Meia Alma escrita por Monique Góes


Capítulo 4
Capítulo 3 - Brincando com fogo


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, desculpem a demora!
Hehe, eu queria postar esse capítulo domingo, que era o dia do meu aniversário de 14 anos... XD
Mas amigas vieram dormir aqui, teve muita bagunça, então não deu!
Deixando isso de lado, espero que gostem do capítulo!



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         “Espere!”.

         Ri, enquanto corria ainda mais rápido, apenas para contradizê-lo. Passei por frente da barraca de Pesce–däzh, que deu uma olhadela para ver o motivo da bagunça, mas logo voltou a cortar as carnes. Virei a esquina, minhas sandálias sujas pela poeira da rua, e senti as pontas de seu dedos roçando levemente em minhas costas, por cima de minha toga verde, quase da cor da pedra da minha ëndivja. Apertei o passo, fazendo que a distância entre nós aumentasse novamente, e ouvi o protesto atrás de mim.

         “Devolve!”.

         Continuando a ignorá-lo, apertei a pequena sacola com mais força e vi a multidão em minha frente, provavelmente havia chegado mercadores de outras cidades, mas para mim, era a chance perfeita para confundi-lo!

         Embrenhei-me por entre a multidão, ora ou outra escutando pessoas exclamando, perguntando o porquê de os filhos da sacerdotisa estarem em tal local ou quem eram os moleques de dez anos que estavam fazendo tal bagunça, mas apenas continuei correndo. Sentia a irritação dele atrás de mim, mas não me importei, aquilo era divertido, então, era óbvio que iria continuar. Irritando-o ainda mais, embrenhei-me de modo que ele me perdesse de vista, e quase o escutei gritando meu nome, porém apenas ri, e vi uma construção abandonada, suas paredes brancas já estavam encardidas e as paredes dos andares superiores estavam semi destruídas. Com um salto já estava sobre o muro e saltei sobre a grama e corri até a escadaria a vista, que dava a volta na construção. Cheguei ao quinto andar e último e me escondi atrás de uma parede.

         Estava ofegante diante toda a corrida, mas comecei a rir, sentindo o quão irritado ele estava, mas não respondia a nenhuma de suas perguntas que vinham a minha mente, ficando quieto. Encostei-me a pedra e apenas fiquei ali, descansando. Eu iria devolver isso aqui para ele, que sabia muito bem, mas quanto mais irritado ele ficava, mais é que minha vontade de prolongar aquilo tudo aumentava.

         Levantei e dei uma olhada no que estava abaixo de mim. Era um pouco alto, chegava a dar uma vertigem, o vento continuava soprando, fazendo meu cabelo negro cair sobre meu rosto. Tirei ele de cima de meus olhos, mas depois desisti, porque não ajudava muita coisa.

         ”Me dê isso!”.

         Assustei-me, e quando percebi, tudo parecia girar, e não tinha nenhum local onde eu pudesse me segurar, apenas sentindo o vazio e o vento...

         “Daichi!”. Sora gritou enquanto eu caía.             

         Levantei de supetão, ofegante, meu coração disparado. Que sonho fora esse? Estava suando frio, ainda com a sensação de estar instável me dominando, como se ainda estivesse caindo. Tecnicamente, para mim, o quinto andar de um prédio não era muito alto, o problema era que nesse sonho, eu não passava de um humano. E... Eu me chamava Daichi?

         Sacudi a cabeça, ignorando aquilo, afinal, não passava de um sonho. Forcei minha respiração a se normalizar, respirando fundo. Toquei em meu peito por cima da camisa, e ele ribombava em meu peito, minha pulsação parecia martelar contra meus ouvidos. Fora apenas um pesadelo, era isso que eu repetia a mim mesmo, mas fora um sonho por demais real, quase como se fosse uma lembrança. Pressionei minhas têmporas, forçando-me a esquecer aquilo, então deitei novamente no colchão, esperando dormir de novo, mas passei vários minutos e... Nada.

         Revirei no colchão velho na tentativa de encontrar uma posição mais confortável, o sono recusando-se a chegar até mim e com um bufo, empurrei uma Despertada adormecida que sempre tentava roubar meu travesseiro quando estava dormindo. Era assim todas as noites. Uma luta pra dormir, uma facilidade irritante para acordar. O tempo em que era só encostar a cabeça no travesseiro e já estar pegando no sono parecia ter sido há sete séculos, e não sete anos.

          Virei, deitando-me de costas ali, encarando o teto rochoso acima de mim, minha mente vagando em qualquer lugar menos minha cabeça, sequer sinal de que ao menos o torpor característico do sono se atrevia a aproximar-se do ser deitado que queria mais do que tudo, ao menos uma noite de sono decente. Mas como ele era do contra, fazia questão de continuar longe de mim, provavelmente rindo da minha cara. 

          Contive a irritação quando uma cauda peluda passou por meu nariz e vi Moko movendo suas patas como se estivesse andando, mesmo estando deitada de lado. Neste momento, eu a invejava por conseguir dormir, embora não queria saber que tipo de sonho ela estava tendo.

          Sentei na cama e dobrei meus joelhos, apoiando meus braços neles, olhando a entrada do recinto onde eu estava. Conseguia ver ligeiramente a luz azul provinda do corpo cristalizado de Yudai, que estava numa galeria a poucos metros de onde eu estava. Só para constar, a minha era mais afastada dos demais.

          Olhei por cima de meus ombros, vendo que Moko já se apossara de meu travesseiro. Sem ter mais o que fazer, levantei, meus pés doendo no chão frio, mas ignorei aquilo. Eu usava uma camisa moletom velha e ligeiramente puída que encontrara há algumas semanas e a calça de sempre. Talvez eu só a trocasse quando estivesse prestes a abrir um buraco nela.

          Tirei as botas de couro de dentro das de ferro, calcei-as e saí de lá. Fui silenciosamente em direção ao início da caverna, vendo a neve branca caindo furiosamente, levemente direcionada para a esquerda, o vento assobiando e esfriando a caverna. A chama da fogueira bruxuleava debilmente diante o frio, prestes a se apagar devido ao vento e me aproximei dela. Já procurava algo para usar como combustível para mantê-la acesa e me aproximei dela, mas contrariando as expectativas – e as leis naturais, acredito eu – a chama de repente ficou ereta contra o frio e ficou enorme, praticamente da minha altura, adquirindo uma coloração verde, porém que variava entre o verde normal em seu centro e o verde claro na ponta das chamas.

          Saltei para trás, pela primeira vez em muito tempo ficando realmente assustado, mas no momento em que me afastei, o fogo diminuiu, voltou a ser amarelo alaranjado e novamente se curvou diante ao vento. Olhei para aquilo, confuso, então cautelosamente voltei a me aproximar da fogueira, e a cada passo que eu dava, ela ficava maior, ficando novamente ereta, porém, ia adquirindo uma coloração violeta. Fiquei a um passo da fogueira e a chama era maior do que eu, e por algum motivo, ela não me esquentava. Quer dizer, o local ficava apenas morno. Por quê? O que acontecera com o fogo? Para confirmar novamente, saltei de uma vez vários metros atrás, e a chama desapareceu imediatamente, dessa vez somente sobreando os borralhos e um carvão semiaceso.

          Peguei uns gravetos que estavam em um canto, e os empilhei sobre os restos da fogueira, e estava pegando uma pedra no círculo ao redor da fogueira quando o fogo voltou, dessa vez novamente verde e acertou meu rosto. Quase gritei, mais por reflexo, pois percebi que o fogo não me queimara. Toquei em minha franja e em meu cabelo para verificar se haviam incendiado, mas nada, os olhos ainda fechados. Nem quente, como assim?

          Abri os olhos e vi novamente o fogo gigantesco diante a mim, mas ele não se alastrava.

          Talvez fosse melhor que ficasse um pouco menor. – pensei, e para minha surpresa, ele diminuiu quase tão obedientemente quanto um cachorrinho treinado quando mandado sentar-se.  

          Encarei o fogo, incrédulo, e sua coloração tornou-se tão laranja que chegou a doer em meus olhos, para então tornar-se num morto tom de cinza. Seu centro era quase negro, mas ao redor era cinza. Nada além de cinza. O recinto quase escureceu diante a coloração das chamas, e continuei a encará-las. Eu quase podia escutar alguém rindo de mim, apesar de tecnicamente, era loucura.

          Desde criança eu sempre tivera experiências estranhas com fogo, mas era a primeira vez que algo assim acontecera, e sem dúvidas, era bizarro, mas por algum motivo, ver aquela chama fazia a ferida em meu peito doer ainda mais. Aquela cor era quase como eu me sentia no momento, cinza. Sem estímulo algum, seguindo em frente quase que mecanicamente. O que eu dissera há sete anos parecia cada vez mais difícil de cumprir. Sabia que os outros tinham medo de dizer isso, mas eu sabia que estava me esvaindo aos poucos, como se em breve iria virar uma concha vazia. E isso sinceramente não me alarmava, eu não conseguia me importar com aquilo.

          A chama cinza diminuiu timidamente, e somente por curiosidade, estendi minha mão em sua direção, então as línguas de fogo se estenderam contra minha mão, como se fossem dedos inconstantes que tentavam agarrar-me. Abaixei minha mão, verificando o que aconteceria, e assim como anteriormente, as chamas seguiram meus dedos, porém, por algum motivo, não sentia o calor do fogo perigosamente próximo contra minha mão. E aquilo não parecia me animar nem um pouco.

          Como se em resposta, as chamas se tornaram de um tom de cor de rosa tão psicótico que meus olhos doeram. Escutei um som atrás de mim e imediatamente quis que as chamas assumissem um tom ao menos normal. Novamente, para minha estranheza, elas cumpriram meu desejo, novamente tornando-se alaranjadas, ainda resistindo corajosamente ao vento que soprava fortemente da entrada da caverna.

          Encarei o fogo que estalava à minha frente. Quase que podia ver um rosto precipitando-se entre as chamas, provavelmente rindo de minha expressão estupefata, que provavelmente estava deveras idiota. Ouvi outro som e minha mente vagou em direção a algo que eu já escutara sobre, mas nunca dera a devida atenção... Parecia que algum membro do grupo era sonâmbulo, não lembro se era Maurice ou Larry.

          Dei uma olhada em direção ao corredor de pedra e vi uma figura baixinha andando por ele. Provavelmente, o sonâmbulo deveria ser Maurice, e eu não me importaria com ele até que alguma coisa – grave - ocorresse. Ultimamente tenho me tornado deveras previsível...

          Quase como se em resposta a isso, o fogo se tornou, estranhamente, branco. Olhei-o novamente, vendo o quão bizarro, porém bonita, ficava a chama. A chama estalante começou a aumentar cada vez mais, até que, quando percebi, as labaredas cuspiram chamas de maneira surpreendente, cada qual de uma cor, formando apenas uma palavra no ar.

           “Lembre-se.”

           As chamas brilharam num intenso tom de verde no ar até que desapareceram, explodindo como fogos de artifício. Antes que eu ficasse atônito ou coisa parecida, as chamas se tornaram de um verde elétrico com tons de elétrico e explodiram silenciosamente, tornando-se enormes, maiores do que uma pessoa, e começaram a diminuir gradualmente, formando uma silhueta humana.

           Meus olhos se arregalaram, enquanto o fogo formava um corpo humano masculino, com entre um metro e noventa e um metro e noventa e cinco de altura. Eu começava a sentir meu coração acelerar, aquilo estava me deixando assustado, e eu sentia quase como se estivesse em frente a alguém que poderia esmagar todos os meus ossos de uma vez sem esforço algum.

           Um pé de fogo se pôs para fora da fogueira, e imediatamente, arrastei-me, sem levantar, um pouco para trás. O medo que aquilo me inspirava era horrível, eu estava tremendo. A coisa de fogo saiu da fogueira, e imediatamente me pus um pouco mais para trás. Ele continuou avançando e eu recuava cada vez mais sem conseguir levantar, até que as minhas costas encontraram a parede da caverna.

            Ele continuou avançando em minha direção, e estendeu sua mão em minha direção, cada um de seus dedos sendo chamas indistintas. Fiz menção de levantar, mas então aconteceu:

            A coisa agarrou minha cabeça, seu polegar numa lateral e o resto dos dedos na outra, sua palma impedindo-me de enxergar, e pela cabeça, suspendeu-me. Minha boca se abriu, mas não consegui emitir nenhum som. O fogo não doía, mas meu pescoço começou a estalar quando a coisa suspendeu-me ainda mais e meus pés perderam contato com o chão. Tive a impressão de que ele suspendeu-me apenas com uma mão para uma linha superior de sua cabeça.

            Tive vontade de gritar, mas nada saía de minha boca, não sei de medo ou se de dor. Ele torceu a mão de modo que uma brecha entre seus dedos permitissem-me de ver sua face. Era horrível. Tirando pelos olhos, ele não possuía expressão, apenas a silhueta do nariz. Seus olhos eram completamente dourados, mas não como se fossem chamas. Parecia a cor do ouro derretido, e havia uma protuberância na parte de trás de sua cabeça, como se fosse um rabo de cabelo que chegava-lhe até a nuca.

           - Não precisa ter medo. – disse, e sua voz parecia vir do fundo de um túnel com eco.

          Sinceramente, eu escutava a minha pulsação pulsando nos meus ouvidos do que o que ele dissera. E como ele não queria que eu não sentisse medo?! Minhas mãos ergueram-se e consegui agarras o braço o qual ele usava para me prender. Meu pescoço doía, e minha língua estava grossa e pesada. Aquela coisa fizera algo para que eu não conseguisse falar ou coisa parecida?

          - Não resista.

          Seus dedos se separaram, puxando as pálpebras de meu olho esquerdo, obrigando-me a arregalá-lo. Meu olho começou ma arder e lagrimar, talvez pelo calor que eu não sentia de sua mão. Como assim não era para sentir medo?!        

          Engoli o seco, vendo que tentar falar algo não daria em nada. Num esforço máximo, ergui minha perna esquerda e acertei-lhe um chute na cabeça. Mas ela simplesmente se desfez em labaredas enquanto o resto do corpo continuava inteiro e na mesma posição. Quando voltei a meu estado inicial, ela se refez, e ele não parecia muito feliz. Seus dedos fizeram-me arregalar ainda mais meu olho esquerdo, e aí ele fez algo que eu sinceramente não esperava.

          Ele enfiou dois dedos dentro do meu olho.

          Dessa vez não aguentei, eu gritei. A dor foi insuportável, ainda mais pelo fato de seus dedos serem feitos de fogo, e parecia que o fogo incendiava todo o interior de minha cabeça. Meus dedos se cravaram em seu braço, mas ele não fez menção de me soltar, e tentei chutá-lo desesperadamente dessa vez. As lágrimas de dor começaram a escorrer do meu outro olho, mas sequer tirar os dedos de dentro do olho esquerdo ele tirava.

          - Me solta! – berrei, minha voz acabando por falhar ligeiramente. – Isso dói!

          - Hideo?! – Anita gritou e escutei a aproximação dos outros.

          - Pelos deuses, o que é isso?! – Alec gritou atrás dela.

          Ele tirou os dedos lentamente de dentro de meu olho, e aquilo doeu insuportavelmente, então soltou minha cabeça, para agarrar-me ainda no ar pelo pescoço e me jogar no chão. Me debati, e senti o sangue escorrendo por meu olho.

          - Tire sua força. – a coisa rosnou.                   

          Continuei a me debater ainda mais, ignorando-o, querendo me soltar. Meu olho ardia e doía, o sangue estava escorrendo. Aquilo doía tanto que chegava a me deixar tonto, mas ele não fazia menção de me soltar.

          - Me solta! – tentei gritar novamente, mas ele apertou meu pescoço com mais força, fazendo com que eu me engasgasse.

          Surpreendentemente, a visão – perdida – de meu olho esquerdo começou a brilhar num tom de verde do mesmo tom de que as chamas das coisas, e acabei parando de me debater, e meu olho começou a arder mais e mais. Alguém tentou atacar aquela coisa, mas somente teve o mesmo efeito que eu tive, pois ele logo se refez.

          Do verde de meu olho esquerdo, percebi que a coisa era um homem. Tentei ver de meu olho direito e ela continuava sendo uma coisa de fogo, enquanto era um homem normal em meu olho esquerdo. Ele... Ele era muito parecido comigo, mas seu cabelo era negro e mais longo – mas o estilo de sua franja era igual ao meu -, seus olhos eram dourados, e usava uma toga negra com uma calça branca. 

          Sua boca se entortou e disse:

          - Dê um jeito em seus amigos. – ditou. – É bom você fazer isso.

          Olhei para o lado, e vi que todos estavam com armas em mãos. Engoli o seco e me obriguei a dizer:

          - E-esperem. – Gaguejei. – N-não ataquem ele.

          - Você está louco?! – Diego exclamou.

          Um sorriso de canto de boca apareceu no rosto do cara, e tudo me dizia para que era melhor eu fazer tudo o que ele queria, a menos que eu quisesse que ele torcesse meu pescoço. Vi seu outro braço passando por debaixo de seu outro braço e apontando em direção ao corredor da caverna.

          - Vão embora. – Falei, entendendo o que ele queria dizer.

          - Mas...!

          - Eu vou ficar bem! – exclamei, temeroso da carranca que o cara acabou assumindo.                           

          Minhas mãos tremiam, e escutei os outros, relutantes, retornarem. No lugar deles eu não estaria muito feliz, e tinha razão. Eu não iria deixar um amigo meu nesse estado, mas...

           - Agora, precisamos conversar. – O cara de olhos dourados disse. – A propósito, me chamo Daichi.      


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Notas finais do capítulo

Daichi!!! *---*
Pra quem achava que os gêmeos masters não iam aparecer... ;D