho frio para espantar os pensamentos, tendo cuidado de não molhar a mão na atadura. Enquanto me vestia, não pude deixar de pensar naquele estranho. Tão bonito e tão louco. Sorri quase sem notar quando deitei na cama. Não demorei a adormecer, as emoções daquele dia eram fortes demais e me deixaram demasiado exausta.


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