Meia Alma escrita por Monique Góes


Capítulo 5
Capítulo 4 - Shadow


Notas iniciais do capítulo

Bom, surpresinhas neste capítulo... Acho que vocês gostarão de ver alguém que vai aparecer...



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        Estava deitado de costas na pedra fria, tendo tirado meu casaco de sobre a camisa. Acima de mim, a montanha continuava a erguer-se por metros e mais metros de altura, seu pico sendo camuflado pela densa névoa branca, a altura de seu topo até a rocha onde eu me encontrava deitado. Minha bandana negra estava abaixada, frouxa em meu pescoço, e escutava as vozes a vários metros abaixo de mim. Sabia que ninguém além de Khalil viria me incomodar, já que ou me achava por demais antissocial ou por medo. Sabia que era mais por medo do que qualquer outra coisa. Quer dizer, corrigindo...

        Eu sabia que os vivos não viriam me incomodar.

        - Você está escutando o que sua mãe e a minha mãe estão conversando? – Yudai perguntou ao meu lado, com uma voz que parecia a mistura de incômodo com medo.

        Abri apenas um de meus olhos, olhando o rapaz que estava sentado ao meu lado. Eu sinceramente também estava com medo. Da última vez, elas ficaram contando uma para as outras nossas histórias constrangedoras de bebês, fazendo questão de que todos os espíritos que ainda não haviam se ido e que faziam questão de ficar me seguindo escutassem.

        Yudai, que estava ao meu lado, era um caso. Até onde eu sabia, ele também fora um híbrido, assim como eu. Antigo número 1 pelo que parecia, mas morrera por um motivo que não fizera questão de me contar. Ele tinha um cabelo extremamente vermelho e vivo, pele ligeiramente pálida e olhos azuis claros. Pareciam ligeiramente prateados. 

        Se alguém além de mim conseguisse vê-lo, poderia muito pensar que ele estava vivo. Mas como só eu podia, sabia muito bem que era um morto.

        Olhei para a direção oposta, vendo minha mãe e a mãe dele, Maria, em suas “formas de fantasmas” – ou seja, etéreas, com as roupas e cabelos se balançando com vento próprio e estando num tom de azul cristal. Fantasmas mesmo – juntas falando sobre algumas coisas animadamente.

        - Boa coisa, para nós, não é. – respondi.

        - Escutei algo sobre meu irmão e seu irmão.

        - Eu tenho vários irmãos. – argumentei, me sentando – E você tem, ou tinha, sei lá, irmão?

        - Huh, um gêmeo. – respondeu, coçando a cabeça. – Ele ainda está vivo.  

        - Os meus irmãos não são híbridos. Estamos quase no mesmo barco.

        - Minha irmã mais nova não é híbrida. – observou. – E eu estou morto.

        - Você entendeu o que eu quis dizer. – rebati e ele fechou a cara, porém viu algo atrás de mim.

        – Alerta vermelho, alerta vermelho: Khalil se aproximando!

        Puxei a bandana para cima, deixando-a sobre meu nariz e abaixo de meus olhos, ajeitando as partes dobradas para dentro, que incomodavam-me ligeiramente. E, exatamente como Yudai dissera, logo escutei os passos de Khalil, que sinceramente, era a única pessoa viva – literalmente - que viria atrás de mim.                                     

        - Dani, Dani! – logo escutei ele exclamando atrás de mim. Quase bufei. Quando ele repetia meu nome dessa maneira, significava que ele estava servindo de pombo correio entre os outros e eu.

        - O que eles querem? – respondi do modo mais mal educado que consegui, e Yudai revirou os olhos. Escutei o silvo de minha mãe ao longe, desaprovando totalmente o tom que eu usara.

        - Bela tentativa, mas não. – Khalil replicou e mesmo estando de costas, eu quase conseguia vê-lo com as mãos na cintura. – Por obséquio, seja mais educado.

        Risadas gerais dos fantasmas. Grande. Ainda bem que somente eu podia vê-los, pois já era humilhação o suficiente sendo somente eu.

        Olhei por cima de meu ombro. Khalil provavelmente deveria ser o ser que passava mais longe do sinônimo “masculinidade”. Ele era baixinho, um milagre se ele tivesse mais de um metro e cinquenta – exatos, nem um centímetro a mais - de altura, e era bem magro e fino, mesmo sendo um híbrido, não havia nenhum sinal de músculos nele. Para melhorar mais as coisas, ele era andrógino, com um rosto fino e... Delicado até, com olhos grandes e expressivos. Usava o cabelo branco longo, a franja reta até um pouco abaixo das sobrancelhas, com duas mechas emoldurando seu rosto, até um pouco abaixo da linha de seu queixo, e o resto de seu cabelo Khalil prendia em um rabo de cavalo baixo que chegava quase em seus quadris. Sabia que ele não cortava o cabelo por preguiça – o que para mim era ilógico. Tecnicamente, cabelos longos dão mais trabalho que os curtos, certo? – e normalmente era preciso que Mitzi o pusesse sentado para cortar o cabelo. Mas isso normalmente uma vez a cada dois ou três anos. Nesse meio tempo, ele continuava parecendo uma garota de cabelo longo. Quando não, era uma garota de cabelos curtos.

        Tudo bem, no final, ele sempre parecia uma garota.

        - Quem cala consente. – falou.

        - No meu caso, quem cala nega. – rebati.

        Ele deu de ombros. Vale notar: Eu sentado no chão tenho quase a altura dele. Minha cabeça ficava mais ou menos na altura de seu peito. Quando eu fico em pé, Khalil fica na altura de meu quadril.

        - Mal educado.

        - Baixinho. 

        Eu tocara justo em sua ferida aberta.

        Joguei-me de costas no chão a tempo de ver um certo borrão negro que eu sabia que era a perna direita dele passar a poucos centímetros de meu rosto e acertar a rocha onde a alguns segundos estaria minha cabeça, sua perna enterrando-se até suas panturrilhas.   

        - Tudo bem, o que eles querem? – perguntei, tentando ignorar a visão nem um pouco agradável e o fato de que se ele tivesse acertado aquele chute, eu ganharia mais cicatrizes em meu rosto das que eu já tenho.

        - Luard e Blinna vão atrás de mais roupas e coisas assim. – Khalil rosnou, irritado. Quase que eu podia ver uma veia pulsando em sua testa. – Sebastian mandou perguntar se você queria algo.

        - Primeiro, tira essa perna de cima de mim. – comecei.

        - E peça roupas, porque você só tem praticamente essas. – minha mãe interrompeu-me num tom imperativo atrás de mim.

        Ele tirou a perna de sobre mim, uma carranca formada em seu rosto.

        -... E... Roupas é bom.

        Ele deu de ombros e saltou da pedra, ignorando o fato de que era a vários metros acima do chão.

        - E... Um pouco de sociabilidade é bom também. – Leha exclamou atrás de mim.

        - Não ousem rir. – rosnei, levantando o tronco do chão ao mesmo tempo em que abaixava minha bandana.

        - Sim senhor. – Leha disse com um tom jocoso, o qual ignorei.

        - Praticamente vi sua vida passando em minha frente quando o Khalil tentou te chutar. – Yudai disse, coçando a cabeça, olhando pela a borda da pedra.

        É, eu também praticamente vi, mas não daria o braço a torcer. Eu sabia muito bem que aquele baixinho poderia usar suas pernas de maneira bastante destrutiva, já que ele era uma negação usando as mãos. Entenda “manejando espadas”. Ou qualquer outra coisa do tipo. Se ele não tivesse se esforçado, não tinha nenhuma dúvida que ele não iria sobreviver nem ao treinamento.

        Vi minha mãe me encarando de modo examinador, com a mão no queixo. Lá vem...

        - Me deixa ver... A senhora está com vontade de ir atrás do meu pai, não é?        

        - Tenho toda vez que eu te vejo.

        Quase ouvi todos soltarem um suspiro, pois já conheciam aquela história. Bom, eu não sabia se fantasmas podiam suspirar, mas ao menos aqueles suspiravam. E não era para menos. Inconscientemente, esfreguei minha face esquerda, que era coberta de cicatrizes esbranquiçadas. 

        - Bom, eu também tenho vontade de ir matar ele, mas como eu não posso, vou ficar aqui. – falei, e quase vi minha mãe fechando a cara antes de...

        - Mais respeito, eu sou a sua mãe!

        É, eu sabia que ela ia dizer isso. Mães em geral são previsíveis, não?    

        Acho que eu deveria me apresentar.

        Meu nome é Daniel Laurinaits, mas, tirando Khalil, que insiste em me chamar de “Dani” – que eu particularmente acho um nome estranho para ser usado para um homem, mas como o baixinho era incorrigível, eu sequer cogitava em gastar saliva. -, a maioria das pessoas me chama de Shadow. Devem achar que é um apelido ou coisa parecida, mas nada mais é do que o sobrenome de solteira da minha mãe, já que eu odeio o meu pai, então não quero usar o sobrenome dele nem sob tortura.

        Eu não sou louco ou esquizofrênico pelo fato de ver os mortos, eu só os vejo por causa de minha afinidade. Afinidade com espíritos.

        Desertei da Ordem quando ainda era um aprendiz – junto com Khalil, só para variar. Ele é o único a quem deixo ser meu amigo mesmo. -, e encontrei esse grupo de desertores. Eles deixaram que nós entrássemos no grupo e estamos aqui até hoje. Basicamente essa é minha vida como híbrido, já que a minha vida de humano era detestável depois que minha mãe morreu, graças à coisa que infelizmente era meu pai.

        A única coisa que eu tenho de especial fisicamente, acho, é que eu sou o mais alto do grupo, com um metro e noventa de altura. Eu nunca tiro a bandana preta do rosto em frente aos outros – vivos. -. Frescura ou não, tenho meus motivos.

        As cicatrizes que possuo em meu rosto sob a bandana são mais uma prova de como o meu pai estragava minha vida quando eu era mais novo.                                                                           


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Notas finais do capítulo

Enfim, gostaram? Este é outro grupo de renegados, há vários espalhados por Darneliyan.
Dúvidas? Elogios? Tudo nos reviews!



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