Jogos Vorazes - O Garoto Do Tridente escrita por Matheus Cruz


Capítulo 1
Annie




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Quando sinto a água gelada do mar inundar meus pés, minha primeira reação é abrir os braços e respirar fundo o ar salgado. Cheiro de vida, costumava defini-lo quando minha mãe me perguntava se gostava da praia.

Eu amo a praia. A areia morna, a água esverdeada e refrescante, o céu azul claro e o sol escaldante trazendo luz e alegria para os meus cansativos dias de trabalho no cais. Hoje ninguém trabalha, é dia da Colheita, por isso aproveitei e vim refletir um pouco.

Meu nome é Finnick Odair e sou residente do Distrito 4, tenho apenas 14 anos, mas trabalho seis dias por semana, desde os meus dez anos, acordando cedo para pegar a balsa e ir com meus companheiros jogar a rede no mar.

Existem pessoas, em outros distritos, que vivem numa situação muito pior que a minha, mas não gosto do que faço, apesar de possuir grandes habilidades na pesca.

A grande vantagem nisso tudo é o paraíso que se estende por quilômetros diante dos meus olhos, cintilando, ganhando diferentes colorações. Mesmo sem poder falar, apenas na dele, formando ondas e puxando a água de volta para si, o mar é o meu melhor amigo. Nós nunca brigamos ou discutimos, ele apenas me ouve.

Já foram desabafos, pedidos, conselhos, eu sempre falando e ele me ouvindo.

Engraçado... nunca achei que fosse louco.

–- Finnick! Eu sabia que você estava aqui. – senti os braços em volta de mim, seu cheiro adocicado, sua respiração descompassada, a voz melodiosa. – Estou com muito medo, fica perto de mim.

Fico de frente para ela, abraço sua cintura fina e lhe beijo.

Anne se assusta, mas depois retribui com a mesma intensidade. Ficamos um bom tempo ali, sentindo o vento fresco e o sol queimar nossas costas.

Anne parece insegura, ficou a semana inteira tensa, pensando na Colheita. Tenho medo que você vá, ou talvez eu seja selecionada e nunca mais poderei te ver..., ela repetiu essa frase tantas vezes.

–- Não se preocupe, vamos ficar bem... – digo, tentando tranqüilizá-la, mas eu sei que não é verdade.

...

Nos conhecemos um ano antes.

Anne trabalhava no mercado, onde os peixes são tratados antes de serem mandados para a Capital.


–- Ai garoto! – Annie se esbarrou comigo na frente do mercado. Todo o peixe que ela levava na cesta caiu, espalhando pelo chão. – Olha só o que você fez! – Annie avançou em mim, me esmurrando na cabeça, vermelha de raiva. – Seu imbecil!

–- Pare! Ai, isso dói! – disse, mas ela continuou, enlouquecida. – Ei! – disse agarrando seus braços e a olhando nos olhos.

Azuis, hipnotizantes. Me lembra o mar à noite, durante a maré alta, refletindo as estrelas na sua superfície. O rosto angelical dela me encantou, sua expressão de raiva ficou fotografada na minha mente, mesmo que tenha durado poucos segundos após eu encará-la.


Annie ficou paralisada, me observando e, depois de alguns segundos, simplesmente sorriu.

Sempre causo esse efeito nas garotas. Não é algo intencional, acontece. As pessoas, desde que eu era criança, se encantam e elogiam minha beleza. Até mesmo meus colegas do cais. Cara, você é realmente muito bonito, devia está lá na Capital, coberto de luxo, não aqui puxando rede com a gente.

Meus olhos, verdes como o mar no mais feliz dia de sol, foram eles que fizeram Annie Cresta se apaixonar por mim.

...

As pessoas se aglomeram na Praça Principal do Distrito quatro. No alto das escadarias do Edifício da Justiça, Claire Sam se prepara para a Colheita, com um microfone vermelho na mão, o terno lilás rodado escondendo seus pés, brilhando ainda mais que o topete laranja.

Nos dois extremos do pátio do edifício, os tradicionais globos de vidro, recheados com tiras de papel com os nomes dos tributos, reluzem com o sol forte. O prefeito do distrito aparece junto com sua família, num canto, todos formalmente arrumados como em todos os anos.


O hino de Panem ecoa até os meus ouvidos, onde espero junto com os demais garotos que também esperam pelo resultado da colheita.

Procuro por Anne, e a vejo entre as garotas, com um vestido amarelo desbotado, triste. Ela está aflita, esperando Claire sortear o primeiro tributo. E sempre começa pelas garotas.

Assistimos um último vídeo para relembrar que os distritos são submissos e que a Capital é a dona do pedaço, já vi milhões de vezes na escola e nos eventos anuais do distrito, por isso nem presto atenção.


–- Bom dia queridos, meus futuros tributos – diz Claire, com uma voz melodiosa, cruelmente alegre – Antes de tudo... Feliz Jogos Vorazes! E que a sorte esteja sempre ao seu favor! – ele levanta os braços e recebe aplausos tímidos.

–- Bem, como sempre – ele caminha até o globo de vidro do lado direito – as garotas primeiro.

Claire enfia a mão no pequeno buraco na lateral do globo e tira uma tirinha de papel.

A tensão se espalha entre as garotas, Annie me lança um olhar assustado, eu tento passar alguma segurança para ela com um sorriso, mas não funciona. Meu coração acelera, e anseio pelo resultado.

–- Dakota Marshall – Claire diz e sua voz ecoa, quebrando o silencio na praça. Dakota, uma garota magra, de longos cabelos louros, se adianta à passos hesitantes. Annie volta a respirar, e sorri para mim, aliviada.

Eu retribuo, mas meu coração ainda bate forte.

Quando Dakota fica ao lado de Claire, ele aperta a mão da menina, que deve ter mais de quinze anos, e sorri. Depois caminha até o globo de vidro do outro lado, onde está as fichas com o nome dos tributos masculinos, e respira fundo.

Uma daquelas tirinhas tem o meu nome.

Claire, com certeza, não quer que o evento se encerre, mas sim saborear esse momento que só acontece uma vez ao ano.

Desliza a mão devagar dentro do globo, parece brincar de escolher a próxima vítima, e quando finalmente pega...

O silêncio se instala, Annie fica tensa de novo, meu coração dói de tanto bater contra as costelas. O vento faz meu cabelo louro chicotear meu rosto, eu respiro fundo e espero até escutar o meu nome.

–- Finnick Odair.



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