Midnight escrita por RandomNote


Capítulo 2
Capítulo 2 - 13 Anos depois


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo. :)
Este está um bocadinho mais calmo do que o anterior, mas era necessário para o desenrolar da história.
Espero que gostem!



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Não tinha ainda bem a noção de estar acordada. Estava naquela fase mesmo antes de despertar, em que qualquer barulho se mistura com sonho. Revirei-me na cama, desconfortável. Estava com calor e queria mexer-me. Não que tivesse a ter Um Sonho, não estava. Mas estava a sonhar com qualquer coisa banal, num sítio que me era relativamente familiar. Rodeada por árvores verdes e de aspecto húmido que deixavam ao meu redor um cheiro a terra, um cheiro a natureza. Um cheiro que eu adoro.

Desde pequena sempre gostei imenso de passear pela floresta (Descobri isso quando nos mudámos para Whitehorse). Era um passatempo só meu, que me permitia ter algum descanso do dia-a-dia… Antes de me ir deitar saía pela porta de trás, na cozinha, e seguia o carreiro que levava para dentro da floresta escura e misteriosa.

A primeira vez que o fiz foi por acidente. Tinha estado numa brincadeira com a Nessie, junto à orla da floresta. Tínhamos passado grande parte da tarde ali e lembro-me de esta cansada, mas não queria por nada dar o dia como terminado. Estava eufórica, tudo me animava, tudo me fascinava naquele dia, nem sei porquê. E foi mais ou menos por causa disso que aconteceu. Ela entrou em casa, chamada por alguém lá dentro pelo que percebi (embora eu não tenha conseguido escutar nada), e eu fiquei entretida com qualquer coisa. De repente ouvi ligeiro barulho ao pé das árvores e, curiosa como ainda hoje sou, aproximei-me para ver, um gatinho preto, pequeno e magrinho. Eu era uma criança na altura, entenda-se. Tinha 10 anos, então é óbvio que o tentei apanhar… O que não resultou, e ainda o fez fugir em direcção à floresta. Segui-o.

Não sei durante quanto tempo andei à procura dele, mas quando reparei já estava escuro, era noite, e eu estava sozinha, rodeada por árvores imensas que se impunham pelo céu.

Não sei se fiquei com medo na altura, mas se assim foi não durou muito tempo. A minha natureza aventureira não permitiu que me focasse em nada além dos possíveis segredos que poderiam estar escondidos à minha volta, no meio de todo aquele verde, nas sombras e cantos escuros… E o que mais me seduzia era aquilo que ouvia, todo o som que enchia o ar. Tudo muito tranquilo, calmo e, ao mesmo tempo, melodioso. A floresta com a sua própria música, o abanar das folhas nas árvores, o vento a passar por entre os ramos, ou o piar de uma coruja mais longe, os arbustos a moverem-se suavemente… Era tudo tão bonito que me deixei ficar ali sentada sobre uma pedra confortável. Imaginei todo um outro mundo, toda uma outra razão para as coisas. Mas talvez não fosse só imaginação…

Mais tarde apareceu a Alice, a minha mãe, a uma velocidade vertiginosa, com Jasper logo atrás dela, muito preocupados e zangados também. Foi das poucas vezes que me ralhou. Fiquei triste, não queria zangá-la. Tinha algum medo que um dia ela se cansasse de mim e me  mandasse embora... Pedi-lhe muitas, muitas desculpas com os olhos marejados de lágrimas. Como sempre, abraçou-me e consolou-me nos seus braços, e fez-me prometer que não voltaria a fazer o mesmo, algo a que acedi prontamente.

Acho que nunca me iria habituar a que as coisas fossem assim: errar, pedir desculpas e ser perdoada. Antes disto, de tudo isto: da Alice, do Jasper, da minha nova família, as coisas eram diferentes. Funcionava tudo de outra forma…

Mas voltando ao meu carinho pela floresta: foi crescendo cada vez mais desde esse dia. Comecei por lá entrar durante o dia e olhar a natureza de uma perspectiva diferente, quando tudo era mais claro, iluminado. Quando o verde era mais verde (Não que houvesse muito sol, aqui o tempo estava sempre muito tapado) e os sons eram outros. Mas não era o mesmo. Não sentia a mesma coisa que naquela noite, não tinha aquele sabor transcendente... Então finalmente, uns dois anos depois, saí mesmo antes de começar a escurecer e entrei pela floresta dentro. Andei durante algum tempo, apreciei aquela serenidade que a entoação das árvores me trazia e cheguei ao fim do caminho. O chão acabava ali dramaticamente e lá em baixo corria o Yukon River, selvagem e revolto. A minúscula clareira que ali se formava era simplesmente apaixonante e desde então tenho ido para lá, sempre que posso, antes de me ir deitar. Aproveito esse tempo para pensar. Para me esquecer dos meus problemas e apreciar a magia que me é permitido presenciar a cada vez que lá volto. Há uma ligação quase mística entre mim e tudo aquilo. Relaxante e ao mesmo tempo… esclarecedora. Permite-me atingir conhecimentos escondidos. Descobri um mundo diferente, onde as regras normais não se aplicam. Coisas sobre as quais não consigo falar por falta de palavras suficientes, e com as quais não sei bem o que fazer…

Voltei a mexer-me na cama, estava enrolada demais nas cobertas. Podia sentir pequenas gotas de suor na minha testa, culpa do excesso de roupa que me pesava em cima… Agora mais desperta estiquei os meus braços sobre a cabeça e ouvi todos os meus ossos estalar ruidosamente. Abri os olhos receosamente, não os queria invadidos pela claridade violenta que vinha da janela.

Fiquei uns minutos a olhar o branco do tecto, mais para ganhar coragem que outra coisa. Eu sou sempre assim, com esta preguiça ao acordar.

 Então lembrei-me que dia era: o meu aniversário. 17 Anos! Pode parecer estranho, tendo em conta a minha família, mas sempre gostei deste dia. É como se desse mais um passo em direcção ao meu futuro. Ao meu destino…

Empurrei o fardo dos cobertores para longe e levantei-me rapidamente. Fui até ao meu armário gigante e procurei, no meio de toda a roupa, alguma coisa simples para vestir. Fiquei-me por uns jeans escuros e uma camisola creme de algodão. Olhei-me no espelho, acho que à espera de encontrar qualquer coisa diferente, afinal alguma coisa devia mudar ao fazer 17 anos… Mas nada. Estava tudo na mesma, tudo no mesmo sítio… A minha cara mantinha o mesmo formato arredondado e pele clara e era adornada por um cabelo preto que continuava a cair em ondas rebeldes até a meio das costas. Os olhos… Esses continuavam demasiado azuis, demasiado grandes e inquisidores… Desisti de olhar e procurei os meus tennis que calcei rapidamente. Corri para fora. Não sem antes deixar o quarto… minimamente organizado.

Saí em direcção às escadas para o piso de baixo. Estava à espera de ouvir a minha família num grande alvoroço. Afinal, sendo Domingo e visto que nenhum deles dorme, seria de supor que estivessem numa grande animação, a preparar uma qualquer festa demasiado extravagante, como sempre. (E com isto quero dizer como sempre a minha mãe fazia…). Ou pelo menos que estivessem a ter alguma conversa animada, ou alguma brincadeira. Era assim todos os dias. Quando eu acordava e descia para tomar o pequeno-almoço eles já estavam lá. Às vezes todos, outras vezes só o Jasper e a Alice. Ou seja, eu nunca acordava sozinha em casa. Então estranhei quando não ouvi nada, nem um som vinha da sala, cozinha, ou de qualquer outra divisão do andar inferior…

Desci os degraus devagar, estava meio que à espera que saltassem de algum lado, para me fazer uma surpresa, ou a gritar “Parabéns”… Afinal se alguém conseguia passar despercebido era um vampiro… Mas cheguei ao fim da escadaria e nem sinal deles… Fui em direcção à cozinha, para pegar qualquer coisa para comer. Abri a porta de um armário e tirei de lá uma tigela que enchi com cereais e leite. Levei uma colher à boca, mas de repente estava sem fome e aborrecida. Sentei-me numa cadeira e reparei num papel que estava em cima da mesa, ao lado da fruteira no centro:

“Emma fomos caçar. Voltamos à noite.

Beijinhos querida,

Alice C.”

Caçar? Hoje?! Mas e eu? Será que… Não. É claro que eles não se esqueceram! Mas, nem uma referência a isso no bilhete. E com certeza a Alice não ia perder a oportunidade de me deixar uma prenda enorme. E só voltam à noite. E agora?... O que vou fazer até lá?

Levantei-me e fui até à sala, sem saber bem porquê. Tentei convencer-me a mim mesma que não podiam ter-se esquecido. Eles nunca se esqueciam de nada… Mas tinham ido caçar! No meu dia de anos! Admito que até para mim estava a soar um bocadinho imatura e infantil. Mas a verdade é que, apesar de refilar por vezes com todas as coisas que inventavam todos os anos, adorava cada uma delas… Eram provas do amor e carinho que sentiam por mim… Além disso, desde que se tornaram na minha família nunca mais passei um aniversário sozinha. Então esta história de irem caçar não encaixava muito bem.

Optei por ver um pouco de televisão, não tinha mais nada com que ocupar o meu tempo. Atirei-me para o sofá, um pouco desconsolada, e liguei o ecrã. Pus num canal qualquer e comecei a ver um documentário sobre… Sinceramente não estava a prestar atenção suficiente para perceber sobre o que era. Não conseguia tirar este pensamento da cabeça. O que estavam eles a planear?! Estava intrigada. Uma parte de mim receava que eles se tivessem mesmo esquecido e perguntava-se porquê… Mas descartei essa ideia, nunca tal coisa seria possível. Só me restava tentar adivinhar o que eles tinham em mente.

 Ainda passei alguns minutos a tentar decifrar o tal documentário que passava na tv, mas a certa altura deixou de fazer sentido ficar ali.

Estava aborrecida. Segundo o bilhete só voltariam à noite, o que me levava a crer que me queriam fora de casa até lá. Por um lado apetecia-me estragar-lhes os planos e ficar todo o dia especada naquela sala, mas por outro lado não me apetecia estar sozinha todas aquelas horas…

Virei-me de barriga para cima e inspirei profundamente. O que fazer? O que fazer…

Levantei-me, saí pela porta principal e abri um dos carros que estava estacionado na entrada do jardim, eram quatro ao todo, mas como eu não era muito dada a coisas excêntricas só restava o Volvo ou o Mini Cooper (Não ia levar o descapotável da Rosalie, ou o Jipe do Emmet!). Entrei no Mini vermelho e rodei a chave na ignição, o motor fez um ruído surdo antes de ligar, e segui em direcção à cidade.

Dirigi pela pequena estrada, rodeada de uma vegetação próxima não muito abundante e ligeiramente rasteira. Mais longe podia ver-se as árvores imponentes da floresta que rodeava a residência Cullen. A luz do sol, hoje forte e penetrante, quase me cegava para o caminho, mas ao mesmo tempo entrava pelos vidros do carro deixando uma sensação reconfortante, aquecia o ambiente e tornava o interior do elegante Mini bastante confortável. A música alegre que vinha do rádio enchia o ar. Estes pormenores deixaram-me um bocadinho mais alegre.

Continuei a marcha pelas ruas pouco movimentadas de Whitehorse, ainda manchadas pelo húmido do nevoeiro típico das manhãs frias desta zona. Virei à esquerda no cruzamento principal e entrei na rua da Matilde.

Aqui, e como em quase todas as outras ruas da cidade, as casas eram parecidas umas com as outras. Todas pequenas, modestas. Mas sempre acolhedoras, com os seus arbustos característicos, ou um alpendre discreto a adornar a entrada.

Eram em tudo diferentes da minha. Da mansão Cullen. Enorme, espaçosa, iluminada… Com mais divisões do que era necessário, e belamente decorada, cheia de ornamentos simples, mas perfeitos. Sempre achei a casa uma contradição em si mesma, com a sua fachada e grandeza exageradas e o seu interior delicadamente preenchido, ou as suas paredes de um branco simples a contrastar com as mobílias escuras. E ainda o facto de ter uma cozinha impecável como se raramente fosse usada, o que na realidade acontecia. Mas tudo isto se devia às pessoas que a mandaram construir… A verdade é que o tamanho da casa, assim como a sua aparência exterior foram uma exigência da minha mãe, com a sua extravagância lendária, enquanto o interior foi escolhido e ornado pela Esme, com o seu gosto refinado, marcado pela simplicidade. O local em si, afastado da cidade e das rotas principais, junto à entrada da floresta, foi algo necessário e acordado por todos.

Eu gostava dela, mesmo preferindo algo talvez um pouco mais humilde, ainda a achava fantástica, à sua maneira. Tinha o seu próprio encanto. Afinal de contas era o meu lar, a minha casa, onde sempre fui feliz, onde cresci e aprendi. Estava repleta de memórias, todas elas preciosas.

                Continuei até à terceira casa, semelhante às restantes excepto pela cor. Enquanto todas as outras eram de um tom pastel vulgar, esta era branca, clara, com uma faixa de cor verde indefinida. Estacionei o carro junto à entrada e olhei para a janela. Com sorte os pais delas não estariam em casa e talvez pudéssemos dar um saltinho em algum lugar, ou ficássemos a ver um filme… Não interessa, desde que estivéssemos juntas.

A Matilde é única e maravilhosa. Tem um sorriso doce e uns cabelos castanhos que combinam com os seus olhos cor de mel. Mas é um pouco rebelde. Já se meteu, e ainda há-de meter-se, em muitas embrulhadas por causa disso… Aliás, foi o resultado de uma dessas aventuras que nos mostrou uma parte de nós que ambas ignorávamos e criou uma amizade que guardo com muito carinho e nos ensinou muita coisa. Não quero nunca perde-la, tem um valor incalculável.

Foi com 11 anos, um ano depois de me ter mudado para o Canadá. Quando comecei na escola pequena (!) de Whitehorse. Uma mudança complicada. Até aqui apenas tinha aprendido em casa. Eram o Carlisle e o Jasper os meus principais professores. Ensinaram-me um bocadinho de tudo. A ler e a escrever, que apanhei com facilidade, um pouco sobre história (Com alguns relatos na primeira pessoa!), matemática, geografia…

Não posso dizer que quando cheguei à escola fiz muitas amizades, levei algum tempo a adaptar-me…

O Tom, dois palmos mais alto que eu, de caracóis ruivos e com algumas sardas em volta do nariz, que, junto com o corpo fino demais, não atraía muito os outros miúdos, foi a primeira pessoa de quem realmente gostei naquele lugar, o meu primeiro amigo. Tinha um jeito muito calmo, para não dar nas vistas. Os nossos gostos combinavam em muita coisa o que facilitou muito todo o desenrolar da nossa amizade.

Foi mais ou menos nessa altura, no fim do ano lectivo, que me vi dentro de uma confusão criada pela Matilde.

Numa manhã, uns minutos antes da hora que tínhamos para almoçar, estava sentada na escadaria da entrada a olhar para o jardim, enquanto esperava que o Tom saísse da aula de história para irmos juntos à loja do Sr. Cormahck buscar os materiais que precisávamos para fazer o projecto de ciências. De repente oiço o barulho da porta principal, atrás de mim, e levantei-me para dar passagem a quem lá vinha. Assim que me virei senti um impacto doloroso que me fez cambalear para trás e cair em cima da relva molhada. Bati com a cabeça, mas o terreno suave impediu que me magoasse. Tentei levantar-me, mas tinha um peso sobre o meu corpo que não me permitia mexer. A pessoa que desastrosamente caiu em cima de mim soltou um gemido de dor.

- Au. Hey… Au. Cuidado! – Queixei-me, enquanto a rapariga tentava levantar-se, pisando o meu cabelo com as mãos. – Estás bem?... Magoaste-te? – Perguntei-lhe e levantei-me igualmente, a custo. Apesar da relva macia ter aparado a nossa queda ainda ia ficar dorida, e podia apostar que ela também.

- Sim… Estou. Desculpa lá, por isto. Eu não te vi ali e quando tentei, já não dava tempo de me desviar. – Respondeu e esticou os braços por cima da cabeça. Ouvi alguns ossos estalarem.

- Mas afinal porque é que vinhas tão distraída? Ias cheia de pressa… - Disse, porque a vi olhar novamente para a porta, cheia de urgência…

- Eu… Olha eu não estava a fazer nada. Estava só distraída. Já pedi desculpa! O que é que queres mais?! – Ela acusou-me e dirigiu-se para a saída do recinto. Ouvi mais uma vez a porta principal abrir, mas desta vez olhei a tempo de ver o Director Wreston atravessar a escadaria e dirigir-se para nós. Tinha uma expressão de quem não estava para brincadeiras. Se bem que ele sempre tinha esse tipo de expressão. Aquele bigode farfalhudo, com uns toques de branco, pela idade, não lhe dava um ar querido como seria de esperar, antes acentuava mais o aspecto rígido já característico do homem. Vi a Matilde olhar para mim, mais propriamente para as minhas mãos, onde, até agora não tinha percebido, se encontrava um envelope creme, com alguns papéis lá dentro. Virei rapidamente o meu olhar para ela, como que a pedir explicações, mas em troca recebi um aceno cabisbaixo.

- Ora muito bem… O que temos aqui menina Cullen?! – O director disse, tirando me as folhas da mão e lendo o que estava escrito nelas. Eu não fazia ideia do que era, mas pela cara que ele fez, não devia ser nada banal. Era óbvio de quem eram as folhas… Ela olhava para o chão, sem encarar ninguém. Provavelmente tirou-as do gabinete dele… Meu deus. Mas ela não parava de armar confusões? Na semana passada quase tinha sido suspensa por ter respondido à professora de Educação Física e agora isto. E eu já estava mesmo a adivinhar o que ia acontecer a seguir… O Sr. Wreston olhou para mim, com aqueles olhos frios e cheios de condenação. – Estou extremamente desapontado consigo senhorita! Não posso crer que se atreveram a roubar…

- Professor eu… - Ia tentar dizer que não tinha roubado nada. Já não estava a gostar nada do rumo que isto estava a levar. Mas ele cortou-me o discurso, sem nem me dar tempo de dizer alguma coisa de construtivo, que me pudesse ajudar.

- Não quero ouvir desculpas. Vocês minhas meninas foram longe demais desta vez! Roubar um teste a um professor?! … Devo admitir que não esperava isto de si Cullen. Da menina Grey sim. Agora de si, estou extremamente desapontado. – Ele repetiu, e eu ia intervir em minha defesa, mas mais uma vez não me deu hipótese. – As duas para o meu gabinete. Imediatamente! Vou ligar aos vossos pais e tratar da punição adequada! Não tem nada a dizer menina Grey?! – Ele perguntou, uma vez que ela se manteve calada o tempo todo.

- Vale a pena eu tentar dizer alguma coisa? – Ela respondeu, com um olhar desafiador, mas ao mesmo tempo um pouco conformado com o seu destino.

- Para o meu gabinete. Agora! – Ele gritou, tão alto que alguns dos alunos que estavam junto do portão de saída viraram as cabeças para olhar. Encolhi-me, não sei se de medo, se de vergonha…

Seguimo-lo em direcção à sala e mandou-nos esperar nas cadeiras antes da secretaria, enquanto ele entrou no gabinete. Sentei-me. As cadeiras eram moles demais, e tinham um cheiro a bafio desagradável.

- Tens de lhe dizer que eu não tenho nada a ver com isto! – Eu exigi-lhe, mas foi difícil manter-me segura de mim mesma enquanto tinha de olhar para cima para falar com ela visto que não se tinha sentado. Mantinha-se em pé, hirta, e andava de um lado para o outro, distraída nos seus pensamentos, supus. – Estás a ouvir-me Matilde?! Tens de dizer ao Director que eu não tirei teste nenhum. Eu nem sequer fazia ideia de que aquilo era um teste! E ele não vai acreditar em mim se não lhe disseres… Matilde! – Eu gritei esta última parte, e levantei-me da cadeira. Ela olhou para mim, angustiada. Acho que cheguei mesmo a dar um passo para trás. Parecia que ia chorar, mas não o fez. Sentou-se.

- Preciso que me ajudes… Os meus… eles não podem saber que eu fiz isto. Se não… Eles não podem saber! – Disse, aflita. – Eu… Desculpa ter-te metido nesta confusão. Mas também, se não estivesses no caminho, nada disto tinha acontecido! E eu tinha-me ido embora sem ser apanhada! – Ela culpou-me.

- Se eu não estivesse no caminho?! E se tu olhasses por onde ias, tinhas visto que eu estava no caminho! E… E quem te mandou roubar o teste?! Estás doida? Estava-se mesmo a ver como iria acabar uma história assim… - Respondi-lhe. Eu não tinha culpa nenhuma disto tudo. E ela acusava-me…

- Eu… - Começou, num tom defensivo. Mas depois clareou um pouco a garganta e baixou as defesas. – Tens razão. Desculpa. Eu não devia ter feito isto. Eu realmente não queria fazer isto, mas eu preciso de ter uma boa nota neste teste, se não os meus pais… Eles são muito complicados e eu não posso aparecer com mais uma má nota em casa. E… Não olhes para mim assim! Eu sei que devia posso estudar em vez de fazer isto, mas é complicado! E agora se o director os chamar, eu nem sei o que eles vão fazer! – Continuou. Tive pena dela. Não que a tivesse desculpado, mas percebia mais ou menos o que era ter pais que não… respondiam às nossas necessidades (Isto sendo uma forma muito suave de colocar a questão).

- Eles não podem ser assim tão maus… - Disse, na tentativa de a animar. Talvez ela estivesse a exagerar um bocadinho. Mas pela cara que ela me lançou, primeiro de incredibilidade e depois de revolta, percebi que não era verdade…

- Eu também não estava à espera que compreendesses! – Foi a única resposta que recebi, e depois virou o olhar para o chão, e vi que não me ia dizer mais nada.

Ficámos ali uns minutos, em silêncio, até que o Director saiu da sua sala e veio na nossa direcção.

- Já falei com os vossos pais. Já estão a caminho, e devo dizer que me pareceram bastante desiludidos com toda a situação. Os seus especialmente menina… - Virou-se para a Matilde, enquanto terminava de falar. – Eu tenho outros assuntos a tratar de momento. Quero que esperem aqui enquanto os vossos pais não chegam. Depois trataremos do vosso castigo. E aviso já que não tenciono ser brando! – Terminou, e entrou novamente no seu escritório.

Ficámos em silêncio novamente. Ela olhava para o chão, perdida em pensamentos. E eu fiz o mesmo. Entretanto os outros alunos iam passando pelo corredor e olhavam para nós, curiosos. Perguntei-me se o Tom já tinha ido embora… Devia estar a minha procura provavelmente. Lá se iam os meus planos de acabar hoje o projecto para ciências… Ouvimos passos no corredor, e ambas nos virámos para olhar quem vinha lá. Não conhecia a senhora elegante que se dirigia na nossa direcção. Trazia uma saia de executiva castanha junto com uma camisa de cetim em tons cremes, com um casaco, também castanho, por cima. Tudo isto, adornado com uns sapatos altos redondos, davam-lhe um aspecto muito formal, muito frio. Vi a Matilde levantar-se ao meu lado e ir na direcção da mulher. Percebi que devia ser a mãe dela.

- Mãe eu… - Ela começou, mas a senhora interrompeu-a com a sua voz um pouco estridente.

- Não quero nem ouvir as tuas desculpas Matilde. Pedi-te uma simples coisa, sem causar problemas até ao fim do ano…. E o que fazes tu?... Fazes-me ser chamada pelo director logo no dia seguinte! É incrível…. – Disse, e vi que a cada palavra fazia a filha encolher-se mais um bocadinho.  – O teu pai vai adorar saber isto. Não sei o que tens… Mas consegues sempre ser uma decepção. – ela continuou. Entretanto ouviram-se novamente passos pelo corredor e vi o Carlisle vir na nossa direcção. Não posso dizer que estava muito contente…. Devia conhecer-me melhor!

- Boa tarde minhas senhoras – Carlisle disse educadamente para mãe e filha, sem obter resposta além de um breve aceno, e depois veio ter comigo. – Emma… O teu director ligou-me, mas prefiro que sejas tu a explicar-me o que se passou. Custa-me muito acreditar que fizeste o que ele te acusa de teres feito… - Completou. A sua voz era baixa, mas ao mesmo tempo senti-a envolta com um tom de tristeza.

- Carlisle… Eu não… - Ia dizer-lhe a verdade, que não tinha feito nada. Que não passava tudo de uma confusão em que me tinha envolvido sem querer. Mas a porta do escritório do director abriu-se e interrompeu-me. O Sr. Wreston saiu e veio na nossa direcção a passos largos.

- Boa tarde Dr. Carlisle… Dra. Grey… - Virou-se para cada um deles respectivamente, e de seguida colocou uma cara séria, de negócios quase. – Acho melhor entrarmos todos no meu gabinete. Este assunto tem de ser discutido antes de tomar as decisões necessárias e aplicar os castigos adequados. – Disse.

Seguimo-lo em direcção à sua sala, e quando entrei, em último, pediu-me que encostasse a porta. Olhei ao redor e pude ver que era um gabinete muito despido. Um pequeno quadro gasto pendurado na parede enfeitava pobremente a sala e a única coisa que contrastava com os tons secos era uma planta de um verde saudável no canto direito, por trás da secretária onde o Director já se tinha sentado.

- Por favor sentem-se senhores. – Pediu aos adultos, e continuou… - Como os informei pelo telefone o assunto que os trás aqui não em nada de meu agrado e devo dizer que estou extremamente decepcionado com estas duas meninas. Não permito este tipo de acontecimentos na minha escola! Quando os alunos entram neste recinto conto que os seus pais lhes tenham ensinado um certo número de valores que os impeça de leva a cabo este tipo de vandalismo. – Ele disse. Pude perceber a crítica implícita nas suas palavras e percebi que o Carlisle também,  fiquei ainda mais desconfortável, mas mantive-me calada. – Roubar? E ainda por cima roubar o teste de um professor? Da sala do director? – O director exaltou-se e consequentemente a cor da sua pele mudou de um tom normal para um vermelho esforçado. -  Mostra uma falta de respeito a vários níveis! Não esperava isto dos meus alunos. E não vou permitir que algo assim se repita! – Terminou.

- Professor Wreston… Eu entendo a sua preocupação. Mas antes de continuar com as suas acusações acho que talvez fosse melhor termos a certeza de que as pessoas aqui presentes estão mesmo relacionadas com o incidente a que se refere… – O Carlisle disse, num tom pacificador. – Sei que pode parecer favoritismo da minha parte, mas não acredito que a minha filha tenha feito algo do género. Conheço-a bem o suficiente para saber que nunca faria uma coisa dessas – acabou de dizer. Saber que ele acreditava em mim deixou-me muito feliz e sorri interiormente. Mas é claro que isso não significava que os meus problemas tinham acabado…

- Dr. Carlisle, eu percebo que lhe custe a acreditar, eu mesmo fiquei bastante admirado com o sucedido. Mas a verdade é que foi nas mãos da sua filha que encontrei a cópia do teste! Não vou ouvir desculpas esfarrapadas que tentem justificar isso. – O directo Wreston respondeu. Pronto, lá se foram as minhas esperanças de sair daqui sem problemas… E agora? – É claro que terei em conta o facto de ser a primeira vez que ela quebrou as regras, mas não irei deixar passar impune! – ele continuou. – Sra. Grey, no que toca a sua filha acho que já tinha deixado bem claro que da próxima vez que alguma coisa corresse mal não iria deixar passar. Se bem me lembro deixei a ideia de suspensão de lado porque a senhora prometeu que não teria mais nenhum incidente provocado pela sua filha… - ele olhava para a mãe da Matilde, enquanto esta, encostada à parede com um olhar desolado se mantinha demasiado concentrada nas suas mãos…

- Sinceramente não sei que mais lhe diga Director Wreston. Estou muito desapontada com atitude da minha filha. Mas não esperava outra coisa… Eu e o pai dela vamos dar-lhe o castigo apropriado, pode ficar descansado. Mas não creio que seja necessária nenhuma medida extrema demais aqui na escola. Afinal ela ainda tem de terminar o ano e suspensão agora seria excessivamente prejudicial para isso. – A mulher disse com segurança na voz.

- Eu não estava a pensar em suspensão Dra. Grey. Roubo é uma coisa muito grave. E com o cadastro que a sua filha tem não posso olhar ao lado de uma coisa assim. A minha recomendação ao concelho de Administração vai ser explusão! – A voz grave ficou a pairar no ar, deixando o peso das suas palavras ainda mais desconfortável para todos. Olhei para a Matilde e vi como ela encarava a mãe, com um pedido de desculpas que a outra ignorou. A expressão fria e zangada que lhe mostrou adivinhava ainda mais problemas para ela… Senti uma breve pontada no peito. Não que não achasse que ela devesse ser castigada. Afinal ela realmente tinha roubado o teste do professor. Mas vendo agora a mãe que tinha acho que consegui perceber um pouco as razões dela… E alem disso, parecia-me que o olhar de desagrado que recebia já devia ser um castigo doloroso o suficiente…

- Sr. Wreston, não creio que expulsão seja necessária. Afinal foi apenas o erro de duas crianças… - O Carlisle disse. Acho que também ele percebeu o clima pesado e sentiu alguma pena pela Matilde.

- Não se preocupe Dr. Carlisle, não tenciono aplicar o mesmo castigo à sua filha, como é a primeira vez que tenho problemas com ela serei um pouco mais brando. Mas peço-lhe que não me diga como fazer o meu trabalho. Se deixar isto passar em branco uma vez mais, quem me diz que a menina Grey não começa a fazer algo muito pior. Não terei a minha escola como uma selvajaria! – Ele disse, enquanto olha desaprovadoramente para a Matilde.

De repente fiquei muito nervosa… Senti o coração começar a bater mais depressa e o meu estômago apertou-se… A ansiedade subiu-me à boca e percebi que estava com suores frios… Eu sabia o que queria fazer. Não sei quando tomei conhecimento das minhas próprias intenções, nem quando ganhei coragem para tal, mas sabia. Também não percebi inteiramente aquilo que me levou a querer fazer uma coisa assim, nunca me imaginei tão altruísta.

- Professor… Eu. Ah… Fuieuqueroubeioteste. – Disse, muito rapidamente. Senti os olhos do Carlisle em mim, incrédulos, assim como os da Matilde. Respirei fundo e ganhei mais um bocadinho de coragem… - Fui eu… Eu tirei o teste do seu gabinete Director. A Matilde não teve nada a ver com isto. Eu só tropecei nela nas escadas. Se não ela nem sabia deste assunto… - Terminei agora mais calma e segura. Já que ia fazer isto mais valia ser convincente.

- Emma! – Carlisle ralhou. Não sei se foi porque percebeu que eu estava a mentir, ou se foi pelo que estava a confessar ter feito. Provavelmente a primeira. Nenhum vampiro se deixa enganar facilmente.

- Senhorita Cullen… Isto é verdade? Tem a certeza do que me está a dizer? – Ele perguntou-me, muito sério.

- Sim director. Fui eu. Eu não estudei para o teste de amanha… E não queria baixar a minha nota. Eu… Não sei o que me passou pela cabeça. Foi um erro muito grave, eu sei. – Olhei para a Matilde enquanto dizia isto, para ver se a fazia entender a mensagem… - Eu peço imensas desculpas… E juro que nunca mais voltará a acontecer… - finalizei o meu discurso.

- Se tem mesmo a certeza de que isso é verdade… - o professor disse. – Bem então acho que menina Grey já não está aqui a fazer nada. Sra. Grey, peço imensas desculpas por tê-la retirado do seu trabalho sem motivo algum afinal de contas. Espero que tenha o resto de uma boa tarde.

- Sim, bem então está tudo esclarecido não é? – A senhora Grey disse, na sua voz fria. E deixou-se acompanhar até à porta pelo Director. Se percebeu que aquilo que eu disse era mentira, não disse nada, mas a cara com que olhava a filha era a mesma de desapontamento de sempre… - Boa tarde então. – E saiu. A Matilde ainda olhou para mim em jeito de desculpas antes de fazer o mesmo, e eu sorri-lhe. Estava contente comigo mesma.

- Bom, então vamos ao que interessa. Como já tinha referido, uma vez que é a primeira vez que Emma falta às regras, apesar de ser uma coisa tão grave como esta, o castigo que lhe vou aplicar não será tão severo como noutro caso. – ouvi o professor dizer. Estava a ficar nervosa outra vez…  - Mas ainda assim terá de servir como aviso. O seu castigo servirá para mostrar, não a penas à menina mas também aos seus colegas que não vou admitir este tido de desrespeito! – Ele acabou a olhar directamente para mim e não sei como conseguiu tornar a sua expressão ainda mais desprovida de calor que antes. Engoli em seco, quase inconscientemente, como a heroína de um filme barato, quando está em apuros.

Acenei ligeiramente com a cabeça em sinal de consentimento. Não que ele fosse necessário, o Director faria o que tinha mente, concordasse eu ou não. Afinal, para todos os efeitos, eu era culpada do crime…

- Sim, senhor Director. Mas… ah… o que?... Qual vai ser o meu castigo? – Perguntei, com medo da resposta. Quer dizer, eu sabia que não seria expulsa, mas ele nunca falou em não me suspender… E só a ideia deixou-me aflita. – Eu…

- Se fosse qualquer outro aluno, menina, eu diria suspensão por uma semana, e nem pensaria duas vezes… Mas tendo em conta o seu comportamento exemplar desde que aqui chegou, e as notas que mostram o seu empenho, não creio que seja necessária uma medida assim. – Ele interrompeu-me. – Mas, se o Dr. Cullen concordar, acho que deve ter um castigo que mostre a todos o que sucederá se voltarem a fazer uma Brincadeira destas. – Frisou a palavra brincadeira de forma grave.

- Professor Wreston, não acho que seja justo eu ter uma palavra a dar no que toca ao castigo da minha filha, porque poderia não ser imparcial. – O Carlisle disse, polidamente.

- Sim, tem razão. Sendo assim eu falarei com a direcção e assim que ficar decidido qual será o castigo entrarei em contacto consigo… -

- Muito bem então. Creio então que a minha presença já não seja mais necessária aqui. – Levantou-se e estendeu a mão que o director apertou. – Boa tarde Professor Wreston, e peço desculpas mais uma vez, pelo comportamento da minha filha. –

- Sim, não vale a pena preocuparmo-nos mais com isto agora. A senhorita também já pode ir… - Ele olhou para mim e depois dirigiu-se à porta do gabinete para nos permitir passagem.

- Vamos então Emma? Temos algumas coisas para conversar. – ouvi o Carlisle dizer enquanto sorria para o directo em despedida. Um sorriso que não lhe chegou ao olhar.

Sabia que o tinha deixado confuso. Eu mesma estava confusa comigo, então não tentei dar-lhe qualquer explicação. Fazê-lo apenas iria servir para que fosse apanhada na minha mentira mais rapidamente… Claro que com o Edward isso estava destinado a acontecer de qualquer forma. Mas talvez eu pudesse dar-lhe a volta. No caminho para casa instalou-se entre nós um silêncio pesado, incomodativo...

                Quando finalmente o Director ligou para o Carlisle já tinham passado dois dias, nos quais eu tive de explicar à minha família o porquê de ter feito uma coisa assim. Senti orgulho por ter conseguido manter-me fiel à história, mesmo com todos os olhares triste que me deitaram, especialmente a Alice… Não sei porque o Edward não disse nada, mas sei que ele sabia que eu estava a mentir. Acho que o meu olhar de súplica não lhe permitiu desmascarar-me.

A conclusão de todo este episódio foi ter de fazer trabalho comunitário na escola durante as duas semanas seguintes. Tive de ajudar na organização de documentos e fichas na secretaria, na arrumação dos livros da velha biblioteca (Se bem que esta parte não considerei bem um castigo), e na limpeza da cantina após os almoços. Mas o mais importante foi ter ganho a confiança da Matilde.

Ela veio ajudar-me, a cumprir o castigo. Vinha falar comigo, ajudava-me a deixar o refeitório em condições e às vezes na biblioteca perdíamos mais tempo a imaginar que segredos contava cada livro que a arrumá-los. Não falámos sobre o que aconteceu, ambas percebemos que não era preciso. Só deixaria as coisas estranhas, e eu teria ficado a pensar que era a penas por agradecimento e sentido de dever que ela me fazia companhia, que ria das coisas tolas que eu dizia, que me contava alguns segredos da sua vida. Talvez a aproximação inicial tenha sido causada por isso, mas nunca foi essa a base dura da amizade que criámos.

Gosto de pensar que temos almas parecidas, eu e ela… Que somos dois pedacinhos de um mesmo papel. Não como duas metades da mesma maçã, mas cada uma com parte da essência da outra. De que outra forma poderíamos entender tão bem o que a outra precisa, ou o que sente? E não são, nem nunca foram precisas palavras entre nós para descrever o que sentimos uma pela outra. Isso está presente na forma como agimos, na forma como nos apoiamos, como dependemos uma da outra…

                Claro que desde aquela altura muita coisa mudou. Crescemos, cada um de nós à sua maneira, tanto por fora como por dentro.. Ela assentou e deixou-se de tanta rebeldia, pelo menos controlou as asneiras que fazia..

                Eu gosto de pensar que me mantenho igual, tirando as mudanças físicas óbvias... De resto, o que eu sou, a minha essência, mantive-a sempre intacta. Não porque acho que sou perfeita, estou longe de acreditar nisso. Mas sinto-me feliz ao ser eu mesma. Sempre defendi que devemos aceitar o nosso interior, com qualidade e defeitos, por inteiro e sem reservas.

                É estranho como uma pessoa consegue divagar em pensamento sem nem mesmo se aperceber… Acordei para a realidade e saí do carro em direcção à porta da casa. Toquei à campainha e cruzei os dedos na esperança de ser a Matilde a abrir-me a porta… Ouvi o barulho de passos no outro lado e vi a maçaneta rodar. Mas como hoje com certeza não é o meu dia de sorte, foi a mãe dela quem surgiu pela entrada.

- Sim? Se vens à procura da Matilde ela não está. Saiu logo de manhã cedo não sei para onde. Disse que tinha coisas importantes combinadas. – ela disse-me com a sua voz ridiculamente aguda.

- Mas… Ela não disse quando voltava? Eu preciso mesmo de falar com ela… - Eu respondi já conformada com a notícia. Se ela não estava duvido muito que a Sra. Grey me fosse dar qualquer informação útil para a encontrar. Não é como se ela fosse muito prestável.

- Ela não disse nada. Eu agora não tenho tempo para estar aqui a conversar contigo, tenho trabalho a fazer. Boa tarde. – E fechou-me a porta na cara.

Perfeito. Acho sinceramente que o meu dia está a ser perfeito… Aparentemente a minha família resolveu tirar um dia de caça logo hoje, e a minha melhor amiga desapareceu não sei para onde.

Voltei para o carro e liguei o motor. Dirigi-me de volta para casa. O caminho pareceu correr mais rápido desta vez e quando cheguei à clareira dos Cullen ainda não era uma da tarde. Entrei em casa, que continuava vazia, e resolvi fazer alguma coisa para o meu almoço: Uma sandes de ovo e um pacote de batatas fritas. Abri o frigorífico e retirei de lá um sumo. Um almoço equilibrado! Pensei ironicamente enquanto me sentava no sofá e ligava a tv. Fiquei uns tempos a mudar os canais na esperança de encontrar algo que me interessasse. Nem sei porque fiz isso, nunca gostei muito de ver televisão. Aborrece-me. E como em todas as outras vezes acabei por desligá-la e comer em silêncio, só com os meus pensamentos. Pensamentos esses que estavam em luta. Por um lado não queria ficar aqui possivelmente todo o resto do dia sem ninguém aparecer, e por outro não queria sair e perder a chegada de todos.

Por fim escolhi sair de casa, mas manter me perto. Nada melhor do que ir dar uma volta pela floresta. Parar uns momentos para relaxar. Sim, era disso mesmo que eu precisava agora. Clarividência, calma…

Segui pelo carreiro estreito que leva mesmo para o meio das árvores. Enquanto andava por entre os caminhos de terra, cada vez mais irregulares, passava as mãos pelas árvores escuras e sentia a sua respiração interior. Era uma espécie de cumprimento rotineiro que maninha desde sempre. Para conhecer os segredos da natureza, temos de conhecer aquilo que a compõe. Respeitar a sua essência.

Cheguei à pequena clareira, com o rio Yukon lá em baixo, e sentei me na terra quente pelo sol. Estiquei as pernas e inspirei o ar puro. A mistura de cheiros era avassaladora. Encheu-me de calor e vida. Fechei os olhos e virei a cara em direcção ao sol, enquanto a brisa me lançava os cabelos para todo o lado. Estava tudo perfeito… Concentrei-me e deixei-me desaparecer no meio de tudo aquilo, como se a terra me engolisse e eu não fosse mais que parte de todo aquele grande mistério, aquele novo mundo que me era permitido presenciar de vez em quando. Perdi a noção de mim mesma e ao mesmo tempo senti a terra começar a mover-se, a girar por baixo de mim. Era como se eu pudesse perceber todas as voltas que a terra dá sobre si mesma, como se pudesse sentir o nascer de todas as plantas, o mexer da água dos lagos, dos oceanos. Podia ver e quase tocar com a minha mente cada criatura que fazia parte deste ecossistema superior … Era magnífico. E por momentos desejei fazer parte dele plenamente.

Alguma coisa me despertou do transe e abri os olhos rapidamente, olhando à volta, o que me provocou uma tontura. Tinha ouvido qualquer coisa no meio das árvores e tentei descobrir de onde vinha, ou o que era, mas não via nada diferente. Levantei-me e andei até ao fim da clareira em busca de alguém ou alguma coisa. Mantive-me calada e tentei fazer o mínimo de barulho possível para tentar ouvir o que me despertou, mas não havia nada ali… Então porque não conseguia tirar da cabeça a sensação de estar a ser observada? Alguma coisa não estava bem e eu senti um arrepio passar-me pelas costas. Algo estranho se estava a passar. Senti que não devia mais estar ali. Quase como se uma voz me dissesse, ou obrigasse a ir embora. A floresta tornou-se inesperadamente silenciosa, deixei de ouvir o vento passar por entre as folhas velhas das árvores e o rio que antes enchia o ar com o seu borbulhar insistente agora parecia parado no tempo. Fiz o caminho de regresso mais rápido do que o habitual, num passo acelerado. Já podia ver a claridade ao fim do caminho quando ouvi um estalar do meu lado direito. “Corre!” Alguma coisa me disse e inconscientemente comecei a correr. Podia sentir as pedras rolarem por baixo dos pés e o vento empurrava-me o cabelo de encontro à cara, mas não o afastei. Tinha que chegar ao fim do carreiro irregular rapidamente, ou talvez não chegasse de todo… Não sei como soube isto, mas não iria duvidar deste instinto.

Quando finalmente cheguei à orla da floresta parei para respirar e tive que me apoiar nos joelhos para poder descansar. Olhei para trás em busca de alguma coisa que explicasse este medo repentino que tive, mas tudo parecia normal. As árvores pareciam pacíficas e não havia vestígios de qualquer coisa fora do normal.Talvez tivesse sido apenas imaginação minha… Não! O medo que senti não era imaginação. Esteve alguma coisa ali, se bem que agora não estava mais. Se calhar era melhor não voltar lá tão cedo. O que quer que fosse era perigoso e se não fosse pelos avisos que recebi… Nem quero pensar.

O dia já estava a escurecer e estava a instalar-se o frio característico daquela hora. Olhei para a mansão e esta continuava escura e aparentemente “desabitada”. Dirigi-me à entrada da cozinha e esqueci-me que tinha deixado a mala no Mini Cooper vermelho. Voltei para trás para buscá-la e fechei o carro que fez um estalido ao trancar. Corri até à porta principal desta vez, ainda estava um pouco nervosa e queria entrar rapidamente, a fechadura fez um barulho metálico antes de destrancar e empurrei a porta.


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Notas finais do capítulo

Cá está... O que acharam? Ainda não consegui decidir muito bem como moldar a personalidade da Emma, por isso talvez vá demorar um bocadinho a escrever o próximo capítulo, mas espero que não!
Obrigado por lerem! :D



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