Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 15
Caçada no Labirinto


Notas iniciais do capítulo



Atenção: contém cenas de violência e tortura.



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O vento atravessa a Cornucópia por suas aberturas laterais, assobiando intensamente, fazendo-a de apito. O sol nos queima escaldante, brilhando fortemente no céu azul e sem nuvens.

Olho para trás e vejo corpos espalhados pelo local, nove se não me engano, não consigo contar direito, ainda estou um pouco desequilibrado, é muita coisa para minha mente assimilar. Vislumbro o garoto que foi morto por Dakota e a menina do Distrito 3 assassinada por mim.

Dou as costas, prevendo o pesar que me atinge em seguida, junto com uma ânsia de vômito horrível. Eu tirei uma vida, nunca mais serei o mesmo.

A maioria dos tributos já foram para o labirinto, restam apenas eu e Dakota subindo os degraus até a Cornucópia para se juntar aos quatro Carreiristas que nos esperam. Manco, o corte foi profundo, a dor na perna continua intensa, mas o sangue aos poucos vai estancando.

Como pude deixar um tributo me atacar daquele jeito e ainda ser ferido por uma adaga? Meu Deus, acho que tentar controlar os efeitos psicológicos me fez travar no choque de realidade, eu sou muito mais forte do que isso.

Daqui à pouco poderemos ouvir o som dos canhões e os aerodeslizadores recolhendo os corpos, saberemos quantos morreram no primeiro dia, e à noite suas imagens refletiram no céu, não sei se é algum tipo de homenagem macabra ou para nos ajudar à identificar quais são os tributos que ainda restam.

O grupo que nos aguarda, está pegando armas, mochilas, maletas de remédios e amontoando tudo, formando uma pilha enorme num canto isolado da Cornucópia. Opala, próxima aos mantimentos, escolhe rapidamente o que precisa, fica com um arco em cruz, guarda comida em sua mochila azul clara e fecha o zíper apressada. Irina empurra com esforço um galão pesado de água.

Dan e Seth analisam minuciosamente os instrumentos de batalha disponíveis, esticando o pescoço e fitando tudo com admiração. O garoto do Distrito 1 se agacha e pega uma clava de aço, levanta o instrumento com dificuldade, segurando a barra escorregadia com muito cuidado e aproximando a ponta repleta de espinhos dos seus olhos de gude. Dan se interessa por um belo machado.

Todos se viram, surpreendidos com nossa chegada. Ao perceber que somos nós, suspiram de alívio.

–- Hum, enfim chegaram! – Dan caminha até mim e Dakota, sorridente, sorrateiro, com o machado bronze cravejado de esmeraldas numa das mãos – Pensei que iriam quebrar o acordo.

–- Oh, Dan... Claro que não, seria muita burrice da nossa parte – deixo minha colega respondê-lo, ela é mestra em manipulação, em outra realidade daria uma ótima atriz – Eu nunca quebro um acordo, creio que o Finn também não.

–- Ora, não podemos confiar em ninguém aqui dentro, senhorita Marshall.

–- Verdade, muito menos em você Daniel. – a troca de sorrisos é incômoda, porque é visível o ódio nos olhares.

–- Ferimentos? – pergunta Seth apontando o queixo para o ombro machucado de Dakota e minha perna perfurada.

–- Nada grave... nos descuidamos em meio à confusão. – falo hesitante, tentando não demonstrar fraqueza.

–- Pessoal, só tem água suficiente para hoje, como somos seis, esse galão pequeno acabará rápido – Irina interrompe, ofegante, o cabelo ruivo desgrenhado, molhado de suor, grudado na testa reluzente. A espada curvada presa no seu cinto brilha.

–- Ok, então amanhã partiremos em busca de mais... – Dan diz enquanto caminha até um dos arcos de acesso à Cornucópia. – Daqui do alto, é possível desenhar um mapa do labirinto, assim poderemos atravessá-lo e chegar nos oásis mais rapidamente.

Me aproximo dele e recosto o ombro direito na lateral do arco.

Vendo com mais calma, posso traçar a Arena em minha mente.

A Arena é um morro, um planalto. E a Cornucópia fica no ponto mais alto, exatamente no meio do labirinto de vidro fosco coberto de trepadeiras floridas e espinhosas. As curvas brilhantes e sinuosas, se estendem por aproximadamente dois quilômetros descendo o terreno inclinado até chegarem no deserto, onde fica os oásis, a comida e a água abundante, também não posso esquecer das serpentes bestantes. Andaremos uns vinte metros até chegarmos nas múltiplas entradas do labirinto, e o terreno até lá é de capim alto e verdejante. Creio que o maior problema nisso tudo é o sol, quente a ponto de ferver meus miolos, desanimador, já que estamos num local protegido e sombreado. Se formos à noite, será pior, porque conseguir chegar ao outro lado no escuro deve ser quase impossível.

Nos sobressaltamos com o som estridente dos canhões. Paralisamos instantaneamente e escutamos com atenção.

Um, dois, três... os números surgem em minha mente aluada... sete, oito, nove... e cessou. Todos soltam o ar dos pulmões e sentam, porque o chão começa a tremer com a chegada dos aerodeslizadores, a ventania morna invade o local e assistimos as garras de metal levantar os cadáveres, levando-os embora.


Desperto aterrorizado de um cochilo recheado de mortos, criança mutiladas e imagens minhas fincando com violência um machado na barriga de alguém. Quase senti o sangue espirrar em meu rosto de verdade, sangue quente, vermelho e visguento. A sorte foi Dakota ter me cutucado com urgência.


–- Vem Finnick! – grita e me puxa, cambaleio um pouco na hora de levantar, bocejo, sinto algo gélido no ferimento da perna e percebo a pomada branca pela calça rasgada. Pego a minha mochila cinzenta, a ponho nas costas e escolho uma espada no meio da pilha.

–- O que está acontecendo?! – pergunto assustado e caminhando com mais firmeza atrás dela, que corre com o cabelo loiro esvoaçando para trás.

–- Dois tributos tentaram roubar nossa comida, agora os outros foram atrás deles! – grita em resposta enquanto descemos os degraus e corremos para tentar acompanhá-los. Sinto o ferimento latejar, mas tento ignorar. Dakota vai na frente e vemos Dan, Irina, Opala e Seth entrarem no labirinto.

Os alcançamos, depois de algumas curvas. O grupo está confuso e a procura virou um tipo de diversão para eles.

Caçada no labirinto.

Fico um pouco sem ar, o oxigênio só entra por cima. Levanto a cabeça e olho o céu ficar laranja... está anoitecendo.

Meu reflexo é um flash no vidro fosco, vislumbro meu corpo tomar diferentes formas, se multiplicar e andar em diferentes direções. O local é uma ilusão de ótica incrível, vemos nós mesmos no vidro com muita perfeição, mas ao mesmo tempo podemos assistir o que está do outro lado.

Dan está vermelho de raiva e chuta a grama enquanto corre, nem quero imaginar o que ele vai fazer se encontrar os tributos que nos roubaram. Irina ri e cantarola ameaças com suavidade. Opala e Seth se apóiam contra o vidro, fazendo caretas tentando ver alguém se mexer do outro lado.

–- Vem! – Dan acena antes de entrar no próximo corredor e a fila de tributos seguir atrás dele. Escorregamos quando sentimos o terreno começar à inclinar e não podemos mais tocar nas paredes de vidro, porque os galhos espinhosos começam à aparecer.

Pisco os olhos, perplexo, paro por alguns segundos e um arrepio percorre minha espinha quando som agudo e irritante dos galhos espinhosos chegam aos meus ouvidos. É isso mesmo! Os galhos se mexem, parecem se trançar, apertando um aos outros, roçando com violência nas paredes, num ruído penetrante.

Sombras se movem atrás dos galhos, duas sombras, dois tributos! No lado oposto do vidro.

–- Ali! – Opala grita, ela também viu.

No instante seguinte os dois tributos passam no corredor atrás de mim.

–- Por aqui! – Seth aponta e corre, o sigo, e os outros surgem da curva que acabaram de entrar.

–- Quem está ai... – Irina sussurra, tentando assustar os tributos – Nós vamos matar vocês, bem devagarzinho.

–- Ossinhos vão se quebrar, sangue vamos derramar... – Dan ri sarcástico.

–- Ninguém merece – sussurro para mim mesmo, indignado com aquele joguinho nojento. – A brincadeira acabou para mim... – digo andando para trás, ninguém escuta, exceto Dakota que me empurra.

–- Finn, engula essa sua mania de bom moço e caminha, se quiser continuar com a aliança...

–- Eu quero acabar com isso agora. – digo, baixo.

–- Ah é, então faz a bobagem e morre, quem vai perder é você. – Dakota me lança um olhar ameaçador e me ultrapassa. Eu a acompanho indignado.

As risadas ecoam, me surpreendem. Viramos outra curva e nos deparamos com uma festinha demoníaca. Gritos de empolgação, sussurros maldosos, cantarolados. Uma menina morena, completamente suja e cheia de ferimentos se debate. Dan aperta o pescoçinho fino com brutalidade, e os olhos castanhos dela parecem prestes à saltar das órbitas. A voz e os pedidos de socorro falham.

–- Roubando nossa comida? Oh, como você se acha espertinha... – Irina põe uma das mãos na cintura, e apóia a outra no ombro direito de Dan, jogando os cachos ruivos para trás e sorrindo – Você vai morrer, iremos furar seus olhinhos assustados...

Olho tudo de trás, afastado, fechando a mão com força em volta do pomo da espada, sentindo minhas unhas furarem minhas próprias mãos de tanto ódio, meus dentes rangem. Eu não posso assistir à isso e não fazer nada.

– Hum, porque não está sorrindo? Quero você sorrindo para a gente, agora! – a menina mexe a cabeça, tentando escapar, o sangue preso faz sua face avermelhar violentamente. Ela dobra o joelho e pende a cabeça para trás. Dan corre, arrastando-a e empurra a menina contra a parede. Os espinhos se mexem com mais rapidez e começam à enrolá-la, perfurando sua carne e derramando o líquido vermelho.

Os gritos agudos irrompem, as risadas voltam, Dakota também ri e não parece chocada com a cena.

É como se o sofrimento da garota pesasse em mim. Annie volta aos meus pensamentos, ela deve estar assistindo isso e me vendo ali parado sem fazer nada! Não penso quando avanço. Mesmo que as conseqüências sejam o fim da aliança, eu não admito uma crueldade dessas, nunca! NUNCA!

–- Pare! – grito.

Frio, ergo a cabeça quando Dan se vira para mim, descrente, ainda segurando o pescoço da menina. Irina sorri para mim, como quem diz “mais um para o jantar”. Dakota tapa a boca irritada e surpresa, Seth e Opala param de sorrir.

–- O que disse? – o brutamontes pergunta.

–- Eu mandei você parar! – repito entre dentes, dando ênfase à última palavra.

–- E porque eu faria isso?

–- Porque quem quer matá-la... sou eu. – respondo, foi a única coisa que veio à minha cabeça. Todos relaxam, pulam e esfregam as mãos excitados. Dan sorri e solta a garota que cai de joelhos, se libertando dos espinhos. Irina e ele recuam e eu me adianto. Olho para trás e eles riem, Dakota faz um sinal de aprovação.

–- Mata!

–- Acaba com essa ladra!

–- Isso aí Finn!

Pouso o olhar na garota, me ajoelho próximo ao seu lado, com muita pena, o coração partido. Minha mãos molhadas levantam a espada e a segura apontada para peito da menina. Engulo em seco e o número onze na camiseta dela me surpreende.

–- Manda essa coisa pro inferno!

Num único golpe acabo com o sofrimento dela. Furo no peito e o canhão estoura.

–- Desculpe... – sussurro para a garota morta.

Levanto rapidamente e sinto os tapinhas de aprovação nas minhas costas. Eu não queria matar aquela menina, quem eu quero matar são esses Carreiristas desgraçados. Ela é do mesmo Distrito que Henry, e devia ser amiga dele. Ela não podia ter se arriscado e roubado nossa comida, mas... Meus pensamentos voam e a ficha cai. Solto a espada.

Nem percebo quando os outros se afastam e se concentram em algo largado na grama. O baque do instrumento no chão me desperta.

–- Ora... o que é isso? – Seth vê um objeto estranho no chão e se abaixa para pegá-lo.

–- Qual a utilidade disso? – ouço Opala perguntar para Seth atrás de mim.

–- Uma flauta? – ah! Meu coração gela quando escuto Irina dizer isso. Levanto a cabeça com os olhos arregalados. Então é mesmo o que eu pensava, quem estava com a garota era o Henry... Encontraram sua flauta.

A emoção me abala quando lembro...

“Sempre carrego essa flauta comigo...”, “Meu avô me ensinou a tocá-la...”

Não! Extravaso por dentro e me viro.

–- Me dá essa porcaria! – Dan segura o objeto com repugnância e o atira de volta na grama – Temos mais com o que se preocupar... – pisa com força e ouço a madeira se quebrar com um estalo.

Procuro manter o controle e não atacá-lo.

–- Não sei se vocês perceberam... – exclama e completa – Mas estamos perdidos nesse maldito labirinto.

O céu está escuro. A noite chegou.



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Notas finais do capítulo



Gente, na foto anterior o menino que parece com Zen estava muito pequeno, agora tem uma foto melhor:

http://www1.pictures.zimbio.com/gi/Asa+Butterfield+2011+National+Board+Review+g0PwHopauJHl.jpg

Até mais!