Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 14
Dentro do aquário




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Saio do aerodeslizador pelos degraus magnéticos ao lado Dakota. Mordo o lábio inferior numa tentativa de me prender à realidade, porque a estranha sensação de flutuar no tempo está voltando. Fico em silêncio, me segurando em alguma força espiritual, e Dakota faz o mesmo, paralisada como uma estátua, mirando o olhar além.

O brilho dos flashes, as vozes atropeladas dos repórteres, os Guardas tentando impedir a passagem deles, mulheres da capital, perucas, gritos, peles coloridas e roupas berrantes, tudo transformou-se num borrão.

Piso no chão escorregadio da estação e pouco depois já estou num elevador, descendo em direção às catacumbas subterrâneas. O local apertado me deixa inquieto, tento fechar os olhos, mas não consigo por mais de dois segundos. Respiro fundo, bato os pés e suspiro de alívio quando as portas de metal se abrem.

O túnel subterrâneo fica embaixo da Arena, escuro, úmido e silencioso. Daqui entro numa das cápsulas e os Jogos Vorazes começam. Posso estar morto em horas, ou até minutos, com o cadáver exposto para todo o país.

Visões da Annie tomaram conta de mim durante a noite anterior. Fiquei imaginando como ela se sentiu assistindo aquilo.

O efeito devastador que temia, não veio à mim, mas com certeza a afetou, quebrou seu coração. Ah! Agora, mais do que nunca, preciso voltar para o Distrito 4 e explicar tudo para ela, não posso morrer com a Annie achando que sou um canalha, não posso!

“Quando a senhora assistir à minha vitória, sentirá um orgulho imenso, seu filho será um vitorioso.”

As lembranças giram em minha mente, continuo a caminhar, e os guardas da Capital me conduzem para a Sala de Lançamento.

“Finnick, promete que vai lutar até o último momento? Que fará de tudo para sobreviver?”

Papai, mãe! Procurei ao máximo esquecer vocês durante os dias sombrios, mas é impossível suas vozes serenas e aconchegantes não ecoarem na memória nesse momento, a cada passo mais próximo da morte.

“Finnick... eu te amo!”

“Sei que vai conseguir... por mim.”

Annie!

Enxugo as lágrimas.

Quando a agulha gélida fura meu braço, vejo o rastreador brilhar no meu pulso, dentro de mim, e aos poucos se apagar.

Nos distritos as pessoas estão escolhendo uma roupa bonita para ir à praça, ver o primeiro dia de carnificina, foi assim comigo ano passado. Vemos tudo de um telão instalado no Edifício da Justiça, onde o prefeito e a família também acompanham as exibições.

Panem inteira está estacionada, o maior evento do país vai começar. Crianças, jovens adultos, todo mundo reunido, como na Colheita, todos tensos. A Capital está em festa, como sempre acontece. Os vídeos das rebeliões, dos Dias Escuros, da opressão, guerras, miséria, sangue, lembrando à todos que Panem é deles, do monte de sujeira que tive o nojo de conhecer de perto.

Flutuo, me belisco, e depois me encontro sozinho, aos pés do círculo de metal.

–- Finn! – sorrio com a chegada de Mags.

–- Mags... – tento disfarçar a voz embargada.

–- Não podia deixar você ir sem te ver uma última vez. – anos de experiência devem explicar sua calma, Mags segura minha mão gélida e suspende meu braço – Como está bonito, mesmo nessa roupa...

Estou vestido com uma camiseta azul e preta apertada, calça leve e botas.

–- Hum, roupas próprias para temperaturas elevadas... – exclama pensativa – Pode esperar dias escaldantes. – diz enquanto afaga meu cabelo encharcado.

Me assusto quando o alarme soa, mas Mags apenas sorri.

–- Chegou sua hora, Finnick Odair. Coragem e Força, sei que vai conseguir.

–- Eu... – confuso, subo três degraus até o círculo de metal e ouço um ruído estranho, o vidro fosco sobe rapidamente e quando olho de volta para a sala vejo Mags acenar, talvez a última vez.

Antes de me sentir suspenso e do vidro ao meu lado desaparecer, vislumbro os lábios de Mags sussurrarem sinceros.

Que a sorte esteja sempre ao seu favor...


O Garoto do Tridente está num aquário, como um peixinho, se debatendo. Vejo a luz pouco acima se aproximar, o sol esquenta minha cabeça e sua luminosidade atinge meus olhos, me cegando por segundos. Entro numa nova atmosfera, uma dimensão paralela, o mundo no lado oposto do televisor.


Tive o sonho de estar aqui antes, mas ainda era uma criança boba. Nunca pensei que minha liberdade seria tirada dessa forma, sou um bichinho, um inseto num frasco de laboratório, com um rastreador injetado no braço!

Treinei por anos, posso ser um máquina de matar! É isso que eles fazem aqui! Máquinas de matar!

O vidro fosco desliza, revelando a paisagem vasta. É o cume de um planalto, o vento forte e quente com cheiro de terra úmida sacode meu cabelo loiro. Observo colunas brilhantes ao longe, paredes de vidro como as da câmara em que visitei no primeiro dia de treinamento, um labirinto de vidro, mas este segue por quilômetros, quase não se vê o deserto, a areia amarelada e os oásis ricos e verdejantes na linha do horizonte. O chifre dourado brilhante e gigante, recheado de armas, água, comida, remédios e o que for preciso para sobreviver na Arena nos espera, com mochilas e maletas jogadas nos vinte metros até o paraíso.

Os outros tributos em suas cápsulas preparam-se para a corrida. Pé esquerdo atrás, joelho direito dobrado na frente, braços flexionados na altura do peito (sei isso de cor). Faço o mesmo.

Dakota sorri, depois de dois tributos dos Distritos 7 e 10. Sinto um arrepio quando vejo Zen ao lado dela, o menino em posição de ataque, como uma rã. O cabelo cinzento desgrenhado inconfundível... Ai! Meu coração dói, sei que daqui a pouco seu corpinho magricela estará mutilado e jogado no chão. Outra pessoa que acha que sou um traidor.

O marcador digital no telhado da Cornucópia acende. Ouço a voz familiar e lendária do Claudius Templesmith, locutor tradicional dos Jogos Vorazes.

–- Senhoras e senhores, está aberta a sexagésima quinta edição dos Jogos Vorazes!

A contagem regressiva começa. Um minuto até o gongo soar e podermos correr. Há minas terrestres logo abaixo de nossos círculos, se sairmos antes do tempo explodimos e temos nossos pedaçinhos espalhados pelo local. Quem quiser apelar para o suicídio, essa é uma ótima oportunidade, mas acho que ninguém quer morrer assim.

45, 44, 43, 42, 41, 40...

Ouço meu peito chiar, respiração descompassada.

Annie, mamãe, papai, Mags, Claire, Lia, amigos do cais, Distrito 4, Panem.

Chegou a hora.

10, 9, 8, 7, 6, 5, 4...

Última lágrima.

3, 2, 1

Agora!

Finnick Odair está preparado.

Salto e começo a correr, os pés esmagando a grama alta, mirando a Cornucópia, com uma ânsia de vômito descontrolada, queimando meu esôfago, latejando na cabeça. Corro, meus passos não vacilam como imaginei que aconteceria, indo numa velocidade alucinante, deixando os tributos se matando para trás.

Tropeço numa mochila e me desequilibro inteiramente, caindo no mato e rolando. Fico de pé e sinto o chute descomunal me derrubar novamente. Um garoto avança, não o reconheço. Levanto o pé e lhe atinjo na barriga. Ele recua. Me arrasto um pouco pela grama para trás e levanto.

Pego a mochila e ponho nas costas. O garoto envergado investe novamente e me empurra. Ele cai por cima de mim e pressiona os dedos no meu pescoço. Minhas mãos apalpam o chão desesperadas e depois partem para agarrar a cabeça dele. Meu polegar aperta o olho do menino com força, ele grita e paralisa por instantes, a ponta afiada e fria da espada roça na minha barriga. O menino cai para o lado, me libertando e vejo Dakota limpando a arma suja de sangue na minha calça.

–- Vem peixinho. – fico de pé num salto e a acompanho na corrida. A Cornucópia ainda está distante.

Vejo tributos lutando, correndo, socando para todo lado. Numa confusão de mochilas, facas, espadas, arcos! Continuo atrás de Dakota e... arregalo os olhos de susto!

Ah, meu Deus! Uma flecha atinge seu ombro. Dakota cambaleia e eu consigo segurá-la. A menina, numa frieza tenebrosa, consegue arrancar a flecha que lhe atingiu, soltando um único grito de dor e jogando-a no capim.

A tributo do Distrito 6 corre para longe e se vira para atirar mais uma vez, em mim. A flecha passa à centímetros do meu pescoço. A garota cai com a pedrada na cabeça e vislumbro Zen pisar em seu pescoço, matando-a, pegando sua mochila vermelha e depois correndo para o labirinto.

Oh! Pisco apressadamente, acho que tive uma alucinação.

–- Dakota... – tento não deixá-la cair.

–- Cala a boca, idiota! Isso só foi uma flecha mau atirada, você não vai se ver livre de mim assim tão fácil. – suspira tentando engolir a dor – Vamos! – firma os pés no chão.

A corrida frenética recomeça, Dakota segue com a mão no ombro, tentando estancar o sangue. Duas pessoas chegam por trás e nos ultrapassam, Irina e Dan acenam enquanto se aproximam da Cornucópia.

Ai! A adaga penetra minha perna, e grito de dor. A calça aos poucos escurece, sangrando.

–- AH!!!!!!!! – o tributo feminino do Distrito 3 avança, vejo o número reluzir na camisa, reconheço o rosto de quando sentei ao seu lado, enquanto esperava a entrevista com Caesar. A menina enlouqueceu, o rosto avermelhado e contraído de ódio chega cada vez mais perto.

Ela prepara para arremessar mais uma faca. Meu punho lhe atinge no rosto, agarro o braço estendido e o prendo atrás de seu corpo, seu grito quase me ensurdece, quando pressiono e o membro quebra com um estalo. Três, dois, um e minha mão, que ela tenta morder, segura no seu queixo e gira o pescoço, quebrando-o.

O cadáver da minha primeira vítima cai como um dos bonecos de trapos do treinamento. Tiro com dificuldade a faca da minha perna, sentindo a lâmina roçar novamente pela carne que ela perfurou e limpo o sangue na blusa. Guardo o instrumento na mochila e acompanho minha colega para longe dali.



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Notas finais do capítulo

Gente, sábado eu estava num site sobre filmes e lançamentos e tal. Até que encontrei ela! Uma atriz quase exatamente como imaginei Dakota! Pois é, aqui vai uma foto dela e ainda um menino super parecido com Zen:

Zen:

http://0.tqn.com/d/scifi/1/0/p/k/-/-/s02e03_mordred_02_1600x1200.jpg

Dakota:

http://mdemulher.abril.com.br/blogs/ta-rolando/files/2012/05/hick-chloe-moretz-240791.jpg

Dakota foto 2:

http://www.filmofilia.com/wp-content/uploads/2010/12/Chloe-Moretz.jpg

Dakota foto 3:

http://wfiles.brothersoft.com/c/chloe-moretz-photo_159721-1600x1200.jpg

Se quiserem dar uma olhada, está ai os links.

Obrigado leitores.